Augusto Bacura *
Ele pegou em sua mão e sentiu os calos de uma pessoa trabalhadora, que tirando o açaí no cacho e jogando a peconha no chão viu seu suor escorrendo em seu corpo. Seu cheiro se misturou ao do açaí e o seu sorriso, o mais lindo, o seu olhar que se escondia envergonhado. Não sabia o porque tudo que ela fazia era tão lindo.
Ela deixou o cacho em cima do girau e perguntou: trouxe a farinha baguda e o charque? Antonio respondeu – claro, minha preta.
Foram os momentos mais felizes da vida de Antônio, onde um caboclo que nem ele pôde viver um amor. Eles deitavam na rede, olhando para o rio toda as tardes, nadavam nus no igarapé e passeavam pelo “mato” . E quando ele ia pescar, ela ficava cuidando das galinhas e dos porcos.
E com o passar dos anos ela quis mais, ela queria crescer, estudar e ser professora. Depois de quatro anos morando juntos, os dois decidiram ir para capital fazer a vida. Chegaram no Telégrafo, o bairro dos artistas, e aproveitaram para dar uma volta. E foram no samba da Grande Família, tiveram bons momentos juntos. Ai Antonio conheceu a rapaziada do Barreiro, só os “mulekes doidos”.
Com o tempo, começaram as discussões: ela ia pra escola e Antonio ficava bebendo com os seus amigos … Um dia ele conheceu o “rock doido”, o “crocodilo”, um mundo novo onde endoidava. E entre um tiro e outro chegava ” cavalo do cão” em casa.
Certo dia, houve a primeira traição, uma amiga dela que apareceu enquanto estava trabalhando. Depois disso, abriu “a porteira”. Ela não descobriu a maioria das traições, mas sentia que algo não estava certo. Esse sentimento e a desconfiança a incomodavam.
É, Antonio, sua preta foi embora e disse que queria mais, que queria crescer e ela cresceu e ele permaneceu aqui. O tempo passou e ele se afundou, mais que se afogava nas garrafas. No seu peito, o vazio.
Nada lhe dava prazer, nem todo sexo do mundo, nem todo pó, nem toda festa. Era vazio e sem perspectiva. Pediu a Deus uma única oportunidade de mudar a vida, mas o que encontrou foi o silêncio de um quarto vazio com garrafas de bebida vazias jogadas ao chão. Garrafas tão vazias quanto ele.
Ele estava sentindo algo em sua garganta e um sentimento de desespero. Era um choro engatado e um pensamento de mea culpa. Com os olhos cheios de lágrimas, pensou: por que sai do meu amado Miri? Onde tinha tudo que amava! Açaí na canela e aquele mapará gordo. Porque tenho que “crescer” , …. Ela tem razão,
tenho que crescer, tenho que correr atrás do tempo perdido. No mundo é puta só, ladrão só.
Ele se viu obrigado a estudar, mas sem tempo comprou o certificado com alguém que trabalhava na Seduc. Mas já era tarde, já estava afundado no vazio da sua alma. Mesmo assim não parou de tentar, até que conseguiu.
Obteve conhecimento, estudou mais e mais e entrou na faculdade. E viu o que se tornou, seu olhos se abriram para a verdade, sua verdade, e pensou: jamais deveria ter saído do Miri (Igarapé-Miri), estou deformado, como pude decair tanto, como me tornei tão baixo, tão vazio e triste. Agora, muitos anos se passaram, não passava de uma lembrança ruim para sua preta.
A vida poderia ser diferente, poderia ter sido feliz por mais tempo, já que nada é eterno. Mas as coisas na vida são oportunidades únicas e a culpa é um grilhão indestrutível.
- Augusto Bacura é acadêmico de psicologia e escreve crônicas.
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