A suspeita dessa fraude surgiu nas eleições municipais de 2016. Em Matureia, segundo o blogue Gênero e Número, das jornalistas Amanda Rossi e Nataália Mazotte, na Paraíba, por exemplo, as mulheres tiveram apenas um único voto, em um eleitorado de 4.950 pessoas. Não foi por falta de candidatas.
A legislação brasileira exige, desde 2009, o mínimo de 30% e o máximo de 70% de candidatos de cada sexo em eleições proporcionais, o que inclui as candidaturas ao cargo de vereador – uma tentativa de estimular a participação feminina na política.
Matureia cumpriu a regra. Teve 12 mulheres e 23 homens na disputa pela Câmara municipal – ou seja, elas eram 34% dos candidatos. Mas não foram votadas. Das 12 candidatas, todas aptas a concorrer, 11 não receberam nenhum voto, nem o delas mesmas. E a outra recebeu o único voto dado para uma mulher na cidade.
Matureia poderia ser apenas um caso curioso. É, na verdade, a expressão máxima de um fenômeno eleitoral desde que a lei 12.034/2009 entrou em vigor, estabelecendo a cota de gênero. Em todo o Brasil, 14.498 candidatas não receberam nenhum voto para a câmara municipal, apesar de estarem aptas a disputar as eleições.
Elas representam 1 em cada 10 candidatas a vereadora (10%). Já os números masculinos são bem diferentes. Em todo o país, 0,6% dos candidatos homens não receberam nenhum voto. A quantidade de candidatas sem voto é ainda maior em alguns locais do país.
Na Paraíba, na Bahia e no Amazonas, elas são mais de 2 entre 10 candidatas. Em mais de 170 municípios, representam pelo menos metade das mulheres que concorreram. Em Matureia, as fantasmas são 92%. “Só fui [candidata] para cumprir mesmo”, falou uma candidata de Lucianópolis, interior de São Paulo, que pediu para não ser identificada.
“Quando me convidaram para ser candidata, eu topei. Pois tem que ter um número de mulheres candidatas. Depois, eu me arrependi de ter aceito. Mas, como já tinha me comprometido com o pessoal do partido, eu permaneci candidata, porém não pedi votos. Eu cumpri [com] o que havia feito. Por isso, não tive votos.”.
A situação se repete em todo o país. Em Itapeva do Grajaú, no Maranhão, a candidata Kedia Sousa Meneses (PCdoB), também não teve nenhum voto, apesar de ter participado ativamente da campanha municipal. Fez propaganda para o PSDB – sigla que não estava na sua coligação – em mais de 20 postagens públicas no Facebook.
Em muitas delas, aparece em comícios, caminhadas. Enquanto isso, não fez nenhuma menção à sua própria candidatura na rede social. “[Fui candidata] porque precisavam de mulheres no partido. Como o tempo já estava muito avançado, me prontifiquei a ajudar. Só mesmo [para] por nome e número”, disse Kedia Sousa Meneses.
Falou ainda que não pediu voto para si mesma, porque já tinha se comprometido a ajudar outro candidato – homem. Não foi a primeira vez. Em 2012, Kedia Sousa Meneses também se candidatou a vereadora pelo PCdoB, novamente sem receber nenhum voto, só para compor a chapa.
Candidaturas de mulheres sem nenhum voto podem ser indício de uma participação eleitoral ficctícia, segundo a procuradora Ana Paula Mantovani Siqueira.
“Os partidos correm atrás de mulheres para atingir a cota de 30%, mas são candidaturas fictícias. As mulheres não participam de campanha, não recebem nem o voto delas mesmas. Isso é fraude eleitoral e tem que ser investigada”, diz Mantovani, coordenadora nacional do Genafe, um grupo do Ministério Público Federal responsável por coordenar o plano de ações eleitorais do órgão.
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