Concursados que atuam em cartórios espalhados por vários municípios paraenses criticam de forma contundente dois projetos de lei, de iniciativa do Tribunal de Justiça e já em tramitação na Comissão de Constituição e Justiça da Assembleia Legislativa (Alepa). A proposta do TJPA prevê a reestruturação dos cartórios e serventias extrajudiciais do estado, extinguindo cartórios que hoje cobrem 48 municípios. “Isso representa um enorme retrocesso, além de prejuízos para cerca de 1,2 milhão de pessoas”, afirmam os concursados.
Para eles, a reestruturação dos cartórios seria uma manobra que visa “contemplar seis tabeliões, sendo quatro deles integrantes da diretoria da Anoreg-Pa, pois os cartórios dos quais eles são titulares absorverão atribuições, competências e serviços das serventias a ser extintas, como quer a proposta enviada para Alepa. O relator dos projetos já foi escolhido: é o deputado Iran Lima (MDB), atual líder do governo naquela casa de leis.
Ano passado, alegam os concursados insatisfeitos, “o TJ e a Anoreg deram um “presente de grego” à população com a aprovação pela Alepa do PL 705, que “provocou aumento dos emolumentos e fim das gratuidades”. Os serviços prestado pelas serventias extrajudiciais, cartórios e tabelionatos ficaram mais distantes da população. Como se isso não bastasse, afirmam, “agora aparece essa desastrosa reestruturação dos cartórios e serventias extrajudiciais sem estudos prévios, consultas ou diálogo com os tabeliões, prefeitos, municípios e população em geral”. E lembram que o Pará “possui a tabela de emolumentos mais cara do Brasil”.
A melhor alternativa, acrescentam ainda os concursados, foi um projeto de lei apresentado pelo deputado Dirceu Ten Caten. Esse projeto, porém, foi retirado de pauta na última segunda-feira pelo fato de a matéria ter origem em outro poder, no caso o Judiciário. “”Era uma proposta mais simples e objetiva, pois contempla as serventias, aumentando suas atribuições e competências, melhorando os serviços prestados a população”, enfatizam.
Proposta antiga e defasada
Os projetos de lei sob críticas são os de números 94 e 95, de 2024, que tratam prioritariamente da Organização das Serventias Extrajudiciais do Estado do Pará. “O primeiro deles tenta normatizar um entendimento antigo e defasado de que não seria possível que houvesse cartórios de imóveis em todos os municípios, mas exclusivamente em sedes de comarca”, observam.
Na avaliação deles, como já ocorre em outros Estados, em prol da regularização fundiária, de questões ambientais e outras mais, “a tendência tem sido de que, nas reestruturações, cada município funcione com todas as atribuições a fim de prestar um serviço eficiente aos munícipes e cidadãos da localidade, ou seja, todos com cartórios com atribuições de registro civil de pessoas naturais, tabelionato de notas, tabelionato de protesto de títulos, registro civil de pessoas jurídicas, registro de títulos e documentos e registro de Imóveis, o que representa um avanço para os habitantes de cada município dada a realidade”.
O Pará, como é de conhecimento desta Federação, é palco de inúmeras e centenas de processos em decorrência do caos fundiário e como consequência alcança uma centena de outros entraves no que diz respeito aos efeitos colaterais diretos e indiretos acerca do desmatamento.
Na contramão dos projetos apresentados à Alepa, ao atribuir a todos os cartórios, não apenas das comarcas, mas de todos os municípios, a competência para o registro de imóveis e outras funções notariais e registrais, isso traz uma série de benefícios significativos tanto para a população quanto para os municípios brasileiros. Tal medida visa não apenas aprimorar o serviço prestado à sociedade, mas também a eficiência administrativa e o acesso à justiça. Os concursados elencam alguns desses benefícios à população:
- Regularização Fundiária: Ao ampliar as atribuições dos cartórios, torna-se mais acessível para os cidadãos regularizar a situação de seus imóveis. Isso contribui para a redução da informalidade e da insegurança jurídica, promovendo o desenvolvimento socioeconômico das comunidades.
2 – Facilidade de Acesso: Com cartórios presentes em todos os municípios, os cidadãos têm maior facilidade de acesso aos serviços notariais e registrais, eliminando a necessidade de deslocamento para outras localidades e reduzindo custos e tempo despendidos.
3- Segurança Jurídica: A centralização das atividades registrais em cartórios confiáveis e supervisionados pelo Poder Judiciário garante maior segurança jurídica aos negócios imobiliários e demais atos jurídicos, prevenindo litígios e garantindo a validade dos registros.
4- Eficiência e Agilidade: Com a descentralização dos serviços, os procedimentos tornam-se mais ágeis e eficientes, reduzindo a burocracia e os prazos para a realização de registros e demais atos notariais.
Benefícios para os municípios:
Desenvolvimento Local: A presença de cartórios em todos os municípios contribui para o desenvolvimento local, gerando empregos e estimulando a economia nas regiões mais remotas.
Descentralização Administrativa: Ao descentralizar os serviços registrais e notariais, os municípios ganham autonomia administrativa, facilitando a gestão de documentos e procedimentos essenciais para o funcionamento da cidade.
Redução de custos: A ampliação das atribuições dos cartórios pode resultar em redução de custos para os municípios, que não precisam investir na criação e manutenção de estruturas próprias para realização desses serviços.
Ainda há benefícios adicionais:
Meio Ambiente: A regularização fundiária promovida pelos cartórios contribui para o ordenamento territorial e para a preservação ambiental, facilitando o controle e a fiscalização de áreas protegidas.
Distanciamento Geográfico: A presença de cartórios em todas as localidades diminui as barreiras geográficas, garantindo acesso igualitário aos serviços para todos os cidadãos, independentemente de sua localização. Nesse sentido, para tornar efetivo esses direitos, hoje se obriga um cidadão a se deslocar, 10, 20, 50, 60, 100 Km para a cidade mais próxima a fim de regularizar seu imóvel. Os custos do deslocamento muitas vezes não contribuem e tornam excessivamente oneroso esse deslocamento, o que traz insegurança jurídica, desordem fundiária, e inúmeros outros problemas decorrentes da ausência de registro regular do imóvel.
Redução de litígios: Com a maior segurança jurídica proporcionada pelos registros realizados nos cartórios, há uma tendência de redução de litígios relacionados à propriedade imobiliária e a outros atos jurídicos, poupando recursos do Judiciário e agilizando a resolução de conflitos.
” Em suma – continuam os concursados -, a ampliação das atribuições dos cartórios para registro de imóveis e outras funções notariais e registrais representa um avanço significativo para a sociedade e para os municípios brasileiros, promovendo o desenvolvimento socioeconômico, a segurança jurídica e o acesso à justiça de forma mais eficiente e democrática.
Municípios de fora
Pelas propostas do TJ, os municípios que permanecerão sem ter atribuição de registro de Imóveis no Estado do Pará são: Abel Figueiredo, Água Azul do Norte, Aveiro, Bagre, Bannach, Belterra, Bom Jesus do Tocantins, Brejo Grande do Araguaia, Cachoeira do Piriá, Colares, Cumaru do Norte, Curuá, Floresta do Araguaia, Magalhães Barata, Mojuí dos Campos, Nova Esperança do Piriá, Nova Ipixuna, Palestina do Pará, Pau D’Arco, Piçarra, Placas, Quatipuru, Santa Bárbara do Pará, Santa Cruz do Arari, Santa Maria das Barreiras, São João da Ponta, São João de Pirabas, Sapucaia, Terra Alta, Tracuateua e Trairão.
No entanto, as cidades elencadas também são sede de município e necessitam possuir todas as suas atribuições e assim, sendo medida de direito e equidade, prestar em sua totalidade todos os serviços descritos na Lei 6.015/73 e na Lei 8.935/94, que regulam os serviços notariais e registrais.
A Constituição Estadual do Pará em seu artigo 154 prevê que “cada Município é sede de Comarca”. Assim, não visto de outro modo, um serviço público essencial não pode ser mitigado pela ausência de Fórum físico na Comarca.
Além disto, o que desperta maior curiosidade, foi proposto encerrar alguns cartórios nos municípios de Abaetetuba, Alenquer, Anajás, Aurora do Pará, Bragança, Capanema, Curuçá, Igarapé-Miri, Marituba, Monte Alegre, Muaná, Óbidos, Salvaterra, Santarém, São Miguel do Guamá, Uruará e Vigia de Nazaré, entre eles alguns economicamente viáveis e que certamente despertariam interesse dos candidatos num próximo concurso de cartório.
Os municípios, ainda que não sejam sede de Comarca, perdem a possibilidade de auxiliar no processo local de regularização fundiária, eis que o direito fundamental à propriedade privada, o direito à moradia enquanto direito social mínimo para a existência digna da pessoa humana.
“Único Ofício”
“Muitos municípios com menos de 50 mil habitantes possuem cartórios com a denominação de “Único Ofício” sem que possuam tais características em sua literalidade, eis que carecem a instalação dos demais serviços delegados, tendo em vista a demanda, de significativa parcela da população nas zonas rurais dos municípios do Interior e a necessidade de deslocamento até o município mais próximo, muitas das vezes sede da Comarca, para utilizar os serviços notariais e registrais indisponíveis no município até o momento”.
Não se pode conceber uma política de proteção ao meio ambiente que não esteja integrada à promoção da regularidade fundiária. Nesse sentido, no mesmo decreto em seu artigo 3º, inciso III, elenca as diretrizes do Plano Estadual Amazônia Agora, dentre elas: incentivo à regularização nas dimensões territorial, fundiária e ambiental.
A organização das serventias com todas as suas atribuições, em especial o registro de imóveis traz consigo a chancela do poder público no acompanhamento e como agente de fiscalização na pessoa do registrador e do tabelião em relação aos negócios jurídicos firmados no município sobre os imóveis nele localizados.
Ressalte-se que a aglutinação de tais serviços notariais e registrais nos municípios não trará prejuízos à prestação dos serviços, ao contrário, colabora ainda mais, por exemplo, para o exercício da cidadania através da regularização fundiária entre outros benefícios.
O ordenamento jurídico brasileiro reconhece a importância da descentralização e ampliação dos serviços cartoriais, conferindo aos cartórios municipais a atribuição de registro de imóveis e outras funções pertinentes. Tal medida visa beneficiar tanto a população quanto os municípios, proporcionando maior eficiência e acessibilidade aos serviços cartoriais.
COM A PALAVRA, A ANOREG- PARÁ
Em nota enviada ao Ver-o-Fato, a Associação dos Notários e Registradores do Estado do Pará (Anoreg-PA) esclarece a posição da entidade sobre o projeto de lei da iniciativa do Poder Judiciário e pontua outras questões. Leia a nota oficial, na íntegra:
“A ASSOCIAÇÃO DOS NOTÁRIOS E REGISTRADORES DO ESTADO DO PARÁ (ANOREG/PA) informa que não possui competência legislativa constitucional para propor quaisquer projetos de lei. Esclarece, também, que o projeto de lei 95/2024, que versa sobre a reorganização extrajudicial, objetiva um avanço na prestação do serviço notarial e registral em todo o Estado, proporcionando uma melhoria na qualidade de vida para toda a população paraense, evitando-se que Cartórios fiquem vagos e sem fiscalização, servindo de ambiente para a prática histórica de grilagens no nosso território.
Informa, ainda, que no último concurso do Estado, 271 Serventias não foram escolhidas pelos candidatos aprovados por falta de interesse, visto que se revelaram totalmente insustentáveis, permanecendo vagas.
Explicita, que o referido projeto de lei prevê a extinção unicamente de serventias sem sustentabilidade, sobretudo, as localizadas em vilas e distritos, contemplando, todavia, os serviços extrajudiciais itinerantes em TODAS essas localidades do Estado do Pará (artigo 7º), de modo que a população não fique desassistida. Ressalta-se que, NENHUM município paraense ficará sem Cartório e que todas as cidades do Estado do Pará que, atualmente, possuem Registro de Imóveis permanecerão com este serviço, ocorrendo, em alguns casos, a reorganização dos acervos, ou, em algumas comarcas, a unificação em um só Cartório, preservando-se, todavia, em absolutamente todas as situações, as serventias providas e, garantindo-se o atendimento da população.
Nesse contexto, salienta-se, que, pelo projeto de lei em questão, NENHUM concursado será prejudicado com a perda de atribuições, conforme expressamente dispõe o seu artigo 3º: “As desacumulações, desmembramentos e extinções de serviços estabelecidos na presente lei se efetivarão após a vacância de titularidade dos respectivos serviços notariais e de registros”.
Por fim, a ANOREG/PA declara, ainda, que as propostas para a reorganização dos serviços extrajudiciais se iniciaram no Judiciário Paraense no ano de 2019, com ampla discussão e contraditório, baseando-se em estudos técnicos e critérios objetivos, desprovidos de qualquer pessoalidade ou parcialidade”.