A eleição de Igor Normando para a prefeitura de Belém levanta sérias questões sobre a governabilidade da capital paraense nos próximos quatro anos. Com um perfil de inexperiência em gestão pública e tímida atuação política, ele assume o Executivo municipal em um dos cenários mais desafiadores do país.
A capital não pode ser usada como parquinho de diversões de uma família acostumada a manipular o poder como se fosse um brinquedo de estimação. Belém exige mais, muito mais. Ela cobra projetos sérios e eficazes que revertam anos de carências, além de ações corajosas sempre adiadas e destituídas de compromisso com erros. E também quer independência para que o prefeito tome decisões que tenham como foco a melhoria das condições de vida dos pagadores de impostos cansados de pirotecnia, arrogância e inépcia administrativa.
A vitória confortável de Igor Normando nas urnas se deu com o apoio direto de um poderoso aliado familiar: seu primo, o governador Helder Barbalho, cuja influência sobre o cenário político e midiático do estado é inegável, muitas vezes ao preço de polpudas verbas publicitárias, bajulação e puxassaquismo de jornais, TVs, rádio, portais e blogs.
Mas a pergunta que permanece na mente de muitos belenenses é: será que Normando terá autonomia para governar Belém, ou estará atrelado à agenda de Helder e, possivelmente, às intervenções do ministro das Cidades, Jader Filho, outro primo que ocupa um cargo que, em tese, seria estratégico para o município?
Para uma cidade que já enfrenta indicadores alarmantes nas áreas de saneamento básico, saúde, transporte, segurança e meio ambiente, a autonomia de gestão é essencial. Belém, uma das capitais com os piores índices de saneamento do país, precisa urgentemente de políticas consistentes para conter problemas crônicos, como enchentes, poluição, coleta de lixo e ausência de esgoto nos bairros.
Na saúde, a carência de unidades e de atendimento adequado deixa a população vulnerável. No transporte, os gargalos são visíveis com uma mobilidade caótica e o aumento dos índices de violência tornam a vida nas periferias ainda mais precária.
O bedelho dos irmãos
A gestão de Normando, no entanto, pode ser ofuscada pelo protagonismo dos irmãos Helder e Jader Filho, ícones da nefasta dinastia e caciquismo dos Barbalho. Emblemática, nesse aspecto, é a postura do governador. Sentindo-se senhor de tudo e de todos, Helder ampliou a visibilidade e o controle sobre políticas que deveriam estar na alçada municipal, atropelando como um trator desgovernado a gestão do ex- aliado, Edmilson Rodrigues (Psol), interferindo desde a gestão de obras até programas sociais.
A intromissão tóxica do governador e a reação tardia do prefeito psolista à essa interferência produziram, nas urnas, um massacre de votos contra Edmilson. O abre-alas dessa interferência à força de Barbalho foi a COP-30, com o governador impondo a destinação de recursos até em obras faraônicas e desnecessárias, como os R$ 310 milhões na Doca de Souza Franco, para deleite e valorização dos imóveis da elite que lá reside.
O histórico de Helder sugere que ele não estará disposto a abrir mão desse controle sobre Belém na administração de Normando, como fez na de Edmilson,. Na transição de governo, por exemplo, com uma comissão montada em um figurino desenhado pelo próprio governador, até o novo secretariado municipal, segundo uma fonte ao Ver-o-Fato, terá o dedo indicador de Helder.
O ministro Jader Filho, por sua vez, com um discurso de promessas vultuosas para os municípios, enche a mídia local de anúncios sobre obras e verbas bilionárias que parecem não ter correspondência prática na realidade da capital. Aparentemente, o objetivo é sustentar a imagem de ação e empenho, mas o impacto concreto dessas iniciativas ainda deixa muito a desejar.
Com o governo Lula pressionado pelo ajuste fiscal e sem verbas para a gastanças capazes de onerar ainda mais as contas públicas, as incursões de Jader Filho soam como falácias candidatas a tiro no próprio pé. Se concluísse pelo menos as obras paradas do Minha Casa, Minha Vida já seria um avanço para justificar o discurso demagógico que o ministro anda fazendo pelo Brasil afora. Mas nem isso ocorre na plenitude que uma gestão eficiente exigiria.
O dilema do prefeito
Normando está, assim, diante de um dilema fundamental. Ele poderá atuar com independência para resolver os problemas urgentes da cidade ou se tornará uma figura decorativa, cujas decisões precisarão antes passar pelo aval de seus primos, principalmente do tutor político, Helder?
A falta de autonomia de um prefeito traria graves riscos para uma cidade como Belém, onde a ausência de liderança forte e a constante interferência podem acabar agravando os problemas que já fazem parte da rotina de seus habitantes.
A perspectiva de um mandato que apenas reproduza as diretrizes estaduais e federais de seus familiares, sem foco nas necessidades reais de Belém, é preocupante. Com uma equipe de governo inexperiente e uma cidade que demanda soluções complexas e locais, a administração de Normando corre o risco de ser lembrada mais pelo nocivo apadrinhamento do que pela transformação que os belenenses tanto esperam.
Talvez nem o próprio Normando tenha se dado conta da armadilha eletrificada em que foi posto pela ambição de dimensão amazônica dos Barbalho.
Enfim, o cenário desafiador está armado, e Belém, uma cidade historicamente abandonada em suas necessidades mais básicas, depende agora de um fio de esperança: que Igor Normando tenha a coragem e a habilidade de romper com a sombra do clã Barbalho e busque construir uma gestão autêntica e independente, voltada de fato para o povo.
A cooperação e a parceria com o governo estadual são importantes? Muito. Desde que isso não sufoque o prefeito, atando-lhe mãos, pés e tapando sua boca. Quem conhece os Barbalho e seus métodos de atuação, contudo, sabe que a subserviência a eles é o caminho para a morte política prematura e a ausência de credibilidade junto à população.
Exemplos e nomes estão por aí, à farta.
Sugestões e estratégias de governo
Para que Igor Normando consiga realizar uma gestão eficaz e conquiste a confiança dos belenenses, ele precisará se concentrar em algumas estratégias fundamentais. Abaixo, sugiro alguns passos que podem ajudá-lo a lidar com os desafios de uma capital como Belém e, ao mesmo tempo, estabelecer sua própria marca de governo.
Focar em governança independente e transparente
Construir autonomia: Demonstrar que é capaz de tomar decisões independentes. Para isso, Normando precisará estabelecer um núcleo de confiança e técnicos qualificados em sua equipe, afastando-se de interferências políticas externas.
Transparência nas finanças: Comprometer-se com uma política de transparência total nos gastos públicos. Criar um portal da transparência mais acessível para a população entender onde e como o dinheiro público é investido.
Priorizar saneamento e meio ambiente
Parcerias para saneamento básico: A criação de parcerias público-privadas (PPPs) para ampliar a coleta de esgoto e o tratamento da água pode aliviar o peso financeiro no município e acelerar as melhorias na infraestrutura sanitária.
Projeto de combate às enchentes: Desenvolver um plano robusto para o combate às enchentes e a poluição urbana, criando, por exemplo, projetos de drenagem sustentável e investindo em áreas verdes para ajudar no escoamento da água.
Educação Ambiental: Fortalecer campanhas de conscientização ambiental e saneamento, promovendo a participação da população no cuidado com os canais e vias da cidade.
Melhorar o acesso à saúde pública
Fortalecer a atenção primária: Expandir e melhorar as unidades de saúde básica, especialmente nas áreas mais carentes, garantindo que a população tenha acesso ao atendimento primário de qualidade.
Parcerias com hospitais e faculdades de medicina: Para suprir a falta de profissionais e leitos, firmar acordos de cooperação com faculdades de medicina locais e hospitais privados que possam atender a população em situações de urgência.
Investir em saúde preventiva: Iniciar programas de saúde preventiva, como campanhas de vacinação, ações de controle de doenças tropicais e ampliação de programas de saúde mental.
Investir em mobilidade e segurança urbana
Transporte público eficiente e sustentável: Realizar uma reforma no sistema de transporte, melhorando a qualidade dos ônibus e integrando soluções de mobilidade sustentável, como ciclovias seguras.
Melhorar a segurança no transporte público: Instalar câmeras e aumentar o policiamento nas principais vias e nos terminais, garantindo segurança para quem depende do transporte público.
Plano de mobilidade para bairros: Descentralizar os serviços e reduzir a necessidade de deslocamentos longos ao oferecer opções de trabalho, educação e lazer mais perto dos bairros periféricos.
Incentivar a participação popular e planejamento participativo
Conselhos de bairro e plataformas de consulta pública: Criar conselhos de bairro para que os moradores participem da tomada de decisões, oferecendo plataformas onde a população possa sugerir melhorias e votar em temas importantes para a cidade.
Gestão colaborativa com a sociedade civil: Normando poderia formar parcerias com ONGs, movimentos sociais e universidades para atuar em conjunto no enfrentamento das problemáticas urbanas e na promoção da cidadania.
Fortalecer a educação e a cultural local
Qualificação profissional: Implementar programas de qualificação profissional voltados especialmente para jovens e pessoas em situação de vulnerabilidade, ligando a formação ao mercado de trabalho local.
Valorizar a cultura amazônica: Investir em projetos culturais que enriqueçam a identidade cultural de Belém, celebrando a cultura amazônica e impulsionando o turismo cultural.
Criar metas de resultados e prestação de contas regulares
Indicadores e metas visíveis: Estabelecer metas anuais claras e específicas nas áreas prioritárias, publicando relatórios de resultados e criando canais para que a população possa acompanhar e cobrar a evolução desses indicadores.
Prestação de contas regular: Normando deve realizar audiências públicas e eventos de prestação de contas regulares, convidando a população e as autoridades locais para avaliar a situação da cidade e os avanços da gestão.
Se Normando seguir por esse caminho, priorizando uma administração técnica e comprometida com a transformação das condições de vida em Belém, ele não apenas se destacará como um líder autônomo, mas poderá deixar um legado positivo para a cidade e seu povo.
A chave será resistir a pressões externas, trabalhando com determinação e foco nas necessidades da população.