No Brasil está assim: depois da união entre direita e esquerda para matar e enterrar a Lava Jato, a porteira da impunidade ficou escancarada no Supremo Tribunal FederaL (STF), a corte onde casos de corrupção envolvendo figuras notórias da vida nacional passam uma eternidade para ser julgados. E quando se vê, já é tarde, o crime prescreveu.
Foi o que aconteceu na semana passada, beneficiando o senador Jader Barbalho (MDB), conhecido por dar salto triplo carpado sobre a fogueira da impunidade em vários processos cujo destino final é o armário judicial do arquivamento. Desta vez, o caso, declarado prescrito pelo ministro do STF, Edson Fachin, envolve a delação de Sérgio Machado, ex-presidente da Transpetro.
Machado, como todos sabem, afirmou ter repassado R$ 32 milhões em propinas ao senador Renan Calheiros e R$ 4,3 milhões a Jader Barbalho. Mas, em razão de o crime ter prescrito, porque o senador paraense tem mais de 70 anos e, por lei, o prazo de prescrição cai pela metade, o ministro Fachin reconheceu a impossibilidade de uma eventual punição de Barbalho pelo suposto crime de corrupção passiva no inquérito sobre o esquema na Transpetro, subsidiária da Petrobras.
No caso de Renan Calheiros, o ministro, contudo, autorizou a prorrogação do inquérito por mais 60 dias para que a Polícia Federal conclua a análise da quebra dos sigilos bancário e fiscal do senador alagoano, que hoje posa de vestal da moralidade, embalado que foi pela pirotécnica CPI da Covid.
Homem da mala do MDB
Para entender o caso, é preciso regredir a outubro de 2016. Segundo matérias divulgadas não apenas pelo Ver-o-Fato, mas por outros veículos nacionais, como Veja, Globo e Estadão, Felipe Parente, ligado a Sérgio Machado, também fez acordo de delação com a Justiça Federal, detalhando como funcionava o esquema de pagamento de propina para políticos.
O dinheiro destinado a Renan e Jader tinham como origem as empreiteiras Queiroz Galvão e UTC, além da empresa de fretamento de navios Teekay Norway que, segundo as matérias, teve até sete embarcações de transporte de petróleo em alto mar contratadas pela Transpetro.
Felipe Parente contou na justiça que anotava todas as entregas que fazia e todos os locais onde se encontrava com intermediários dos políticos. Entre os beneficiários citou Renan e Jader. Além dos nomes, indicou lugares e circunstâncias em que fez as entregas, inclusive com nome de hotéis onde teria se hospedado nessas ocasiões.
Em uma das entregas, Parente disse que teria que deixar a encomenda para Jader Barbalho com uma pessoa chamada Iara. Os investigadores acreditam que possa se tratar de uma funcionária do senador chamada Iara Jonas, que trabalha com o peemedebista há 22 anos. O delator reconheceu uma foto da funcionária, de acordo com matéria da revista Veja.
Sérgio Machado admitiu em sua delação premiada ter repassado propina a mais de 20 políticos de seis partidos. Indicado para o cargo por Renan Calheiros, ele disse que a prioridade era atender aos políticos que ele apontou como responsáveis pela nomeação. Ele também disse que, enquanto esteve à frente da Transpetro, de 2003 a 2015, repassou mais de R$ 100 milhões para o PMDB.
Na delação, Machado disse que Renan Calheiros foi o peemedebista que mais recebeu dinheiro ilícito: R$ 32 milhões. Até 2007, segundo o delator, quem fazia as entregas para Renan era Felipe Parente. Em determinado período, segundo Machado, o ex-presidente do Senado passou a receber pagamentos mensais de R$ 300 mil, valor que aumentava em ano de eleição, com doações oficiais.
Já Jader Barbalho, que segundo Machado pressionava muito por propinas, teria recebido R$ 4,2 milhões enquanto o delator esteve à frente da Transpetro. Ouvido à época, Renan Calheiros, disse que não conhece Felipe Parente e negou que tenha recebido qualquer vantagem indevida.
A assessoria de Jader Barbalho disse que ele é inocente e que não tem participação nos fatos investigados pela Lava Jato. A assessoria disse ainda que o senador desconhece se alguém recebeu dinheiro em nome dele. A funcionária de Jader Barbalho, Iara Jonas, não quis se manifestar. O PMDB disse que desconhece o conteúdo da delação. Sobre a delação de Sérgio Machado, o partido disse que lamenta a existência de “delações irresponsáves”.
Seis processos de Jader no ralo
Um ano antes das delações de Sérgio Machado e Felipe Parente, em 2015, o próprio STF já havia arquivado outros seis processos contra Jader Barbalho. E sempre pelo fato de ele ter mais de 70 anos. De uma só tacada, o STF mandou para a sepultura da impunidade três ações penais. Em outubro de 2014, quando Jader completou 70 anos de vida, outros três processos tiveram o mesmo destino.
Dentre os crimes não julgados e arquivados também pelo ministro Edson Fachin estavam três ações penais por fraudes na Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia (Sudam), órgão sobre o qual Jader tinha influência na década de 1990. “Nos termos do artigo 115 do Código Penal, os prazos prescricionais são reduzidos de metade se o acusado for maior de 70 anos na data da sentença. Posto isso, declaro extinta a punibilidade de Jader Fontenelle Barbalho”, escreveu Fachin.
Uma das ações penais foi aberta em 2002. Segundo o Ministério Público, Jader teria ordenado o desvio de verbas da Sudam nos anos 1990. A denúncia diz que os desvios foram operados por uma pessoa indicada pelo senador para atuar no órgão. A outra ação penal era mais recente, de 2011. Nela, o Ministério Público acusa o senador de ter influenciado na nomeação de dois superintendentes da Sudam que realizaram gestões fraudulentas. Segundo o processo, Jader cobrava propina de 20% dos recursos liberados para os projetos do órgão. A terceira ação tramitou em segredo de justiça.
No dia 18 de agosto de 2015, a Primeira Turma do STF decidiu, por unanimidade, arquivar uma ação penal contra Jader, também sem julgar. Ele era acusado de peculato em razão da desapropriação de terras pelo Incra na década de 1980, quando era ministro da Reforma e do Desenvolvimento Agrário.
Em 18 de maio, o ministro Gilmar Mendes fez o mesmo em relação a outro processo, em que o parlamentar era acusado de peculato e lavagem dinheiro. Em 31 de março, ocorreu o mesmo em relação a um processo aberto contra o senador em 2003 por peculato, tráfico de influência e lavagem de dinheiro. A decisão foi da ministra Rosa Weber.
Santa impunidade. Para Jader, claro.