Como um túnel sombrio, se avistava o gueto onde a Ditadura Militar manteria, por 20 anos, os brasileiros.
O poeta Vinicius de Moraes sentiu que estava espalhada pelo País uma atmosfera de tristeza.
Parecia que nosso calendário fosse parar em alguma Quarta-feira de Cinzas interminável.
Ele, então, escreveu, para depois musicar, sob forma de marcha-rancho lenta, junto com Carlos Lyra:
– É preciso cantar. Mais que nunca é preciso cantar e alegrar a cidade.
Vinicius de Moraes morreu em 1980.
Não pôde mais nos acalentar, quando novo clima de desesperança pesou sobre nós.
Porém, outro artista, de fora do Brasil,naquele período, Leonard Cohen, tomou o lugar dele, de modo involuntário, na nossa geração, movido pelo mesmo amor instintivo à vida, de que são dotados os poetas.
Pois, uma ameaça se apresentou para Cohen, trágica, como a Ditadura Militar,para os brasileiros.
Tratava-se de uma avaliação médica da saúde dele,com resultado assustador.
Contudo, em vez de se quedar deprimido, Cohen declarou que estava preparado para morrer.
Sem dar à declaração sequer o tom melancólico presente em grande parte de suas composições, como decorrência, segundo especialistas, dasua orfandade prematura.
Deste modo, assim como Vinicius, Cohen nos ensinou a mantermos nosso amor pela vida, mesmo quando contingências existenciais severas a ameaçam.
Ele já era um homem de mais de 80 anos de idade.
Mas, ainda conseguiu enriquecer mais sua história, àquela altura. Poeta, compositor, cantor, romancista e artista plástico, ele tornou-se também, monge budista, o Dharma de Jikan (“Silencioso”).
Num dos livros que escreveu – o “Death of a Lady´s Man”–homenageou,a seu modo de poeta, aquilo que foi chamado por alguns escritores de a louca aventura da existência – a própria vida.,
Cohen já tinha se mostrado,antes, inebriado com o que recebera como um privilégio de sua existência, o amor de uma mulher.
Ele homenageou este seu amor na letra de Dance Me To The End Of Love.
A música que Martin Brest utilizou com maestria na direção de uma cena antológica do filme Perfume de Mulher.
Aquela na qual o militar cego, interpretado por Al Pacino, dança com a personagem da atriz Gabrielle Anwar
Nesta sua letra, escreveu:
Dance comigo, com sua beleza, ao som do violino ardente.
Dance comigo, através do pânico, até que eu esteja seguro.
Erga-me como um ramo de oliveira, e, seja minha pomba da paz.
Dance comigo, carinhosamente, e por muito tempo.
Dance para as crianças, que estão pedindo para nascer.
Dance, através das cortinas, que nossos beijos desgastaram.
Levante uma tenda de abrigo, agora, embora cada fio esteja rasgado.
Dance comigo para sua beleza, como um violino em chamas.
Me toque com sua mão nua, ou, me acaricie com sua luva.
Dance comigo até o fim do amor.
- Oswaldo Coimbra é escritor e jornalista