Quando Carolina chegou a São Paulo, em 1937, tinha 23 anos.
Vinha de uma comunidade rural de Minas Gerais.
Seus pais trabalhavam lá como meeiros – denominação dada aos lavradores sem terras, por isto, obrigados a entregar a metade do que produzem ao dono dos terrenos cultivados por eles.
Para piorar a situação, seu pai verdadeiro não era o marido de sua mãe.
Que tinha ainda outro filho ilegítimo, e, por isto, foi expulsa da Igreja Católica onde rezava, pelo próprio vigário.
Sem parentes em São Paulo que pudessem lhe oferecer abrigo, Carolina foi juntando materiais abandonados nas ruas, como pedaços de madeiras, papelões e latas.
E com eles ergueu um barraco improvisado numa favela.
Como precisava igualmente de alimentos, transformou-se em catadora de papel.
Assim pôde dispor de alguns recursos para comprá-los.
Quando Edmundo chegou a São Paulo, em 1946, tinha 21 anos.
Vinha de uma tentativa de morar no Rio de Janeiro, fracassada por causa das raízes que o prendiam à cidade onde nasceu.
Mas São Paulo já o havia maltratado muito, antes.
A doença que lhe deformou as mãos era controlada com extrema dureza pela prefeitura da cidade.
Devido à sua hanseníase, Edmundo tinha sido preso pelo Departamento de Profilaxia da Lepra e ficara confinado compulsoriamente durante boa parte de sua adolescência, em asilos-colônias do interior do Estado.
Do último, ele conseguiu fugir.
Instalados em São Paulo, Carolina e Edmundo, as grandes transformações da cidade na primeira metade do século passado, fizeram o mundo deles se alargar também.
O de Carolina.
Entre os papéis abandonados que ela coletava, havia descartes da produção da imprensa escrita em expansão na cidade.
Encantada com aqueles jornais e revistas, ela passou a guardá-los para ler.
O que gerou nela vontade de separar para si também folhas de papel em branco nas quais pudesse escrever um diário.
Se o público de leitores estava se expandindo junto com a cidade, maior expansão tinha o público das rádios.
A Edmundo chegaram bons frutos da expansão do número de radiouvintes.
Porque, na devastação corporal da hanseníase, ele havia conseguido salvar os movimentos de alguns dedos.
E com estes dedos, aos 16 anos, tinha escrito à máquina o conto “Ninguém entende Wiu-Li”.
O texto agradou os editores do “A Folha da Manhã” e o jornal o publicou.
O êxito estimulou Edmundo a acumular experiências nas tentativas de se tornar escritor.
O que lhe permitiu obter emprego de redator de programas da Rádio Excelsior, aos 22 anos.
Depois os acontecimentos se precipitaram nas biografias dos dois.
Carolina conseguiu reproduzir num diário pessoal o cotidiano sofrido de uma favelada.
O jornalista Audálio Dantas descobriu o diário, e, promoveu a publicação dele com o título de “Quarto de despejo”.
Era como Carolina Maria de Jesus chamava as favelas.
Nelas, segundo Carolina, a cidade grande despejava seu lixo.
O livro se tornou best-seller no Brasil e no Exterior.
Edmundo.
Seu sobrenome verdadeiro era Nonato.
Mas, quando a televisão chegou ao Brasil, ele se firmou profissionalmente com o pseudônimo que lhe havia protegido da vigilância impiedosa do Departamento de Saúde Pública: Marcos Rey.
Ao longo dos anos seguintes, Marcos escreveu roteiros de programas infantis (como Vila Sésamo e Sítio do Picapau Amarelo), telenovelas (como Partidas Dobradas) e mini-séries (como O Homem Que Salvou Van Gogh do Suicídio).
Seu feito maior, porém, foi a projeção como escritor de dezenas de obras de Literatura, tanto infantil como adulta.
Entre as quais, o romance Memórias de Um Gigolô e o livro de contos O Enterro da Cafetina.
Este conjunto de obras deu a ele o Prêmio Juca Pato, e, duas vezes, o Prêmio Jabuti.
Com 36 anos, Marcos era presidente da União Brasileira dos Escritores.