Nestes tempos de cretinice política, ideológica e eleitoral, feliz é a pessoa que consegue divergir dos grupos ao redor e manter a sanidade mental de ter opinião própria. Este ser lúcido e equilibrado existe em muita gente – instruída ou leiga – que se coloca à margem desse jogo burro e histérico antes da votação do segundo turno entre os dois candidatos à prefeitura de Belém. É essa maioria, que alguns sociólogos chamam de silenciosa, que decidirá a eleição.
É bom que isso assim seja. Caso contrário, o canibalismo ideológico – à esquerda ou à direita – devoraria corações e mentes, deixando a terra arrasada para governar sobre os despojos dos divergentes. E construir o governo dos que apenas dizem “sim”, excluindo os que poderiam apontar erros e dizer “não”.
O papel de “maria-vai-com-as-outras”, daqueles que só observam virtudes, fechando os olhos para os defeitos de seus candidatos, sempre foi deprimente. Hoje, contudo, isso parece ter extrapolado o limite de qualquer razoabilidade dialética ou coerência política, constituindo-se em um estado de delírio que alcança a debilidade mental.
As ideias, lançadas ao vento das próprias conveniências, estão divorciadas dos fatos. A coerência é descartada. O que é dito nesse momento pode ser mudado daqui a alguns minutos, desde que isso obedeça a um comando central de quem manipula os cordéis do poder, seja político ou econômico. Nesse enredo, a tentativa de manipulação dos eleitores é apenas um detalhe. Os meios justificam os fins.
Vale lembrar de um gênio brasileiro chamado Nelson Rodrigues, um conservador assumido que, pasme quem for capaz diante dessa constatação, conseguiu a proeza de ser respeitado pela esquerda, pela direita e pelos liberais, embora atacado por todos os lados em outras ocasiões. Sobretudo ao expor, em suas peças de teatro e crônicas, o moralismo pervertido da família brasileira.
Jornalista e escritor, se ele visse hoje a passionalidade dos grupos que se agridem e atacam mutuamente nas redes sociais, sapecaria de bate-pronto: “é a revolução dos cretinos fundamentais”. Mas, afinal, o que é, ou quem é, o cretino fundamental? Para Nelson Rodrigues, o “cretino fundamental é aquela pessoa capaz de deturpar o que é óbvio”. Ou seja, é aquele que distorce o óbvio imbuído de plena convicção.
Nelson, que se autointitulava o “anjo pornográfico”, fez uma previsão sombria e apocalíptica, nos anos 70: “o maior evento de nossa época não foi a ida do homem à Lua, nem a descoberta da fissão nuclear. O maior acontecimento do século é a rebelião dos cretinos fundamentais”. Segundo essa previsão, os cretinos fundamentais “dominariam o mundo em breve, possivelmente oprimindo os “não-cretinos”.
E foi mais longe, explicando que a dominação do mundo pelos cretinos fundamentais ocorreria “pela simples vantagem numérica e, também, por sua incrível capacidade de auto-organização”. Em uma entrevista a um jornal carioca, Nelson resumiu seu pensamento: “ponha um cretino fundamental em cima da mesa e você manda ele falar, ele dá um berro e imediatamente, milhares de outros cretinos se organizam, se arregimentam e se aglutinam”.
Felizmente, essa revolução ainda não conseguiu dominar o mundo. A maioria silenciosa não deixa. Apesar das vozes que poluem as redes sociais, contaminando o ambiente virtual com suas fake news, paixões desvairadas e doses cavalares de estupidez.
A propósito, cai como luva, a título de sugestão para quem gosta de uma boa comédia, um filme norte-americano chamado Idiocracy. É a história de um americano de classe média, do tipo babaca, que é congelado vivo. O cara volta a acordar 500 anos depois. O mundo do futuro é um tremendo choque para ele. E encara duas tremendas surpresas.
A primeira surpresa é que a televisão e a alimentação fast food provocaram, com o passar dos séculos, uma diminuição radical da inteligência humana, de modo que todos ao seu redor são imbecis, e do tipo fundamental. A segunda surpresa, decorrente da primeira, é que ele se tornou o ser humano mais inteligente do planeta, para seu desespero.
O mundo que ele vê, 500 anos depois, é totalmente caótico. O meio ambiente foi praticamente destruído. Uma pessoa educada e que fale usando um vocabulário com mais de 100 palavras é vítima de chacota.
Enfim, um mundo distópico e paralelo à realidade em que vivemos, onde o cretino fundamental descrito por Nelson Rodrigues exercita sua revolução. Como se vê pelas ruas de Belém e redes sociais, nesta pré-eleição do novo prefeito.
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