Em crise, com sua certificação internacional suspensa e ainda mergulhada até o pescoço em cerca de 70 litígios – entre processos judiciais, criminais, cíveis e também administrativos em órgãos públicos estaduais e federais – a empresa Agropalma teria sido vendida a um grupo comandado por noruegueses em parceria com a empresa de dendê paraense, Marborges. A informação ao Ver-o-Fato vem do próprio meio empresarial paraense.
O preço do negócio gira em torno de R$ 1,5 bilhão e essa seria, segundo informações da fonte, a maior transação já realizada no Pará. Desse valor, os compradores já teriam adiantado metade do pagamento, ultimando outras providências que caberiam aos controladores da Agropalma – cinco filhas herdeiras do banqueiro Aloisio de Faria, fundador do Banco Real, que deixou uma fortuna avaliada em mais de R$ 10 bilhões. Aloísio faleceu dois anos atrás, aos 99 anos.
O banqueiro, precavido e metódico como sempre foi, definiu em testamento a venda e divisão do bilionário patrimônio para evitar brigas futuras entre os familiares. O Banco Alfa, por exemplo, foi vendido no final de 2022, na batida do martelo, por R$ 1 bilhão livre de ônus. O comprador foi o rival, o Banco Safra. O preço foi considerado baixo e bem inferior ao patrimônio líquido do conglomerado, cerca de R$ 23 bilhões, segundo o Banco Central do Brasil. O Alfa tinha muitos problemas e seu preço caiu porque, entre outros percalços, sequer era informatizado.
Outras empresas das herdeiras já vendidas foram o Delta Bank, por valor superior a R$ 500 milhões e a C&C (Casa & Construção), com suas 28 lojas, por R$ 270 milhões. O valor seria R$ 400 milhões, mas a C&C tinha uma pendência judicial com o Grupo Emura, no valor de R$ 130 milhões, num processo que tramita na 13ª Vara Cível da comarca de São Bernardo do Campo (SP). O patrimônio da família – as herdeiras decidiram vender tudo – inclui ainda hotéis, a rádio Transamérica e a Sorveteria La Brasque, mas esses bens ainda estão sendo disputados por compradores.
Os rolos da Agropalma
A empresa Agropalma, estabelecida no Pará desde 1985 em terras particulares e públicas, entre os municípios do Acará e Tailândia, numa área de 106 mil hectares, exporta óleo de dendê e seus derivados para o mercado internacional, mas para a venda aos noruegueses e Marborges ela teria que apresentar a documentação de propriedade das terras, o que não possui.
É aí que entra o governo do Estado e seus órgãos Iterpa e Semas, controlados hoje pela família Barbalho, no poder há 6 anos. A Agropalma é um dos grandes anunciantes do Grupo RBA, do qual o governador Helder Barbalho e seu irmão, ministro das Cidades do governo Lula, o empresário Jader Filho, são sócios.
A influência dessa dupla a favor dos negócios da Agropalma é tão evidente que ninguém no Iterpa e na Semas, ou na Procuradoria Geral do Estado (PGE) faz nada sem consultar o governador e seu irmão, que mesmo fora do governo estadual, ocupado em Brasília, ainda dá as cartas nesses órgãos públicos.
A par da negociação sobre a venda da Agropalma, os agentes públicos do Iterpa e da Semas têm sido procurados pelas partes envolvidas na bilionária transação para liberar documentos das terras em favor da empresa, o que parece muito difícil, se não impossível de ocorrer.
Na verdade, as terras não podem ser vendidas porque não pertencem à Agropalma. Nem posseira ela é, porque até isso é questionado judicialmente. Daí surgirem “arranjos” nos órgãos do Estado para favorecer a gigante do dendê.
Além disso, há problemas graves, como a falta de licenciamento ambiental da Semas à empresa e a suspensão da certificação internacional para ela continuar a comercializar dendê em razão de violações de direitos humanos, principalmente contra quilombolas que ocupam parte das terras e hoje se encontram ameaçados de expulsão pela empresa, que praticamente emparedou famílias sob vigilância armada.
Como se tudo isso não bastasse, ainda há pelo caminho uma enorme pedra: os interesses da família Tabaranã, que alega ser proprietária de 70 mil hectares da área, com decisão judicial de 2011 transitada em julgado, que anulou o patrimônio de Jairo Mendes Sales e devolveu aos Tabaranã o que era deles.
Como desatar esses nós cegos para que os noruegueses e a Marborges concluam a compra da Agropalma? Fazer mágica no Iterpa e Semas não será possível. Dessa cartola não sairá coelho.
Berkeley interessada no caso
O interesse pelos rolos envolvendo a Agropalma é tão grande que já extrapolou as fronteiras do Brasil, chegando aos Estados Unidos. Na semana passada, o jornalista Carlos Mendes foi procurado por pesquisadores e estudantes da Universidade da Califórnia, em Berkeley. Mendes foi convidado e participou de uma live, respondendo a inúmeras perguntas.
Os pesquisadores se disseram “chocados” com o volume de informações que eles obtiveram acessando o Ver-o-Fato e chegaram a perguntar como um fato desses pode acontecer no Brasil e na Amazônia, às vésperas da COP-30. Mas isso é assunto para outra matéria.
O Ver-o-Fato vai continuar acompanhando essa novela fundiária, que envolve ações não republicanas, tráfico de influência, intermediários e ambição financeira.