Um fato ocorrido no dia 9 de março de 2020 na ponte Governador Enéas Martins, que dá acesso à ilha de Outeiro, é revelador dos graves problemas estruturais dessa ponte e da total falta de atenção e cuidados para com ela na gestão de Helder Barbalho. Após violento choque contra pilares provocado pela balsa “Josima IX” a ponte foi interditada ao tráfego de veículos e pedestres por algumas horas daquele dia, mas logo liberada.
Aquilo foi um sinal a exigir urgentes reparos. A ponte pedia socorro, abalada, maltratada, avisando que o pior poderia acontecer no futuro. Na ocasião, o governador Helder Barbalho compareceu ao local do acidente – veja ele em vídeo, no final desta matéria -, prometendo que a ponte iria passar por reparos e até melhorias.
“Esta é uma prioridade do Estado, esta ponte foi construída ainda na década de 80. Portanto, naquele momento era algo absolutamente adequado. Ao longo do tempo,é fundamental que passado todo esse período que nós possamos garantir que esta ponte seja requalificada para as demandas atuais”, afirmou Helder em entrevista ao SBT, no dia 10 de março de 2020.
Como é de hábito, bajuladores de plantão bateram palmas para o governador e ele ganhou manchetes na mídia amiga e bem financiada. Passaram-se 4 meses e nada aconteceu.
No dia 23 de julho ainda de 2020, Helder voltou a falar sobre a ponte de Outeiro, fazendo o que mais gosta: pirotecnia midiatica. A Agência Pará, órgão de notícias do governo estadual, carimbou as palavras do governador: “com recurso do Tesouro Estadual, a Setran também fará, este ano, o reforço e readequação da ponte do Outeiro, em Belém, com aumento da extensão e recuperação das defensas dos blocos de fundação e instalação de defletores no canal de navegação, para evitar choques com embarcações”.
A promessa de Helder, para variar, mais uma vez não foi cumprida. A Secretaria de Estado de Transporte (Setran), subordinada ao governador, também não moveu uma palha para consertar a ponte danificada, a exemplo do chefe. Resultado da mentira: quase dois anos depois, na manhã da última segunda-feira, 17, o pilar central caiu, indo parar no fundo do rio Maguari.
A probabilidade é de que esse pilar, após tantos choques de balsas em sua estrutura e sem nenhuma obra de restauração ou proteção, não resistiu ao descaso governamental e, já corroído, desmoronou. A ponte, hoje interditada ao tráfego de veículos e pedestres, está sob risco de desabamento.
O trecho do rio Maguari cortado pela ponte, também está fechado à navegação pela Capitania dos Portos e Defesa Civil. Nenhuma embarcação pode trafegar pelo local. Quem insistir em passar será preso e terá a embarcação apreendida. Tem jeito ou será demolida? Especialista ouvido por este portal de notícias diz que tem.
O pilar que caiu pode ser substituído e os outros pilares, em precárias condições, seriam reforçados, protegidos com defensas e a ponte voltaria a funcionar sem problemas. Como estamos em ano eleitoral e Helder só pensa na reeleição, embora não tenha nenhuma obra relevante para exibir à população, deve correr e tentar ajeitar as coisas, buscando votos dos eleitores. Antes, porém, é preciso combinar com os russos, isto é, a população de Outeiro, que está de saco cheio com o governador, chamado de potoqueiro na ilha.
Uma coisa é certa: o governador não tem um “bode expiatório” para apontar o dedo e culpar pela interdição da ponte. A menos, claro, que vá para a frente de um espelho, onde estará à vontade. Para ele, a notícia que vem abaixo não é nada boa.
Balsa investigada é inocente
O Ver-o-Fato teve acesso a informações de fontes confiáveis e estas garantem: a balsa Mara 2014 e o empurrador AG III, que supostamente teriam colidido com o pilar central da ponte, na segunda-feira, sequer esbarraram no pilar que caiu. Isto quer dizer que não há nenhum indício, menos ainda prova, de que ela tenha sido a causadora do acidente.
A balsa Mara 2014 passou por debaixo da ponte, sem bater nela, exatamente às 6h2min da manhã do dia 17, seguindo normalmente seu trajeto. Isso coincide com os depoimentos dos seis ocupantes da embarcação prestados à Polícia Civil no inquérito aberto para apurar as causas do acidente. Imagens de câmeras de segurança da balsa também reforçam os depoimentos, isentando a empresa de qualquer responsabilidade.
O abalo na ponte teria ocorrido por volta das 6h30min, mais de 25 minutos depois que a balsa passou pelo local. E há ainda outro detalhe capaz de descartar de vez qualquer possibilidade de choque de uma embarcação com o tal pilar que afundou no rio: não há registro da passagem de outra balsa no espaço de tempo entre as 6h2min e 6h30min.
O áudio de um morador de Outeiro, que passava pela ponte em um ônibus no sentido de Icoaraci, relata que que a coisa “foi sinistra, tremeu tudo”. Ele narra que o motorista do ônibus “veio chutado”, ou seja, acelerou o veículo, temendo que a ponte desabasse. Os passageiros do ônibus, assustados, foram deixados na estação Maracacuera, do BRT. ouça abaixo, aqui:
Os técnicos da Perícia Científica, responsáveis pelas análises, devem concluir o relatório do caso até a próxima semana. Eles evitam falar sobre o laudo que está sendo elaborado. Estão certos em adotar semelhante precaução. O sigilo de informações, antes da divulgação oficial, é a alma de um bom trabalho.
Por que o pilar caiu?
A pergunta, afinal, é a seguinte: se a balsa investigada não bateu na ponte, no último dia 17, por qual motivo o pilar caiu e foi tragado pelo rio Maguari? O pilar caiu sozinho? Uma autoridade no assunto, cujo nome o Ver-o-Fato não revelará para evitar perseguições e ameaças, explica que o problema todo originou-se nos “blocos de coroamento” da ponte.
Para quem não sabe, blocos de coroamento são termos técnicos de engenharia. Esses blocos fazem ligação entre as estacas que estão cravadas no subsolo e os pilares que nascem a partir de tais blocos. Sua função é transmitir as cargas que chegam na estrutura para as fundações profundas na obra.
Nos últimos oito anos, a partir de 2014, pelo menos cinco abalroamentos, alguns extremamente violentos, atingiram os pilares da ponte. E sempre durante a madrugada ou começo da manhã, quando a fiscalização não existe, a exemplo do restante do dia. Como não houve nenhum reparo, durante todo esse tempo, o nível de saturação a choques nos blocos de coroamento chegou ao limite.
Basta verificar, a título de exemplo, as tragédias anunciadas ocorridas por duas vezes nas pontes do complexo conhecido por Alça Viárias, que liga Belém a Moju e Barcarena. Gastou-se mais de R$ 200 milhões para recuperar as duas pontes que desabaram, derrubadas por balsas, mas o prejuízo para a população e para a economia regional foi incalculável.
O laudo apontou problemas graves, mas não houve obra
Tudo o que agora aconteceu com a ponte, causando enormes prejuízos materiais e emocionais aos quase 100 mil moradores de Outeiro, está explicado nas páginas do laudo da Perícia Científica de março de 2020 ao qual o Ver-o-Fato teve acesso. O laudo foi elaborado pelos peritos criminais, engenheiros civis, Orley de Morais Cruz e José Alberto de Sá. Eles afirmam categoricamente que a ponte “apresenta danos, decorrentes de impactos com embarcações; e necessita de obras de reparo e reforço estrutural; além de sistemas de defensas”.
São argumentações técnicas de como estava a ponte naquele momento e o que precisava ser feito para que ela não chegasse ao estado em que hoje se encontra. Ou seja, interditada por tempo indeterminado e vítima da incompetência administrativa de um governo parco de realizações, mas farto de publicidade enganosa.
O acidente provocou danos nos blocos de concreto das duas estruturas de sustentação da ponte. O novo projeto, que não saiu do papel, previa o aumento da altura da ponte que deverá atingir, no vão central de navegação, 16 metros; a recuperação de estruturas metálicas que estavam corroídas e a ampliação do comprimento da ponte que, atualmente, tem 360 metros e passaria a ter 616 metros.
Além disso, os pilares atingidos seriam recuperados. As promessas não cumpridas de Helder foram endossadas pelo secretário de Transporte, Pádua Andrade. Agora, o governador paga custos milionários, balsas e navio para transportar a população espremida em viagens cansativas e estressantes. Quem paga a conta da omissão nas obras que deveriam ter sido realizadas é o próprio povo. Do Outeiro e de todo o Pará.
Fala a perícia, dois anos antes: a verdade dos fatos
No começo da análise, os peritos identificaram danos produzidos “por ação mecânica, em um bloco de coroamento denominado BC nº1, contíguo ao encontro da ponte com a rodovia “Estrada do Outeiro”, no Distrito de Icoaraci. O bloco de coroamento (BC) é o elemento da infraestrutura, confeccionado em concreto armado, utilizado para distribuir as cargas aplicadas nos pilares para as estacas da ponte.
Esse bloco de coroamento nº1, diz o laudo de 2020, “apresentava danos, em seu nível inferior, com retirada de concreto e exposição de ferragens, com vestígios da aplicação de um esforço cisalhante (cisalhamento), no sentido de baixo para cima, sobre a face inferior deste bloco de coroamento, fraturando, desta forma, parte do concreto e parte das ferragens deste elemento estrutural”.
Mais adiante, os peritos identificaram, também, “danos produzidos, por ação mecânica, em outro bloco de coroamento (BC)”, denominado BC nº2, contíguo ao BC nº1. O bloco de coroamento nº2 apresentava, também, danos, em seu nível inferior, “com retirada de concreto e exposição de ferragens, com vestígios da aplicação de um esforço cisalhante (cisalhamento), no sentido de baixo para cima, sobre a face inferior deste bloco de coroamento, fraturando parte do concreto e parte das ferragens”.
Ao examinar a balsa Josima IX – com 75 metros de comprimento e 21 de largura – os peritos observaram em duas áreas da embarcação metálica “vestígios de arrasto, característicos de contato (atrito) com estrutura de concreto”. Havia dois pontos de contato mecânico. O primeiro ponto situado na região angular anterior esquerda da embarcação e o segundo ponto localizado na região mediana da lateral esquerda da embarcação, distante 36 metros da popa.
No primeiro ponto de contato mecânico, identificou-se vestígios que corroboravam com os danos observados no bloco de concreto número 1 da ponte, enquanto no segundo ponto observou-se vestígios que corroboravam com os danos observados no bloco de concreto número 2, sendo desta forma “constatada a relação de causalidade dos danos gerados na “Ponte Governador Enéas Pinheiro” (Ponte do Outeiro) com a embarcação do tipo balsa metálica”.
Na margem do rio Maguari, em outro local próximo à ponte, outra embarcação do tipo balsa metálica, pertencente à empresa Combitrans Amazonas Ltda, denominada SW Barcelona, “apresentava danos, por ação mecânica, em uma região angular da balsa”. Os peritos retornaram à Josima IX e identificaram, na região da popa, vestígios de um choque mecânico que corroborava com a relação causal do dano observado na Combitrans Amazonas, após o choque entre ambas.
Fragilidade do sistema contra impactos
Para a vistoria na ponte danificada foi utilizada uma embarcação de apoio, drones e uma caminhada sobre a passarela da ponte para observação direta. Vista de barco, os peritos identificaram na ponte a “fragilidade do sistema de proteção contra impactos”. Eles também constataram que a maioria dos elementos da infraestrutura da ponte “não possui sistema de proteção anti-impactos, para a proteção de estacas, blocos de coroamento e pilares”. Segundo a observação, “deveriam existir dolfins, flutuantes e estacas de proteção”. Nada disso existe na ponte do Outeiro.
Também foi constatado que a ponte, na infraestrutura limítrofe ao canal de navegação possui sistema de proteção anti-impactos (estacas de madeira) em “péssimo estado de conservação”, portanto, sendo considerados de baixa eficiência.
Outra situação grave: há também, vestígios de choques mecânicos contra outros blocos de coroamento de concreto armado (além dos blocos já avariados BC 1 e BC 2), “caracterizados pela exposição parcial de suas armaduras (ferragens) e perda de porção de concreto, cujos vestígios denotam que os danos observados se deram em decorrência de colisões de outras embarcações (eventos pretéritos), que “provocaram a ruptura e fragmentação do concreto de recobrimento e a consequente exposição das ferragens destes elementos da infraestrutura da ponte”.
Um detalhe: foi possível observar que reforços estruturais passados foram realizados na ponte periciada, mas caracterizados pelos acréscimos de elementos prismáticos diferentes dos modelos originais dos elementos da infraestrutura da obra de arte especial periciada. Também havia a presença de vegetação (musgo) sobre a superfície de alguns blocos de coroamento.
Ruptura do concreto
Na análise com auxílio de drones foram observados “deslocamentos e deformações de elastômeros (Neoprene); (b) vestígios de fragmentação/ruptura do concreto do console de pilares com alguns pontos de conexão com aparelhos de apoio; (c) excentricidades em alguns aparelhos de apoio”. Também foi possível constatar vestígios de falta de manutenção periódica nos AA, como a presença de vegetação (musgo) sobre suas superfícies e estendendo-se para os consoles dos pilares, o que colabora para uma degradação gradual nestes elementos estruturais”.
Foi possível ainda notar a presença de vegetação (musgo) sobre a superfície de alguns consoles de pilares. Foi possível observar vestígios do deslocamento de peças metálicas da superestrutura da ponte. A vistoria realizada mediante uma caminhada sobre a passarela da ponte (observação direta) permitiu identificar fragmentação da camada asfáltica em juntas de dilatação e em pontos do tabuleiro da ponte periciada.
Análise de estabilidade e recomendações:
Os vestígios observados no local da perícia indicam que a embarcação do tipo balsa metálica, denominada “Josima IX”, de forma desgovernada, realizou contato com a infraestrutura da ponte periciada, e com a elevação da maré, ficou sob dois blocos de coroamento desta ponte (BC nº1 e BC nº2), gerando um esforço cisalhante sobre os mesmos, que produziu os danos descritos. Os vestígios denotam, também, que antes de gerar os danos na ponte periciada, a embarcação “Josima IX” produziu danos na embarcação do tipo balsa metálica, pertencente à empresa “Combitrans Amazonas Ltda”, denominada “SW Barcelona”.
Após a finalização das vistorias e das análises das condições remanescentes dos elementos estruturais da ponte, concluiu-se que o acidente em tela não produziu desestabilização da obra de arte especial. “Torna-se necessária a recuperação dos danos produzidos pela embarcação do tipo balsa metálica, denominada “Josima IX”, para a conservação da ponte em questão. Também torna-se necessária a recuperação dos danos produzidos por eventos passados, para a conservação da ponte periciada”.
“Recomenda-se que seja cumprida, por órgão responsável, conforme exposto na norma ABNT NBR, as inspeções periódicas pré-determinadas. Recomenda-se, também, considerando os vestígios observados de danos e recuperações pretéritas em outros locais distintos ao local imediato da perícia, denotando ações recorrentes sobre a ponte periciada, que elementos de proteção eficientes e eficazes sejam implementados para a segurança efetiva da obra de arte especial em tela”.
Resumo da ópera: Helder Barbalho paga agora o preço de prometer o que não cumpre. O mal já está feito. Restaria ao governador pedir desculpas à população do Outeiro pelo que deveria ter feito e não fez. Terá essa grandeza de espírito público ou continuará a buscar outros culpados que não existem?
Com a palavra, o governador.
Helder e promessas em vídeo em 2020:
Três anos, rachaduras e denúncias:
Promessas e mais promessas:
Helder Barbalho@helderbarbalho. Em resposta a @M171801Boa tarde, querida. A Secretaria de Transportes (Setran) estará fazendo, ao longo de 2020, o levantamento das pontes do Outeiro e de Mosqueiro, na Região Metropolitana de Belém.3:03 PM · 6 de jan de 2020·Twitter for Android
Helder Barbalho@helderbarbalho·. Em resposta a @helderbarbalho e @M171801A ponte do Outeiro já recebeu visita de técnicos, que devem produzir relatório sobre as condições de conservação da área. Ainda este mês, a secretaria deve fazer o levantamento sobre as condições de trafegabilidade também da ponte do Mosqueiro.