Os advogados do ex-deputado Luiz Sefer comemoraram intensamente o placar de 9 a 6, no Pleno do TJ do Pará, que escancarou as portas da prescrição, uma vez que Sefer deve completar 70 anos em setembro deste ano, auferindo o benefício da lei, que derruba pela metade o tempo da pena. A tese vitoriosa na sessão secreta de ontem (19) do colegiado de desembargadores foi desenterrada da sepultura de coisa julgada pelo novato na corte, Alex Centeno.
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) e o Supremo Tribunal Federal (STF), já haviam rejeitado a tese reanimada por Centeno. O processo, com trânsito em julgado, voltou para Belém para que o TJ definisse a dosagem da pena, fixada na sentença original de 2010 em 21 anos, e estabelecesse o valor a multa a ser paga por Sefer, estipulada em R$ 120 mi, a ser atualizada. O mais importante é que o ex-deputado condenado deveria ter sido recolhido à cadeia, como determinava a sentença, o que até hoje não aconteceu
O Ver-o-Fato teve acesso à íntegra de um voto (leia abaixo) que, lido no plenário, durante a sessão de julgamento, o da desembargadora Eva do Amaral Coelho, poderia ter poupado a maior corte do judiciário paraense de um vexame. A análise do voto dela, submetida pelo Ver-o-Fato à apreciação de alguns juristas que preferem não ter seus nomes divulgados, revela uma grande preocupação com a correta aplicação do princípio do juiz natural e com a observância da jurisprudência consolidada nos tribunais superiores.
Logo no começo das 14 páginas do voto, Eva do Amaral afirma: “considerando que funcionei na condição de órgão relator dos embargos de declaração opostos contra o acordão confirmatório da condenação do ora agravante nestes autos, me sinto autorizada a me manifestar neste julgamento para demonstrar que, em caso de acolhimento da pretensão de seguimento do recurso extraordinário, este Tribunal Pleno incorrerá em grave erro judiciário, isso porque a questão nele veiculada se encontra encoberta pelo manto da coisa julgada, razão pela qual deve ser inadmitida’.
“A magistrada demonstra um profundo conhecimento do caso e das nuances jurídicas envolvidas, buscando uma solução justa e juridicamente consistente”, declarou um dos juristas. ” A impunidade não pode prevalecer com o carimbo do tribunal. O Ministério Público precisa agir com urgência e fazer reclamação aos tribunais superiores, afirmando peremptoriamente que suas decisões não são acatadas no Pará”, resume outro.
O fiscal da lei no processo é o procurador de Justiça, Hezedequias Mesquita da Costa. O Ver-o-Fato tenta contato com o procurador.
Os principais pontos desse voto de Eva do Amaral são os seguintes:
Revisão do histórico processual: A desembargadora realiza uma análise minuciosa de todo o histórico processual do caso, desde o primeiro julgamento da apelação até as decisões do STJ e do STF. que anularam o acórdão absolutório e restabeleceram a condenação.Essa revisão detalhada permite uma compreensão clara da complexidade do caso e das diversas questões jurídicas que foram levantadas ao longo do processo.
Alegação de violação do princípio do juiz natural: A defesa do ex-deputado, em um “aditamento” às razões da apelação, suscitou a tese de violação do princípio do juiz natural, alegando que não houve supervisão judicial na investigação, já que ele possuía prerrogativa de foro à época do crime.
Anulação do processo e embargos de declaração: A 3ª Turma de Direito Penal do TJPA, em um primeiro momento, anulou o processo com base nessa alegação. No entanto, o STJ cassou essa decisão e determinou o retorno dos autos para julgamento da apelação original. Após diversas reviravoltas processuais, incluindo uma reclamação no STJ e um recurso extraordinário no STF, a defesa do réu opôs embargos de declaração, buscando o reconhecimento da nulidade do processo.
Decisão do STF: O Supremo Tribunal Federal, no entanto, já havia decidido anteriormente que a questão da violação do princípio do juiz natural não se aplicava ao caso, pois o crime não tinha relação com o cargo exercido pelo réu à época.
Rejeição dos embargos e manutenção da tese de nulidade: A desembargadora Eva do Amaral Coelho, em seu voto, destacou que a questão da violação do princípio do juiz natural já havia sido decidida pelo STF e, portanto, não caberia mais discussão.
Fundamentação jurídica robusta: O voto de Eva do Amaral Coelho é ricamente fundamentado em jurisprudência e doutrina, demonstrando um profundo conhecimento do tema e um rigoroso trabalho de pesquisa. A magistrada cita diversos precedentes do STJ e do STF, que corroboram sua tese e demonstram a necessidade de alinhamento do TJPA com o entendimento dos tribunais superiores.
Alerta para o risco de decisões conflitantes: Ela alerta para o risco de o TJPA proferir decisões conflitantes com a jurisprudência dominante, o que pode gerar insegurança jurídica e prejudicar a imagem do tribunal. Eva também destaca a importância de evitar decisões que possam ser consideradas teratológicas, buscando sempre a uniformidade da jurisprudência e a aplicação correta do direito.
O “tiro no pé”
A tese ressuscitada pelo desembargador Alex Centeno, de anular o processo com base na alegação de violação do princípio do juiz natural, representa um risco para o próprio TJPA. Ao insistir em uma tese já rejeitada pelo STJ e pelo STF, o tribunal paraense pode sofrer sanções e ter suas decisões cassadas em futuras reclamações ou recursos.
“A insistência em teses já superadas pode trazer mais prejuízos do que benefícios, comprometendo a efetividade da justiça e a confiança da sociedade no Poder Judiciário. É fundamental que o TJPA revise sua posição e se alinhe com a jurisprudência dos tribunais superiores, buscando a uniformidade da jurisprudência e a aplicação correta do direito”, enfatiza outro jurista.
Próximos passos
O processo agora retorna à 3ª Turma de Direito Penal do TJ, a qual já havia se pronunciado sobre a controvérsia anteriormente, mais precisamente no julgamento de embargos de declaração opostos pela defesa em sessão ocorrida no mês de agosto de 2023.
Para resumir, didaticamente, o imbróglio: a questão levantada pela defesa e acolhida hoje já fora objeto de apreciação e decisão de mérito pelo STJ nos autos da Reclamação 38.104/PA. A defesa então, recorreu para o STF (RE com Agr nº. 1.391.234/PA) visando desconstituir essa decisão, porém, o Supremo decidiu inadmitir o recurso, colocando ponto final na discussão.
A defesa ainda tentou esgotar recursos no STF, porém, foram todos negados e a decisão de não conhecimento transitou em julgado, ou seja, prevaleceu, ao final, o acórdão do STJ nos autos da Reclamação 38.104/PA que rejeitou essa nulidade que, ao que parece, adquiriu vida eterna no âmbito TJPA, fazendo o “Caso Sefer” entrar em um verdadeiro looping processual.