Eles trabalhavam num local interditado pelos bombeiros e sem as mínimas condições. Agora, Justiça do Trabalho acolheu parecer do MPT, anulando cláusula que os proibia de cobrar seus direitos
Durante cinco anos, apesar de interditado pelo Corpo de Bombeiros, o Supermercado Formosa, filial da Cidade Nova, em Ananindeua, submeteu seus trabalhadores às piores condições de trabalho, no período entre 2016 e 2021. O pior de tudo é que o Sindicato dos Trabalhadores no Comércio de Ananindeua ( Sintracon), de maneira pelega e subserviente, assinou com os donos do Formosa uma ilegal e absurda cláusula.
Essa cláusula, autêntica aberração trabalhista, impedia os trabalhadores de ingressar na justiça do trabalho e pedir os últimos cinco anos de adicional de periculosidade e indenização por danos morais.
Agora, porém, o absurdo foi derrubado graças a uma decisão por unanimidade do Tribunal Regional do Trabalho da 8ª. Região, que atendeu a fundamentada argumentação do Ministério Público do Trabalho (MPT). Ficou comprovado que os trabalhadores, correndo inúmeros riscos, inclusive de vida, exerciam suas atividades sem os equipamentos de segurança contra incêndio, até porta corta-fogo e mangueiras, além de outras irregularidades.
O acórdão contendo a decisão dos desembargadores do TRT8 foi assinado no último dia 20 e serve como exemplo de que a justiça trabalhista está atenta às violações que são praticadas em grandes supermercados de todo o Pará. Ou seja, os empregados do Formosa estão livres para postular na Justiça do Trabalho adicional pela exposição a perigo de saúde e vida, pelo fato de o estabelecimento não cumprir regras mínimas de segurança contra incêndio, além de danos morais por trabalhar apavorados o dia todo, do início ao fim da jornada, já que todos sabiam estar o Formosa interditado e irregular perante o Corpo de Bombeiros.
“Ante todo o exposto, admito a presente ação anulatória para, no mérito, julgá-la procedente para anular as cláusulas vigésima quarta e seus parágrafos primeiro e segundo e vigésima nona do Acordo Coletivo de Trabalho 2020/2021 com vigência a partir de 1º de março de 2020 a 28 de fevereiro de 2021, firmado entre os demandados, coligido no Id f322b66. Custas, pelos réus, no importe de R$ 20,00, calculadas sobre o valor atribuído à causa de R$ 1.000,00. Tudo conforme os fundamentos”, diz o voto do relator do processo no TRT8, desembargador Sérgio Rocha, seguido à unanimidade pelos demais desembargadores (veja a íntegra no final da matéria).
Tragédia da Boite Kiss é lembrada
Em um trecho da ação civil pública na qual, por fim, pediu em junho de 2021 a impugnação do laudo pericial, o procurador do Trabalho, Hideraldo Luiz de Sousa Machado assim se manifestou sobre as condições do prédio do Formosa, “sob nenhuma hipótese, o Órgão Ministerial chancelará a relativização de uma medida de segurança tão importante que é o funcionamento do sistema de incêndio e emergência em total conformidade com as exigências técnicas. Em primeiro plano deve ser resguardada a segurança das vidas das pessoas que trabalham e frequentam o local”
“Seria um absurdo tamanho relativizar a vida em prol do poder econômico do Réu. Nesse sentido, o MPT não somente repugna a conduta do Réu, como também recomenda ao Juízo que não embarque nessa tese temerária defendida pelo Formosa Supermercados e Magazine Ltda. Repita-se o poder econômico não pode se sobrepor à preservação da vida humana”, enfatiza o procurador.
Hideraldo Machado afirma ainda: “em momentos históricos presenciamos verdadeiras tragédias ocorridas em razão da precarização das medidas de segurança contra incêndios e emergências, como exemplo, o incêndio da Boate Kiss, que ceifou a vida de 242 pessoas no ano de 2013. A tragédia (considerada a segunda maior do Brasil em número de vítimas em um incêndio) foi justamente provocada pelas más condições de segurança no local. Além das vidas perdidas, em torno de 680 pessoas ficaram feridas1. Tudo isso notoriamente teve como causa a busca desmedida pelo lucro econômico em detrimento da preservação da vida humana”. (Veja o parecer e o laudo, abaixo)
Provas assustadoras
Vale lembrar que essa interdição pelo Corpo de Bombeiros, acolhida também pela justiça estadual, começou com um procedimento do Ministério Público do Pará (MPPA), na promotoria de Ananindeua. O fiscal da lei, depois de muitas idas e vindas e percebendo que milhares de pessoas diariamente estavam, 7 dias por semana, expostas a uma tragédia, ingressou com uma ação em março de 2019 para interditar o Formosa ao público.
A ação judicial do MP foi impetrada pela 2ª. Vara Cível e Empresarial de Ananindeua (processo n° 0803480-07.2019.8.14.0006), e também arrolou como réu o proprietário do Grupo Formosa, José Santos Oliveira. Essa ação foi assinada pelo promotor de justiça Bruno Beckembauer Damasceno e embasada por documentos, fotos e outras provas assustadoras do universo de irregularidades que perduraram por cinco anos.
LEIA A ÍNTEGRA DO ACORDÃO DA JUSTIÇA DO TRABALHO