A matéria exclusiva publicada no final da noite de ontem pelo Ver-o-Fato sobre a condenação de três brasileiros, dois deles paraenses, por tráfico internacional de cocaína disfarçada em polpa congelada de açaí, traz novos detalhes hoje, incluindo os depoimentos dos acusados, testemunhas e policiais. A sentença é do Tribunal Coletivo de Ourém, na comarca de Santarém e foi assinada pelos juízes Sónia Vicente, Ana Cristina Cardoso e Sérgio Alexandre Martins Pereira Paiva Sousa.
O Ver-o-Fato, manuseando as páginas da decisão dos juízes lusitanos, destaca, em longo material a seguir, como tudo aconteceu, até as prisões dos envolvidos.
As declarações de diversos réus e testemunhas aos juízes pintam um quadro complexo de uma operação de tráfico de drogas disfarçada como importação de açaí. Aderaldo Neto, Allan Cardoso, Nilson Neto e Marco Faria Júnior desempenharam papéis específicos dentro da estrutura do esquema, com Nilson Neto como testa de ferro em Portugal, Marco Júnior lidando com a logística, e Aderaldo Neto oferecendo suporte operacional e segurança devido ao seu conhecimento policial.
A operação foi acompanhada de perto pela Polícia Judiciária portuguesa, em colaboração com autoridades espanholas e brasileiras, que forneceram informações críticas para a investigação. As suspeitas iniciais foram confirmadas através de interceptações telefônicas, análise de risco, e operações conjuntas internacionais, resultando na apreensão da carga de cocaína disfarçada como polpa de açaí.
De acordo com as investigações da polícia portuguesa em conjunto com a Interpol, o tenente da PM do Pará, Aderaldo Freitas Neto, juntamente com Nilson Castro Neto, ambos condenados a 12 anos de prisão, além do empresário mineiro Marco António de Faria Júnior, residente em Vila dos Cabanos, em Barcarena, foram presos em julho de 2022 pela Unidade Nacional de Combate ao Tráfico de Estupefacientes (entorpecentes) da PJ (UNCTE/PJ), quando abriam um container que escondia 350 quilos de cocaína de valor estimado pelo tribunal em 8,8 milhões de euros (mais de R$ 40 milhões), que havia chegado do Brasil escondido no meio de um carregamento de polpa de açaí.
Os três, de acordo com a sentença, permanecerão em prisão preventiva até o trânsito em julgado das penas a que foram condenados. Diz um trecho da decisão que parte da cocaína que havia chegado a Portugal pelo porto de Sines e que os traficantes tentaram resgatar sem sucesso num armazém de Ourém, pertencia à rede do major Sérgio Carvalho, antigo integrante também da PM brasileira. Ele, ligado ao PCC, é considerado o Pablo Escobar brasileiro. A investigação acredita que Sérgio Carvalho fez chegar ilegalmente a Portugal, desde 2017, dezenas de toneladas de cocaína.
Segundo a sentença, as penas aplicadas aos réus é uma resposta e “reação enérgica e veemente que os tribunais devem ter no sentido da repressão da conduta criminosa das redes de tráfico”, e também da utilização de território português como “porta de entrada de cocaína no continente europeu”.
Depoimentos e contradições
Tenente Aderaldo Neto
Ele negou essencialmente qualquer envolvimento com a cocaína em questão nos autos. E forneceu detalhes sobre suas ações e motivações:
Viagem a Portugal: Inicialmente planejou vir a Portugal de férias em julho. No entanto, ao se encontrar com Allan Cardoso, um amigo, e perceber que Allan estava indo para Portugal em junho com reserva já feita, decidiu antecipar sua viagem para acompanhar Allan.
Aluguel de carros: Aderaldo explicou que Allan Cardoso queria alugar um carro, mas como Allan não tinha um cartão de crédito necessário para o aluguel, Aderaldo pagou com seu cartão de crédito. Mais tarde, durante uma viagem ao Algarve, Allan, que estava com a namorada e desejava privacidade, instou Aderaldo a alugar um carro para si mesmo, um BMW, e prometeu cobrir todas as despesas.
Negócio de açaí: Allan Cardoso disse a Aderaldo que pretendia expandir seu negócio de açaí para Portugal, e Nilson Neto estava envolvido nessa expansão.
Conhecimento dos co-arguidos: Aderaldo afirmou que conheceu os co-arguidos apenas em Portugal, apresentados por Allan Cardoso. Nilson Neto os buscou no aeroporto, e Marco Júnior foi conhecido durante a compra de cartões telefônicos.
Transferência de 5.000 euros: Aderaldo esclareceu que, após uma viagem ao Algarve e o retorno dos carros alugados, foi necessário alugar mais dois carros. Como seu cartão de crédito já estava esgotado, Allan Cardoso pediu a Marco Júnior para transferir €5.000 para que Aderaldo pudesse pagar o aluguel dos carros.
Entrega de carro a Nilson Neto: Aderaldo mencionou que, em uma data não especificada, Allan Cardoso pediu-lhe para entregar um Volvo alugado a Nilson Neto, o que ele fez.
Visita ao armazém: Aderaldo se deslocou a um armazém com Allan Cardoso no Mercedes alugado inicialmente. No local, também estavam presentes Marco Júnior, Nilson Neto e Bruno Fernandes.
Viagem à Espanha: A viagem para a Espanha já estava programada, assim como a viagem de retorno para o dia 28 de junho de 2022.
Compra de telemóveis (celulares): Aderaldo esclareceu que comprou um telemóvel para si e outro para sua companheira. Quando questionado sobre por que Marco Júnior estava na posse de um dos telemóveis comprados por ele, Aderaldo explicou que Allan Cardoso também comprou três telemóveis idênticos, o que deve ter causado uma troca de aparelhos. Contudo, não conseguiu explicar por que razão, se houve troca, ele não tinha consigo dois telemóveis novos, como deveria.
Visita à Irlanda: Aderaldo mencionou que sua irmã estava no Brasil em julho e que ele havia pedido autorização para visitá-la na Irlanda, mas isso não ocorreu.
Detenção dos co-arguidos: Aderaldo afirmou que só soube da detenção de Marco e Nilson pela Polícia Judiciária no dia em que foi detido.
Os trechos adicionais das declarações de Aderaldo Neto mostram sua tentativa de desvincular-se do tráfico de drogas, alegando coincidências e responsabilidades de terceiros. No entanto, a decisão dos juízes baseou-se na avaliação da prova apresentada e na complexidade das atividades descritas, levando em conta a gravidade dos crimes e a necessidade de prevenção.
Declarações de outros réus aos juízes:
Nilson Neto forneceu detalhes sobre sua estadia em Portugal, seus planos de negócios e suas interações com Allan Cardoso:
Estadia em Portugal e educação: Nilson veio para Portugal durante a pandemia de Covid-19 para estar mais perto de sua mãe. Durante sua estadia, completou sua licenciatura em nutrição online.
Plano de negócios: Originário de uma cidade com muita fruta (Barcarena), Nilson pensou em desenvolver um negócio de importação de pitaia. Entrou em contato com um amigo que sabia negociar essa fruta, mas no final de 2021 e início de 2022, a pitaia não estava em condições de ser exportada. Esse amigo lhe deu o contato de Allan Cardoso, conhecido negociante e produtor de açaí no estado do Pará, com quem Nilson havia se encontrado apenas em festas e eventos sociais. Eles discutiram um possível negócio envolvendo açaí.
Acordo com Allan Cardoso: Allan Cardoso financiaria todas as despesas relacionadas à constituição de uma empresa para importar 20 toneladas de açaí. Nilson seria responsável por encontrar compradores e receberia parte do lucro (cerca de 30%). Allan Cardoso não queria figurar oficialmente na empresa para evitar concorrência direta com seus clientes. Allan cobriria as despesas mensais de Nilson (€ 1500), as de Bruno Fernandes (€ 1000) e o aluguel do armazém (€ 500).
Infraestrutura e operações: Nilson adquiriu um contentor (container) refrigerado, pago por Allan Cardoso, que deveria chegar ao armazém em 24 de junho de 2022. Ele estimou o custo do contentor em cerca de € 8000, mas não tinha certeza, pois Bruno Fernandes cuidava do assunto.
Relacionamento com outros arguidos: Nilson não conhecia Aderaldo Neto e não sabia que ele viajaria para Portugal com Allan.
Telemóvel: O telemóvel apreendido foi-lhe entregue por Allan Carvalho, que descontaria o custo do seu salário mensal de € 1500.
Visita ao Brasil: Nilson viajou ao Brasil depois de constituir a empresa para visitar familiares e amigos e receber seu diploma, sem se encontrar com Allan Cardoso.
Dia da detenção: No dia da detenção, Nilson foi informado de que o container chegaria naquele dia. Após ir ao ginásio, ele se encontrou com Allan Cardoso para receber dinheiro para fazer alguns pagamentos.
Essas declarações de Nilson Neto fornecem uma visão sobre sua perspectiva dos eventos e seu relacionamento com os outros envolvidos no caso. Ele tentou explicar suas ações e o contexto de seu envolvimento no negócio, alegando desconhecimento sobre a presença de drogas e apresentando seu papel como parte de uma operação legítima de importação de açaí.
Marco Júnior, depoimento:
Marco Júnior confirmou essencialmente os fatos contidos na acusação, detalhando seu envolvimento e a estrutura da operação:
Contato inicial e proposta de Allan Cardoso: Conhecia Allan Cardoso há vários anos e, por volta de janeiro de 2022, Allan o contactou para ajudar em um negócio de importação/exportação de um container de açaí. Foi oferecido um pagamento de cerca de 200.000 reais, valor que considerou não significativo. Marco, cuja área era logística e não exportação, inicialmente não demonstrou interesse, apesar das insistências de Allan.
Revelação do plano de tráfico: Marco conheceu Thiago Santos, um colaborador de Allan, que revelou a verdadeira intenção do negócio: transportar cocaína dissimulada na carga de açaí. Allan estava apressado porque já havia negociado parte da droga no Brasil e disse aos proprietários que a carga estava no mar. Thiago insistiu que Marco aceitasse os 200.000 reais e ajudasse.
Ameaças e denúncia à polícia: Marco tentou denunciar a situação à polícia, mas foi confrontado por Allan e Aderaldo Neto, que disseram que tudo estava controlado pela polícia e que ninguém seria preso.
Participação na estrutura: Thiago Santos escolheu a empresa FT Trading para tratar da logística no Brasil, com Marco assinando o contrato. A cocaína pertencia a dois grupos distintos: um liderado por major Sérgio Carvalho, de quem Allan recebeu 250 kg de cocaína, e outro liderado por “Deus é Lindo/Bonitão”, de quem recebeu 100 kg. Allan negociou 50 kg para si e contou com Aderaldo Neto para compor o que faltava, desviando parte das apreensões que fazia.
Detalhes financeiros: Allan receberia 960 mil reais do grupo de major Carvalho, além de uma percentagem em estupefacientes (entorpecentes). Já havia recebido 320 mil reais como pagamento inicial.
Relação com outros integrantes: Marco conheceu várias pessoas dos diferentes grupos envolvidos na droga apreendida, incluindo Vitor e David Sabado do grupo de major Carvalho, e Nego e Sampaio do grupo de “Deus é Lindo”. Sampaio controlava as operações no porto de Vila do Conde, garantindo que nada seria apreendido.
Desconfiança e viagem a Portugal: Todos desconfiavam de todos. Vitor e David Sabado queriam garantias de que Allan não desviaria a cocaína. Marco foi enviado a Portugal para localizar o armazém e garantir que Allan não desviaria a carga. Ele obteve a localização do armazém através de Nilson Neto, embora tenha inicialmente mentido para Allan sobre sua presença em Portugal.
Monitoramento do armazém: Marco monitorou o armazém e informou Vitor, Artur e Elias sobre a localização. Usou um grupo de WhatsApp chamado “solução” para compartilhar informações sobre o contentor.
Encontro no Hotel Myriad: No dia da detenção, Marco se encontrou duas vezes com os co-arguidos no hotel Myriad. Na segunda vez, informou a verdadeira razão de sua presença em Portugal, dizendo que ninguém queria problemas, apenas garantir que a cocaína não seria desviada. Esta revelação deixou Nilson Neto nervoso, mas Marco tentou acalmá-lo, oferecendo proteção.
Relação com Auzier: Marco identificou Auzier como amigo de Aderaldo Neto e Allan, e a conta de Auzier era usada para receber pagamentos e garantir segurança ao grupo. Ele também sabia que Nilson se deslocara ao hotel em maio para entregar cocaína e que este deveria entregar parte da cocaína do contentor ali.
Declarações Bruno Fernandes:
Conhecimento e relação com Nilson Neto: Bruno Fernandes declarou que apenas conhecia Nilson Neto, filho de uma conhecida sua do Brasil, e não tinha contato com os demais arguidos no processo.
Projeto de importação de açaí: No início de 2022, o padrasto de Nilson falou sobre o projeto de Nilson para importar açaí. Como Bruno trabalha no ramo imobiliário, foi pedido que ele encontrasse um armazém adequado para armazenar a carga de açaí. O único requisito mencionado era que o armazém tivesse estrutura industrial e capacidade para manipulação de alimentos, embora Bruno não soubesse especificar quais seriam esses requisitos.
Preparação do armazém: Bruno contratou pessoas para pintar, limpar e tratar das questões elétricas do armazém. Ele afirmou que as reparações elétricas foram mínimas, pois a substituição completa da parte elétrica seria muito cara. Indicou uma empresa em Fátima para tratar da aquisição de um contentor refrigerado, já que a câmara frigorífica existente no armazém estava irremediavelmente danificada. Estimou que o contentor refrigerado custaria entre €5.000 e €6.000, embora não tenha tratado diretamente do assunto.
Comunicação com Nilson Neto: Bruno contactou Nilson Neto para solicitar sua presença no armazém, mas Nilson estava relutante em ir. Depois de ser abordado pela Polícia Judiciária, Bruno apenas contatou Nilson a pedido dos inspetores para saber se ele demoraria a chegar.
Distribuição da polpa de açaí: Bruno sabia que a polpa de açaí que chegaria no container seria distribuída em Portugal para diversas gelatarias (sorveterias).
Declarações de Jader Franco:
Contato inicial e representação: Jader Franco, consultor logístico e CFO da MacBusiness, disse que sua empresa foi contatada pela FT Trading, através de sua esposa, para auxiliar na importação de um contentor de açaí por uma empresa sediada em Portugal. Ele aceitou prestar esses serviços. Durante esse processo, conheceu Marco Júnior e Nilson Neto, que se apresentaram como representantes da Tropical North Fruits, demonstrando ambos conhecimento e interesse no negócio.
Serviços prestados e contratação de despachante: No âmbito de seus serviços, Jader contratou o despachante aduaneiro Roma Andrade para tratar de todo o processo de desalfandegamento da carga. A carga permaneceu no porto por mais tempo do que o esperado devido a atrasos no pagamento do IVA. Jader esclareceu que não houve demurrage (estadia), pois não se recorda de ter feito qualquer aviso a Nilson Neto ou Marco Júnior sobre esse assunto.
Recebimento do container no armazém: Inicialmente, Jader soube que Nilson Neto deveria estar no armazém para receber o contentor. Mais tarde, foi informado pelo próprio Nilson que, afinal, seria um colaborador seu a receber a carga. Pelas 22:00 horas, o motorista do camião contatou Jader, informando que o quadro elétrico do armazém não era compatível com o contentor, que Nilson Neto não estava no local e que havia reclamações de moradores devido ao barulho do camião ligado para manter a refrigeração da carga. Jader tentou contatar Nilson Neto, que não atendeu ao telefone.
Comunicação com Marco Júnior: Ao longo de todo o processo, Marco Júnior mantinha contato com Jader para saber sobre os pagamentos e possíveis problemas. Marco Júnior disse a Jader que, caso Nilson Neto não efetuasse algum pagamento necessário, ele (Marco) asseguraria os pagamentos diretamente.
Declarações Pedro Ramos:
Recepção de informação e análise de risco: Pedro Ramos, inspector da Polícia Judiciária, declarou que receberam informações sobre a possível chegada a Portugal de uma carga contaminada importada pela Tropical North Fruits. Após a análise de risco, constataram que a sociedade era recente e sem interações comerciais prévias, o que levantou suspeitas e justificou o prosseguimento da investigação.
Fiscalização da carga e seguimento: A carga foi fiscalizada no porto de Sines, sem que fosse encontrado estupefaciente naquele momento. No entanto, o mau acondicionamento da carga chamou a atenção, decidindo-se seguir a carga e monitorar Nilson Neto, sócio-gerente da empresa importadora. Identificaram que Nilson Neto usava um veículo alugado em nome de Aderaldo Neto, que viajara para Portugal com Allan Cardoso no dia da chegada do contentor.
Informações das autoridades brasileiras: Solicitaram informações às autoridades brasileiras sobre Aderaldo Neto e Allan Cardoso. Allan era conhecido e suspeito de tráfico de estupefacientes por via marítima no Brasil, o que aumentou as suspeitas sobre a carga.
Observações sobre a carga: Pedro Ramos esclareceu que, sendo a carga de natureza alimentar, não era normal ela permanecer tanto tempo no porto sem desalfandegamento, sugerindo que a carga era um pretexto para transportar cocaína do Brasil para Portugal, como se confirmou posteriormente.
Intercepções telefônicas: O seguimento do contentor de Sines a Ourém foi feito com interceptações telefônicas de Nilson Neto em tempo real. Inicialmente, Nilson disse que ele mesmo encontraria o motorista, mas depois pediu a Bruno Fernandes para o fazer, sem mostrar intenção de ir ao armazém naquele dia.
Empresa exportadora de açaí: A empresa exportadora de açaí já tinha alertas por tráfico no Brasil, o que exigiu ocultar sua identificação através de uma empresa de trading.
Papel dos arguidos
Na opinião de Pedro Ramos, os papéis desempenhados pelos arguidos eram:
Marco Júnior cuidava da logística.
Nilson Neto funcionava como testa de ferro, sendo a pessoa ideal para constituir uma empresa que importasse a carga, por residir em Portugal.
Aderaldo Neto fornecia sua identidade para aquisição de bens e serviços necessários e, por ser policial no Brasil, dava know-how sobre atuação policial para evitar detecção pelas autoridades portuguesas e garantir a segurança da operação.
Declarações Pedro Ramos (continuação):
Chamada recebida por Marco Júnior: Após a detenção, Marco Júnior recebeu chamadas de Allan e Elias. Verificando a saída de Aderaldo Neto em direção à Espanha através da via verde instalada num dos carros alugados, as autoridades portuguesas contataram suas congêneres espanholas.
Informações das autoridades espanholas: As autoridades espanholas informaram que Allan Cardoso também estava sendo investigado na Espanha, onde estava sendo vigiado juntamente com um grupo de outros brasileiros suspeitos de tráfico de estupefacientes. Isso levou à expedição de um DEI (Documento Europeu de Investigação) para a Espanha, solicitando o envio de provas recolhidas sobre Allan e Aderaldo.
Motivações para o regresso de Aderaldo a Portugal: Aderaldo Neto pode ter retornado a Portugal devido ao fato de que ele só tinha visto de saída pelo país, enfrentando maiores riscos de detecção se tentasse sair por outro país. Pedro Ramos esclareceu que, em sua experiência, grupos criminosos hierarquizados frequentemente expõem as identidades de membros de patamar mais baixo.
Notícia de grupo criminoso brasileiro: Antes da apreensão, havia informações de que um grupo criminoso brasileiro se preparava para vir a Portugal recuperar uma carga de cocaína. Essa informação foi relacionada ao caso atual quando Marco Júnior prestou depoimentos ao titular do inquérito.
Operação Euterpe no Brasil: No início de outubro de 2022, Pedro Ramos participou na operação Euterpe no Brasil. Ele confirmou que a polpa de açaí envolvida no caso foi fornecida pela empresa Ecco Foods. Durante buscas na Ecco Foods, foram localizados diversos rolos de sacos plásticos de acondicionamento de polpa de açaí, exatamente iguais aos encontrados nos autos.
Conclusão geral das declarações:
As declarações de diversos réus e testemunhas aos juízes pintam um quadro complexo de uma operação de tráfico de drogas disfarçada como importação de açaí. Aderaldo Neto, Allan Cardoso, Nilson Neto e Marco Júnior desempenharam papéis específicos dentro da estrutura do esquema, com Nilson Neto como testa de ferro em Portugal, Marco Júnior lidando com a logística, e Aderaldo Neto oferecendo suporte operacional e segurança devido ao seu conhecimento policial. A operação foi acompanhada de perto pela Polícia Judiciária portuguesa, em colaboração com autoridades espanholas e brasileiras, que forneceram informações críticas para a investigação. As suspeitas iniciais foram confirmadas através de interceptações telefônicas, análise de risco, e operações conjuntas internacionais, resultando na apreensão da carga de cocaína disfarçada como polpa de açaí.
Os depoimentos indicam que Marco Júnior, após a detenção, recebeu várias tentativas de contato de Allan Cardoso. Mirella Almeida, mãe de Nilson Neto, mencionou que seu filho sempre teve um espírito empreendedor e que iniciou o negócio de importação de açaí após ser contatado por um amigo. Ela também mencionou que Allan Cardoso, descrito como um grande empresário no estado do Pará, foi quem forneceu a carga e assumiu todas as despesas.
Quanto ao destino final do açaí, Nilson Neto pediu ajuda ao avô para encontrar um comprador. A parte da carga foi vendida para um conhecido do avô, enquanto a outra parte ficou em Portugal. Após o sucesso com o açaí, Nilson Neto expressou interesse em importar pitaia para Portugal, mencionando que isso era mais econômico do que enviar diretamente para a África.
Nilson Castro, avô de Nilson Neto, confirmou que seu neto tinha planos de criar uma empresa, mas tinha poucos detalhes sobre o negócio. Ele foi informado que o negócio foi proposto por Allan Cardoso, um grande produtor de açaí, cujas informações foram confirmadas pelo neto.
O avô de Nilson Neto mencionou que inicialmente seu neto planejava vender o açaí tanto em Portugal quanto exportar para a Guiné Conacri, onde há uma grande comunidade brasileira. No entanto, mais tarde ele afirmou que Nilson Neto já tinha um interessado na compra do produto, o empresário Abdoulai Camara, que também iria ajudá-lo a colocar o açaí na África. Abdoulai Camara confirmou ter uma empresa de trading e disse ter conhecido Nilson Neto através de sua amizade com o avô deste.
Pedro Almeida, padrasto de Nilson Neto, também descreveu seu enteado como uma pessoa muito empreendedora. Ele mencionou que Nilson Neto pediu sua ajuda para importar açaí e que Bruno Fernandes, consultor imobiliário, também estava envolvido para encontrar um armazém em Ourém e ajudar com questões aduaneiras.
A escolha de Ourém para o armazém foi motivada por benefícios fiscais oferecidos pelo concelho, apesar de estar longe da área de residência de Nilson Neto e de sua família.
Finalmente, Abdoulai Camara explicou que recebeu uma carta de Nilson Neto propondo a aquisição de 12 toneladas de açaí. Ele tinha um potencial cliente interessado, mas Nilson Neto não forneceu a cotação do produto dentro do prazo estabelecido, levando o cliente a cancelar o negócio em setembro de 2022.
As demais testemunhas mencionaram principalmente a veia empreendedora de Nilson Neto, sem revelar conhecimento específico sobre os fatos discutidos no caso.
Esses depoimentos delineiam uma narrativa complexa sobre as relações comerciais e os desafios enfrentados no negócio de importação de açaí para Portugal e África.
Após a apresentação da prova em audiência, ficaram evidentes contradições entre os depoimentos dos arguidos entre si, entre eles e as testemunhas, e também entre as testemunhas. Essas contradições são tão claras que não precisam ser destacadas.
Destaca-se que Bruno Fernandes e Nilson Castro prestaram depoimentos de forma titubeante e desconfortável. Bruno Fernandes chegou a negar conhecer os outros co-arguidos, o que foi contradito pelos próprios co-arguidos que afirmaram terem estado todos juntos no armazém em Ourém. Abdoulai Camara, por sua vez, apresentou um discurso circular e pouco esclarecedor.
Além disso, é mencionado que Marco Júnior se recusou a responder a qualquer pergunta durante o julgamento não por exercício do direito ao silêncio, mas porque temia que suas respostas fossem transmitidas a Allan Cardoso, com quem teve contato anteriormente.
Segundo a jurisprudência e a legislação (art. 345º do CPP), um arguido tem o direito de se remeter ao silêncio durante a audiência de julgamento. No entanto, se um arguido optar por fazer declarações incriminatórias contra outro co-arguido e esse último se recusar a responder a perguntas sobre essas declarações, tais declarações não podem ser usadas como prova contra o co-arguido incriminado, pois não houve um contraditório pleno. Essas declarações só podem ser usadas contra o próprio arguido que as fez, em conformidade com o direito à auto-incriminação.
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