Investigado por suspeita de envolvimento com pastores que cobravam propina para intermediar recursos para escolas, o ministro da Educação, Milton Ribeiro, entregou o cargo ao presidente Jair Bolsonaro. Em carta, Ribeiro disse que as reportagens revelando corrupção na sua Pasta “provocaram uma grande transformação em sua vida”.
Ele pediu que as suspeitas de que uma pessoa próxima a ele “poderia estar cometendo atos irregulares devem ser investigados com profundidade”. Ribeiro deixa o cargo dizendo estar “de coração partido”. A exoneração “a pedido” do ministro foi publicada em edição extra do Diário Oficial nesta segunda-feira, 28.
O pedido de demissão ocorre no mesmo dia em que o Estadão revelou que em evento do MEC foram distribuídas Bíblias com fotos do ministro, que para especialistas ato pode ser enquadrado como crime. A derrocada do ministro começou no dia 18 deste mês, após publicação da primeira reportagem do Estadão sobre o gabinete paralelo no gabinete de Ribeiro com atuação dos pastores Gilmar Santos e Arilton Moura.
Na carta, diante dos fatos, Ribeiro disse que decidiu pedir exoneração com a finalidade de “de que não paira nenhuma incerteza sobre sua conduta.”
Segundo o ministro, ele quer “mais do que ninguém, uma investigação completa e longe de qualquer dúvida acerca de tentativas dele de interferir nas investigações”. O ministro disse que seu afastamento “é única e exclusivamente decorrente de minha responsabilidade política que exigem de mim um senso de País maior do que quaisquer sentimentos pessoais”. Encerra a carta com o “até breve” prometendo voltar se sua inocência for comprovada.
A decisão foi tomada após o Estadão publicar uma série de reportagens revelando atuação que o ministro mantinha um gabinete paralelo operado pelos pastores. Em entrevistas ao Estadão, prefeitos contaram que receberam pedidos de propina em ouro em contrapartida para terem demandas atendidas no MEC. Com a demissão, o governo do presidente Jair Bolsonaro (PL) passará por sua quinta gestão diferente do MEC.
Nesta segunda-feira, 28, o Estadão mostrou que, em evento do MEC, foram distribuídas bíblias com fotos do ministro Ribeiro, o que pode configurar crime. A compra das bíblias também era parte de pagamento de propina pedida pelos pastores, conforme relato de prefeitos ao jornal.
Quem deve assumir o MEC no lugar de Ribeiro é o secretário-executivo Victor Godoy Veiga, mas de forma interina.
Em um dos casos de privilégio aos evangélicos, a prefeitura de Bom Lugar (MA) conseguiu o empenho de parte do dinheiro solicitado apenas 16 dias depois de um encontro mediado pelos religiosos. A prefeita Marlene Miranda (PCdoB) e seu marido Marcos Miranda participaram no dia 16 de fevereiro de uma reunião no ministério intermediada pelos pastores Gilmar Santos e Arilton Moura.
O agora ex-ministro era reitor da Universidades Presbiteriana Mackenzie, instituição de ensino privada de São Paulo, e estava no cargo desde junho de 2019, após Abraham Weintraub sair do ministério.
Com a demissão, o governo Bolsonaro passará por sua quinta gestão diferente do MEC. Além de Ribeiro e Weintraub, também comandaram a área federal da educação o professores Ricardo Vélez Rodrguez e Carlos Alberto Decotelli, este último teve a nomeação publicada no Diário Oficial da União, mas ficou somente cinco dias na função, sem nunca ter despachado, por conta de inconsistências no currículo
Após a revelação do caso do gabinete paralelo, deputados decidiram acionar a Procuradoria-Geral da República (PGR) para que Ribeiro seja investigado por suspeita de improbidade administrativa e crime de responsabilidade, entre outras irregularidades.
Os deputados federais Kim Kataguiri (União-SP) e Túlio Gadêlha (PDT-PE) protocolaram pedidos para que a PGR apure as denúncias contra o ministro. Gadelha também apresentou requerimento para que Ribeiro seja convocado a prestar esclarecimentos ao plenário da Câmara. Antes, o deputado Rogério Correia (PT-MG) havia elaborado outro requerimento para pedir a convocação de Ribeiro para falar na Comissão de Trabalho, Administração e Serviço Público da Câmara. Na última sexta-feira, 18, o Ministério Público junto ao Tribunal de Contas da União (TCU) solicitou a apuração do caso.
A seguir a íntegra da carta do ministro Milton Ribeiro:
Desde o dia 21 de março minha vida sofreu uma grande transformação. A partir de notícias veiculadas na mídia foram levantadas suspeitas acerca da conduta de pessoas que possuíam proximidade com o Ministro da Educação.
Tenho plena convicção que jamais realizei um único ato de gestão na minha pasta que não fosse pautado pela correção, pela probidade e pelo compromisso com o erário. As suspeitas de que uma pessoa, próxima a mim, poderia estar cometendo atos irregulares devem ser investigadas com profundidade.
Eu mesmo, quando tive conhecimento de denúncia acerca desta pessoa, em agosto de 2021, encaminhei expediente a CGU para que a Controladoria pudesse apurar a situação narrada em duas denúncias recebidas em meu gabinete. Mais recentemente, em _, solicitei a CGU que audite as liberações de recursos de obras do FNDE, para que não haja duvida sobre a lisura dos processos conduzidos bem como da ausência de poder decisório do ministro neste tipo de atividade.
Tenho três pilares que me guiam: Minha honra, minha família e meu país. Além disso tenho todo respeito e gratidão ao Presidente Bolsonaro, que me deu a oportunidade de ser Ministro da Educação do Brasil.
Assim sendo, e levando-se em consideração os aspectos já citados, decidi solicitar ao Presidente Bolsonaro a minha exoneração do cargo, com a finalidade de que não paire nenhuma incerteza sobre a minha conduta e a do Governo Federal, que vem transformando este país por meio do compromisso firme da luta contra a corrupção.
Não quero deixar uma objeção sequer quanto ao meu comportamento, que sempre se baseou em pilares inquebrantáveis de honra, família e pátria. Meu afastamento do cargo de Ministro, a partir da minha exoneração, visa também deixar claro que quero, mais que ninguém, uma investigação completa e longe de qualquer dúvida acerca de tentativas deste Ministro de Estado de interferir nas investigações.
Tomo esta iniciativa com o coração partido, de um inocente que quer mostrar a todo o custo a verdade das coisas, porém que sabe que a verdade requer tempo. Sei de minha responsabilidade política, que muito se difere da jurídica. Meu afastamento é única e exclusivamente decorrente de minha responsabilidade política, que exige de mim um senso de país maior que quaisquer sentimentos pessoais.
Assim sendo, não me despedirei, direi um até breve, pois depois de demonstrada minha inocência estarei de volta, para ajudar meu país e o Presidente Bolsonaro na sua difícil mas vitoriosa caminhada.
Brasil acima de tudo!!! Deus acima de todos!!!
Vergonhoso, foto em Bíblia
O deputado Sóstenes Cavalcante (PL-RJ), presidente da Frente Parlamentar Evangélica, criticou Milton Ribeiro pelo fato de o Ministério da Educação ter distribuído exemplares da Bíblia com a foto do ministro. “É vergonhoso ver um pastor misturar o sagrado com o profano. Nós evangélicos não aceitamos mistura da igreja com o Estado. Essa atitude é totalmente reprovada, a Igreja é muito maior do que a política”, afirmou o deputado ao Estadão.
O pastor Silas Malafaia, da Assembleia de Deus Vitória em Cristo, foi mais duro. Diferente do tom que começou a ser adotado por deputados evangélicos, com a sugestão de que Ribeiro deveria se afastar para focar na defesa e depois eventualmente retornar ao cargo, Malafaia criticou as fotos nas Bíblias e disse que o ministro deveria sair do MEC “para nunca mais voltar”.
As fotos dos pastores Gilmar Santos e Arilton Moura também apareciam nas Bíblias. Como revelou o Estadão, o caso aconteceu no dia 3 de julho do ano passado, em um evento organizado pelo MEC em Salinópolis (PA), cidade a 220 quilômetros de Belém.
Uma série de reportagens do Estadão revelou que o ministro dividiu o comando do MEC com os dois pastores, que são acusados de cobrar propina de prefeitos em troca de liberar recursos na pasta. O ministro entregou o cargo ao presidente Jair Bolsonaro e deve sair do governo em breve.
Alvo
Também integrante da bancada evangélica, o deputado Marco Feliciano (PL-SP) já havia cobrado o governo na semana passada para tirar Milton Ribeiro do cargo de ministro da Educação. “Ele é o alvo, se cai esse ministro, põe outro, acabou o problema. Enquanto ele permanecer, vão cutucar e vai sair mais coisa. Tem que ser feita alguma coisa rápido”, disse ao Estadão.
O parlamentar, que é próximo de Bolsonaro desde quando os dois eram colegas de Câmara, evitou criticar o aliado e centrou as reclamações no ministro. Na semana passada, durante reunião da Frente Parlamentar Evangélica, Feliciano já havia externado que queria a saída de Ribeiro.
“Como o ministro é evangélico e tudo isso está acontecendo com evangélicos, quem está sofrendo somos nós. Na véspera da eleição o que fica na mente do povo é isso”, declarou.
Milton Ribeiro é personagem central do escândalo de um gabinete paralelo de pastores no MEC. Como o Estadão revelou, um pastor pediu propina em ouro e em dinheiro para facilitar o acesso de prefeitos à pasta. O jornal revelou no dia 18 de março a existência de um gabinete paralelo de pastores que se instalou na pasta. A Procuradoria-Geral da República (PGR) já pediu a abertura de um inquérito para apurar improbidade administrativa e tráfico de influência no episódio. A ministra Cármen Lúcia, do Supremo Tribunal Federal (STF), autorizou, na semana passada, a abertura de inquérito. (AE)