A 4ª Vara Federal de Belém é quem tem competência para processar e julgar os réus denunciados por crimes de fraudes e falsificações de documentos públicos em favor da empresa Agropalma. Os advogados desses réus, sob o argumento de conflito de competência, queriam que o caso fosse julgado pela Vara Única da comarca do Acará.
A decisão, cuja íntegra o Ver-o-Fato teve acesso com exclusividade, é do ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ), Jesuíno Rissato, desembargador convocado do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT).
Rissato afirma na sentença que, por existir “elementos de prova aptos a evidenciar a conexão das condutas, uma vez que os fatos que deram origem aos inquéritos teriam sido praticados no mesmo contexto fático – apuração de prática de delitos decorrentes de fraudes ou falsificações em documentos públicos, com a finalidade de dar aparência de legalidade à apropriação indevida de terras rurais por parte do Grupo Agropalma S/A, a fim de serem apresentados ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), ao Instituto de Terras do Pará (Iterpa)n e à Receita Federal -, impõe-se o reconhecimento da competência da Justiça Federal do Pará, nos termos da Súmula 122 desta Corte”.
Ele conheceu o conflito de competência, mas descartou a Vara do Acará para julgá-lo. Rissato entendeu que as ações eram conexas, no entanto observou que o “risco nítido de haver julgamentos conflitantes, já que uma ação está tramitando perante a Vara Única da Comarca do Acará e outra está tramitando perante a 4ª Vara Federal Criminal da Seção Judiciária do Estado do Pará”.
Ainda de acordo com o ministro do STJ, “mesmo que os julgamentos não sejam conflitantes, há verdadeiro risco de que alguns réus sejam condenados duas vezes pelos mesmos fatos: uma perante o juízo estadual e outra perante o juízo federal, caracterizando verdadeira possibilidade de bis in idem ( ou seja, sem repetição. uma locução latina empregada para significar que não se devem aplicar duas penas sobre a mesma falta)
Fraudes a torto e a direito
Consta dos autos que o Ministério Público do Pará (MPPA) ofereceu denúncia, na data de 19 de março de 2015, contra Antônio Pereira da Silva, Saulo Sales Figueira, Maria do Socorro Puga de Oliveira, José Hilário Freitas e Francisco Valdete Rosa do Carmo, como incursos nos artigos. 297 § 1º – Falsificar, no todo ou em parte, documento público, ou alterar documento público verdadeiro: Pena – reclusão, de dois a seis anos, e multa – e 299 parágrafo único, do Código Pena – falsidade ideológica -, em concurso material
Em 28 de abril de 2021, a Procuradoria da República no Pará (MPF) ofereceu denúncia contra Maria do Socorro Puga de Oliveira dos Santos, esta já excluída ação, Francisco Valdete Rosa do Carmo, Clóvis Ivan Bastos Braga e José Hilário Rodrigues de Freitas.
O juízo da Vara Única do declinou de sua competência em razão da conexão entre as ações e o risco de decisões conflitantes, uma vez que “as falsificações e as fraudes objetos das duas ações – já que versam sobre os mesmos fatos – tinham por finalidade a apresentação dos documentos perante órgãos federais ( Incra e Receita Federal)”
Por sua vez, o juízo Federal da 4ª Vara Criminal do Pará suscitou o presente conflito de competência por entender que “embora tenha sido adotada uma proximidade entre as provas, os feitos não exigem julgamento conjunto porque não tratam dos mesmos fatos, tampouco o presente feito ofende direta ou indiretamente interesse federal, a ensejar possível inobservância de competência constitucional absoluta ou bis in idem ou entendimentos conflitantes entre os juízos”.
O Ministério Público Federal, em seu parecer, manifestou-se pela competência do juízo Federal. O ministro Jesuíno Rissato conheceu o conflito de competência, “por se tratar de incidente instaurado entre juízos vinculados a tribunais distintos, nos termos do artigo 105, I, d, da Constituição Federal”.
Em parecer final, a Promotoria de Justiça sustenta que a ação penal de nº 1002054-56.2021.4.01.3900, em trâmite perante a 4ª Vara Federal Criminal possui fatos idênticos aos apurados nos presentes autos e denunciados semelhantes, razão pela qual opinou pelo reconhecimento de conexão entre os processos e pela fixação da competência da Justiça Federal para processar e julgar os feitos.
Ações criminosas
“Analisando a denúncia formulada nos autos da Ação Penal verifico que foram denunciados José Hilário Rodrigues de Freitas, Maria do Socorro Puga de Oliveira Santos, Francisco Valdete Rosa do Carmo e Clovis Ivan Bastos Braga, sob o fundamento de que, entre os anos de 2005 e 2017, teriam se associado a Antônio Pereira da Silva e Antônio Pinto Lobato Filho (ambos falecidos), para, mediante recebimento de vantagem indevida e sucessivas falsificações de documentos públicos e particulares, conferirem aparente legalidade a ocupações indevidas de propriedades rurais em benefícios das empresas do Grupo Agropalma junto ao Incra, Iterpa e Receita Federal, incidindo na prática dos crimes previstos nos artigos 299 e 304, do CPB, e no artigo 2º, da Lei nº 12.850/2013; de que, no âmbito da organização criminosa, em 2011, o réu Francisco Valdete Rosa do Carmo, valendo-se de sua função pública de titular do Cartório de Registro de Imóveis do Município do Acará, recebeu vantagem indevida de Antônio Pereira da Silva, para restaurar livros cartorários em desconformidade com a realidade, incorrendo no crime tipificado no artigo 317, §1º, do CPB; e de que tais fraudes documentais tinham por finalidade apresentar os documentos falsos perante o Incra, Iterpa e a Receita Federal, com o propósito de o Grupo Agropalma S/A se apropriar de terras que não lhe pertenciam”, salienta o ministro.
“Individualiza as condutas dos denunciados, esclarecendo que Antônio Pereira da Silva (falecido) e José Hilário Rodrigues de Freitas, ambos representantes do Grupo Agropalma S/A, utilizaram documentos falsos perante o Incra, Iterpa e a Receita Federal, em processos de certificação; que Maria do Socorro Puga de Oliveira dos Santos e seu filho Antônio Pinto Lobato Filho (falecido), enquanto responsáveis pelo Cartório de Registro de Imóveis do Município do Acará, forjaram certidões de propriedades de imóveis rurais atestando-os como pertencentes ao Grupo Agropalma S/A; que, ainda, após a destituição de Maria do Socorro Puga de Oliveira dos Santos, criaram um cartório fictício, chamado cartório Oliveira Santos, para emitir certidões falsas; que, de posse de tais certidões, Antônio Pereira da Silva (falecido) e José Hilário Rodrigues de Freitas, dirigiam-se a cartórios de notas, onde faziam constar, em escrituras públicas, a completa cadeia dominial dos imóveis atingidos pela fraude, sempre em propriedade do Grupo Agropalma S/A; que, de posse dos títulos translativos, o réu Francisco Valdete Rosa do Carmo, já tabelião do Cartório de Registro de Imóveis do Município do Acará promoveu a restauração de livros supostamente extraviados, com base em documentos comprobatórios de propriedade apresentados pelos próprios titulares das terras; que Clóvis Ivan Bastos Bragas, a mando dos representantes do Grupo Agropalma S/A, inseriu informações falsas no Sistema de Gestão Fu n d i á r i a ( S I G E F )” .
Por fim, o ministro diz: “vê-se, portanto, que, assiste razão à tese sustentada pela Promotoria de Justiça em seu parecer final, posto que ambas as ações versam sobre os mesmos fatos e possuem a mesma causa de pedir, sendo, desta forma, conexas. Explico.Tanto a presente ação penal quanto a ação penal de nº 1002054-56.2021.4.01.3900, em trâmite perante a 4ª Vara Federal Criminal da Seção Judiciária do Estado do Pará, têm como objetivo apurar a prática de delitos decorrentes de fraudes ou falsificações em em documentos públicos de propriedade, com a finalidade dar aparência de legalidade à apropriação indevida de terras rurais por parte do Grupo Agropalma S/A, a fim de serem apresentados ao Incra, ao Iterpa e à Receita Federal. Possuem, também, os mesmos denunciados, com exceção do réu Saulo Sales Figueira, o qual figura somente neste processo”.