Antes de receber a Carteira Nacional de Habilitação, você recebe uma carteira provisória de 1 ano. É que eles não confiam muito no seu teste e te monitoram por mais este período. Tal desconfiança influencia até as locadoras de carro, que só te alugam um veículo se você tiver a CNH definitiva. Mas acontece que mesmo com a provisória, sem nem ainda ter carro, todo motorista recém habilitado sonha em dar umas voltas pelas ruas de Belém.
Entrei em contato com um amigo, também recém habilitado, que já charlava com um carro por aí. Foi então que ele me contou de um cara – que era como o Perigo dos carros (do seriado Todo Mundo Odeia o Chris) – que alugava para quem ainda estava com a carteira provisória. Mas ele me explicou que o cara não era flor que se cheira, que já teve passagem na prisão e que tinha até sido expulso da polícia. Pra você ver como a empolgação nos cega…. esses antecedentes não me causaram nenhum tipo de medo, o que importava era ter um carro, mesmo que por alguns dias.
Entrei em contato pelo wpp. Causou certa estranheza que nem foto ele usava, mas enfim, tudo pelo carro! Os preços eram o dobro do mercado… mas a ansiedade apertava e caí pra dentro. Apenas com a xerox do comprovante de residência e a carteira provisória, fui até o malandrão dos carros. Esperava chegar e encontrar um estabelecimento cheio de veículos, funcionários e tudo. Mas não.
Apesar de ser na Gentil, era um lugar bem estranho. Não tinha identificação nenhuma e para entrar parecia que estava visitando uma seita secreta. O tal cara parecia estar bem ocupado, mas logo veio me atender já com a chave do carro na mão. Não preenchi nada, não assinei nada, apenas entreguei as xerox e fim. Nesse momento achei que enfim iria para um grande salão de automóveis…mas não, apenas apontou para o outro lado da rua e disse: ali está teu carro, está na reserva, vê se abastece. Antes que eu pudesse responder, voltou para sua seita secreta.
Entrei no carro. Logo surgiram dois problemas: primeiro, como sair da vaga em que o carro se encontrava? Já que estava apenas a cerca de um palmo do vizinho da frente e de trás; segundo, como liga o ar condicionado? Eram 15:30 de julho. Pensei em voltar e chamar o cara só para sair daquela caixa de sardinha. Mas pensando bem, eu não podia mostrar insegurança para o dono do veículo, pois certamente não iria confiar e pediria de volta.
Então a missão tinha que ser minha. Depois de bater cabeça procurando a ré, que era bem diferente do lata velha que usava na auto escola, engatei, girei o volante, saí e BOOM, bati no carro de trás. Pra ninguém vir logo me brigar, engatei a primeira e BOOM, bati no carro da frente. Isso tudo com o ar desligado, fazendo uns 30 graus em Belém. Depois de bater mais umas duas vezes, enfim consegui sair…olho pro lado e tem uma plateia me olhando, acredito que achando que era um motorista bêbado.
Agora a meta era chegar em casa. Mas lembrei do cara falando que estava na reserva, bateu o desespero. Avistei um posto na Alcindo Cacela com Gentil, mas como eu estava na pista do meio, fiquei com medo de fazer a conversão e um ônibus bater no meu meio. Mas perdendo esse posto, onde achar outro? Depois de receber vários buzinaços nos sinais de trânsito por conta de sair muito lento, decidi que deveria ir para João Paulo Segundo tentar um posto. E a tensão da gasolina acabar ia me acompanhando.
Estava muito quente e, parado em um semáforo de São Brás, pensando que estava ligando o ar frio, piorei tudo e liguei o ar quente. Quando senti a quentura, bem na hora, de repente, o sinal abre. Pra evitar xingamentos, sigo…e o ar quente, janela fechada. Tudo isso indo até a marcha 3, pois nunca havia ido além disso. Pode piorar? Pode.
Depois de errar algumas ruas, finalmente entro na João Paulo. Logo de cara tem um posto…mas eu passo pois novamente estava na faixa do meio. O desespero só cresceu, os pingos do suor estavam encharcando minha camisa social. De longe avistei um posto, foi como ver um oásis no deserto. Peguei logo a faixa certa e assim fui. Chegando lá, tem uma fila pequena de automóveis que terminava em uma leve subida na entrada do posto. Ainda não tinha prática nenhuma para pequenas, bem pequenas, subidinhas. Morri o carro ali.
Quando finalmente consegui subir e chegar na bomba, abro a janela e o frentista me olha com uma cara de espanto, talvez por estar tão suado quanto um maratonista e a roupa tão molhada quanto a vítima de um naufrágio. Ele me pergunta se é comum ou aditivada….não fazia ideia e respondi que era comum, no que ele pede para abrir a tampa do reservatório…gelei, não fazia ideia, novamente, de como proceder nisso. Mas disse: moço, é que peguei o carro agora, você sabe onde abre? Me olhou um tanto desconfiado e apontou para algo próximo ao volante. Puxei, abriu a mala, puxei outro, aí sim abriu a tampa. Pensa na vergonha. Só me tranquei na caixa de ferro com vidros levantados e segui meu rumo.
Continuava tenso. Perdi o retorno certo e acabei tendo que pegar um que meu acesso para Av. Almirante Barroso perpassava pela Trav. Angustura. Acontece que esta travessa tem seu trecho final com uma subida horrível para iniciantes. Quando dobrei e avistei a subida, me dei conta que aquele realmente era um dia de provação, uma real prova de direção encaminhada pelo departamento de trânsito dos céus. Mas o sinal estava verde, então pisei, no auge da minha marcha 3, mas chegando no meio, amarelo, chegando na ponta, vermelho, tive que parar. E agora?
Abriu o sinal, quando ia sair, a gravidade puxava o carro para baixo e o carro de trás haja buzinar. O sinal fechou. As homenagens para minha mãe começaram. Ali tem um ponto de ônibus, todos me olhavam. Até que uns 3 sinais depois, arrochei no acelerador e finalmente saí.
Assim segui até em casa. Ao sair do carro, minha mãe me olhou e achava que eu acabara de vir de uma guerra. Foi engraçado. Depois, mais ou menos, aprendi a andar com tranquilidade. Fiquei dois dias com o carro e por sorte não fiquei devendo nada para nenhum ex detento. Estou vivo.
No final, foi tudo aprendizagem…
Discussion about this post