O Tinder é a cara da pós-modernidade presente nos relacionamentos atuais. Quem entra no aplicativo deve estar sentimentalmente preparado para relações não duradouras, com raras exceções. Você curte o perfil de alguém, essa pessoa também te curte, dá match, então logo vocês são transportados para uma conversa privada. Trocam 2 ou 3 dias de mensagens e logo marcam o primeiro encontro. A partir daí é só tu e tu mesmo. Caem as fotos photoshopadas, as conversas padrões e todo tipo de máscara virtual.
Dei match com Karolyne, do Marex. É difícil decifrar pessoas desse bairro porque é uma região um tanto reservada da cidade, as janelas do ônibus – das poucas linhas que passam na Avenida Júlio César – só mostram a fachada e o interior do lugar é uma incógnita para maioria do belemenses. Mas analisando o perfil da moça, acredito que tenho alguma chance, pois ela é rockeira, gosta de tatuagens e curte rolês alternativos, além de amigos em comum.
Sábado, hall da praça do Marex, 18:00 horas, era o melhor lugar pra ela. Quando chegou, notei que, ao contrário da maioria de nós homens, a mulher era mais bonita do que nas fotos, isto é, se você acha bonito o estilo descolada, de piercing, tatuagens e um poderoso cabelo black power. O papo fluía bem. Toda aquela estética era prato cheio para perguntas de coisas que eu tinha interesse e relativo saber empírico e acadêmico. Aparentemente tudo daria certo, se não naquele, no próximo encontro. Eis a autoestima de um homem.
Mas aí vem a pergunta xeque-mate: “você fuma maconha?”. Fui sincero, respondi que não e que nunca nem toquei em um cigarro, que pretendia seguir assim para todo o sempre. Logo foi instantâneo e visível sua feição de descontentamento, possivelmente até de arrependimento por estar ali no encontro com alguém que não faz parte da sua tribo. Foi como uma terra molhada que abruptamente seca. Todo suposto interesse e qualquer chance, morrera ali naqueles segundos onde o Não fora pronunciado.
Mas a passagem de um belemense no Tinder nunca termina no primeiro revés, pois ao contrário das mulheres, nossa chance de encontrar alguém bacana é bem maior. A estratégia agora consistia encontrar uma pessoa um pouco mais fora da bolha.
Sempre achei que Thaís deu match comigo porque o celular estava no bolso e, na aleatoriedade, acabou curtindo (sem querer) meu modesto perfil. Moradora de Nazaré, mais especificamente da Gentil, ia ao Velho Moinho, estudava no Cesupa, lanchava no Mac e achava que o Batistão era um político. Perguntou se a Augusto Montenegro ainda era Belém, falava com frequência palavrões na frente da mãe, gostava só de Uber Confort e chamava suas amigas por nome e sobrenome. O lugar basiquinho dela para encontros era, com deboche e algum nojo, qualquer restaurante do Boulevard. Bom…cancela!
Melhor voltar para base, para os braços do povo, com alguém mais aqui da área, que curte um dogão oleoso da esquina e tenha, com muito orgulho, um vale digital ou carteira de meia passagem.
Beatriz da TF deu match e veio logo puxando assunto. Toda desinibida, revelou que gosta de quem tem coragem, de quem chama logo pro x1 (conversa frente a frente). Fomos, por indicação dela, a um lanche na Humaitá, lugar um tanto escuro e perigoso, que inclusive sofria da poluição sonora das freadas dos ônibus por conta do semáforo bem próximo. Pedi meu lanche sem tomate, mas mesmo assim veio, então o garçom-chapista só abriu o pão, arrancou com o dedo e jogou, brutalmente, no lixo. Um lugar inusitado e não muito afeito a clientes que não gostam da fruta vermelha (sim, é uma fruta).
A cada 10 palavras de Biazinha (seu apelido), 4 eu pedia para explicar porque estavam em um nível da semântica da periferia que ainda não tinha me atualizado. Ela era muito divertida, expressiva e faladora. Já foi de uma torcida organizada do Paysandu, daquelas que vão andando ao estádio ou pulam a catraca e deixam todo mundo em pânico. Tinha o vício de responder a qualquer coisa com um “Tu diz?!” Exemplo:
– Tu és bonita!- Tu diz?!- Prefiro hambúrguer sem salada.- Tu diz?!- A maior fronteira terrestre da França é com o Brasil, levando em consideração a Guiana Francesa.- Tu diz?!- Vamos ao cinema? – Tu diz?!
Depois de tanto “Tu diz?!” resolvi complementar com “Sim, eu digo!!!!”. E assim demos certo por alguns encontros. Até que ela começa a contar, com tom de ostentação, que seu ex namorado era um traficante em ascensão, que inclusive já teve que dizer, durante uma abordagem policial, que a droga era dela para assim livrar o ex de ir em cana, sendo que à época ela era de menor por apenas alguns meses.
Não sei se foi uma maneira sofisticada de dar um fora, mas se for, funcionou. Houve encontros que desconfiei se o picolezeiro que estava próximo era realmente um vendedor ou então um agente secreto do mini Pablo Escobar, que supostamente era o ex dela. Melhor não pagar pra ver. Melhor “sair fora”.
E assim a saga continuou. Teve encontro com a palestrinha da Batista Campos até a “aceita que dói menos” da Pratinha, da feminista cortadora de pinto da UFPA ,até a escolhi esperar da Quadrangular das Águas Lindas, da cientista política da Condor até a terraplanista do Umarizal, da bailarina do Souza e da funkeira do Jurunas. Só aprendi. Mas aí já é conversa para uma outra ocasião.
Tu diz?! Eu digo!
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