Sílvio Santos lembra-se bem de seu primeiro negócio: tinha 14 anos e quatro mil-réis no bolso, quando decidiu comprar duas carteirinhas de plástico, as quais vendeu por dez, momentos depois. “Era um bom negócio”, diz ele — e um negócio que jamais parou. Desde então Silvio Santos jamais parou de vender alguma. Foi camelô — que a polícia perseguia e prendia —, vendedor de canetas, dono de bar, locutor de rádio, artista de circo, animador de TV, empresário.
Trinta e dois anos depois do primeiro negócio, o homem que nasceu com o nome de Senor Abravanel, fiho de um grego e uma turca, é hoje o proprietário segunda rede de televisão do País e de um grupo que integra 49 empresas e mais de 16 mil funcionários — um patrimônio que ele nem consegue mais avaliar e supõe possa ser estimado, contabilmente, em uns 150 milhões de dólares (quase Cz$ 1 trilhão).
Isso não o preocupa: “É tudo uma questão de zeros”, diz. “Vejo os balanços e, se o ano foi bom, há um zero a mais; se não foi, pode ter um zero a menos. Que diferença faz?”
Ele possui uma fazenda, no Mato Grosso, que jamais visitou. Uma concessionária de veículos, a Vimave, na qual diz nunca ter posto os pés. Televisões, prestadoras de serviço, agropecuárias, centros de diversões, lojas de varejo, financeira, distribuidora de títulos, corretoras de previdência privada, empresas de saúde, até mesmo um parque florestal — seu império tentacular se expande, ainda que ele não ponha o dedo nas empresas.
Um deles crescia tanto que ele próprio, assustado, decidiu frear os negócios — o Ciam, que prestava serviços de saúde, e foi acusado de negligência médica. O empresário Sílvio Santos não nega que uma de suas maiores empresas — a Liderança Capitalização — iludiu consumidores. Uma dor de cabeça terrível, no momento em que tentava consolidar a rede de TV com que o governo premiou sua fidelidade, sua aversão a criticas, seu gosto pelo elogio.
Um homem de negócios, sem dúvida — mas, principalmente, um comunicador que começou a carreira falando sem parar, nas ruas do Rio, fugindo da polícia, correndo atrás de coisas para vender e de idéias lucrativas. E que até hoje ainda se considera um camelô.
Sílvio Santos
Entrevista a Luiz Fernando Emediato e Marcos Wilson
Caderno 2 – Onde você nasceu, e quando?
Sílvio Santos — No Rio de Janeiro no dia 12 de dezembro de 1930. Tenho 56 anos. Meu pai veio da Grécia, era o chefe dos jornaleiros lá em Atenas. Pegou o navio e foi para Marselha, mas foi expulso da Europa porque vendia amendoim, pistache, nos bares. Era proibido, então veio para o Brasil.
Ele vendia amendoim aqui também?
Não. Ele falava uma porção de idiomas e foi trabalhar no cais do porto. Era camelô, vendia coisas para os tripulantes. Depois ele abriu uma lojinha na praça Mauá. Eu tinha 14 anos quando ele perdeu a loja.
Sua mãe é brasileira?
Não. Mau pai era grego de Salônica. Minha mãe é turca, de Smirna. Ainda é viva. Eles se conheceram no Rio. Meu pai se chamava Alberto. Minha mãe se chama Rebeca.
Minha mãe sim, era brava. Era fogo. Com ela era no tapa.
Silvio Santos em entrevista ao Estadão
Grego e se chamava Alberto?
Alberto Abravanel. O meu nome é Senor pelo seguinte… Em mil quinhentos e quarenta e pouco havia na corte dos reis católicos de Espanha, Isabel e Fernando, um certo Dom Isaac Abravanel, que tinha sido ministro das Finanças de Portugal. Salvou Portugal da bancarrota e aí os reis de Espanha o chamaram. Mas teve de sair de lá, com a Inquisição. Os reis chamaram-no e disseram que garantiriam a vida dele, mas não do povo judeu que vivia na Espanha. Dom Isaac Abravanel preferiu sair com o povo, e foram para Salônica. Viróu teólogo, escritor, mas depois foi para Veneza e lá voltou a ser financista. Mais tarde foi de novo para Salônica. Meu pai — que descende de dom Isaac — chamava-se Alberto Dom Abravanel, e eu deveria me chamar Dom Abravanel. Mas disseram a ele que no Brasil não havia dom, mas senhor. Aí fiquei Senor.
O que aconteceu com a família Abravanel ao longo desses 400 anos para que empobrecesse e seu pai chegasse pobre ao Brasil?
Ah, não sei, essa história tem mais de 400 anos. Um dia, se eu reclamar o título na Espanha, eles devem me dar, mas vou fazer o que com o título? Não dá nem para entrar para o Coríntians… Bom, meu pai perdeu a loja porque perdia todo o dinheiro no jogo. O que ganhava de dia ele perdia no cassino, à noite.
Você gostava dele?
Ah, era legal. Minha mãe sim, era brava. Era fogo. Com ela era no tapa.
Ela batia muito em você?
Ah, eu apanhei. Minha mãe era fogo!
Como foi que você virou camelô?
Ah, eu tinha 14 anos, estava no segundo ano de Contabilidade e então saí, não quis mais. Já ganhava algum dinheiro apostando nos tacos dos caras que jogavam sinuca nos bares. A sinuca era separada por uma geladeira frigorífica, menor de idade não podia entrar, então eu ficava o dia todo do outro lado, olhando e apostando. Mas aí minha mãe chegou e disse: “Vai ter de trabalhar, senão leva porrada!” Foi aí que virei camelô.
Do camelô a dono de um Império. Toda a história nas páginas 6 e 7.
Como foi seu primeiro dia de camelô?
Foi em 1945, ia ter eleição e um sujeito vendia carteirinhas de plástico para guardar título de eleitor, na rua do Ouvidor. Fiquei olhando, segui o homem para ver onde comprava as carteirinhas e comprei duas. Eu tinha quatro mil réis no bolso. Aí fui para a rua e gritei: “Olha a carteirinha eleitoral, cinco mil réis cada. Vendi as duas, voltei na loja e comprei mais. Comecei assim.
E depois?
Vi na rua um alemão que vendia canetas. Era o rei dos camelôs no Rio. Descobri onde ele comprava as canetas, a casa Fischer, comprei, vendi, logo depois o rei das canetas era eu. Eu fazia mágica, engolia dedal, tirava moedas da orelha e do nariz das pessoas, ajuntava 200 pessoas. Aí eu oferecia as canetas, nunca ganhei tanto dinheiro. Trabalhava só das 11 até 11h50, enquanto o guarda municipal almoçava, e ganhava por dia o equivalente a três salários mínimos. Desde então eu nunca soube o que era falta de dinheiro. Sempre tive mais do que precisei.
Você trabalhava sozinho?
Não, eu tinha um farol, o sujeito que fica vigiando o guarda, finge que compra as canetas e some com elas quando o rapa chega. Meu farol era o Pedro Borboleta, sobrinho do Adolfo Bloch, que às vezes aparecia na casa da irmã dele e mãe do Pedro, todo matusquela, todo pobre… Ele tinha uma gráfica na rua Frei Caneca. Agora o Pedro Borboleta trabalha com ele.
A polícia te pegou muitas vezes?
Pegou.
E aí?
Aí eu perdia tudo. Mas começava de novo.
Como você chegou a locutor de rádio?
Fui preso e o Meira Lima, que era o Chefe da Fiscalização, ficou com pena (eu era menor) e me mandou para a rádio Guanabara falar com um amigo dele, Jorge de Matos. Tinha um concurso para locutores, 400 candidatos! Fui o primeiro colocado. O Chico Anysio foi o quarto. Ganhava dois mil cruzeiros por mês. Ora, isso eu ganhava em três dias, como camelô. Voltei para a rua, mas aí o Exército me pegou e entrei na Escola de Paraquedismo.
Foi bom?
Bem, eu pagava outro para ser sentinela e ia para a rua trabalhar de camelô. Fui preso e me rasparam a cabeça. Me disseram: “Pára de ser camelô”. Perguntei:” Posso ser locutor?”. Podia. Fui para rádio Continental em Niterói e de madrugada voltava para o Rio sozinho na barca.
Vinha com as prostitutas na última barca, uma porção de mulheres e eu sozinho, a barca deslizando, um lugar bonito, só faltava a música. Então montei um serviço de alto falante na barca, virei locutor da barca, contratei quatro locutores depois, fui ser corretor de anúncios para alimentar a barca, vendi cerveja e guaraná na barca, era dinheiro que não acabava mais. Fiz um bingo, dava prémios. Eu era um dos maiores vendedores da Antártica no Rio.
E então?
Então a barca quebrou o eixo, tiveram de mandar consertar na Inglaterra. Eu tinha comprado um bar e estava endividado. Com a barca parada, fui para São Paulo, para um hotel na rua Aurora. Era só a cama e mais nada. O banheiro era do lado de fora. O Almirante tinha me demitido da rádio Tupi.
Você era uma máquina de ganhar dinheiro, hein? Naquele tempo você já tinha uma meta na vida? Ser um dos homens mais conhecidos do Pais?
Não. Nunca me preocupei com dinheiro, ganhava porque ganhava. Surgia. Uma idéia vinha atrás da outra, sempre tive sorte. Eu estava na porta da pensão na rua Aurora, em São Paulo, quando passou alguém disse: “Ô, Sílvio”. Era o Ronaldo, locutor da rádio Excelsior. Me disse que tinha um programa de calouros na rádio Nacional, fui lá, mas me reconheceram, não me deixaram fazer. Acabei fazendo um teste e fui contratado.
Concordei em ficar só por três meses, para pagar dívida do bar e sobreviver em São Paulo. Mas a barca não ficou pronta e fui ficando. Mandei buscar o bar no Rio e aluguei uma portinha na rua Ana Cintra. O cunhado da Hebe Camargo, o Ângelo, me ajudava a tomar conta do bar. A mulher dele, irmã da Hebe, era cozinheira na rádio. Nessa altura eu já fazia a Caravana do Peru que Fala.
Peru que fala?
É. Eu trabalhava só até meio dia. O Manoel da Nóbrega era o apresentador principal e me gozava muito. Eu não tinha ainda este desembaraço, tinha vergonha, ficava vermelho. O Nóbrega me chamava de Peru. Ele tinha uma caravana — ele, o Ronald Golias e o Carlos Alberto, mais o Canarinho, e a Tânia Castilho — que iam de circo em circo. Às vezes eu ia junto, mas não gostava, pois sempre desconfiei que os donos do circo roubavam na bilheteria. Eu não queria dividir assim.
Por quê?
O circo estava sempre lotado, mas nossa parte era pequena. Então montei minha caravana, contratei artistas. Humberto Simões era o ventríloquo com dois bonecos, o Solon Sales o Seresteiro da Paullcéia, Joara Gonçalves uma cantora. Tinha uma macaca chita e o Barnabé que contava piadas imitando o Mazzaropi.
Arranjei uma Zilda, linda de morrer. Eu a vi tocando acordeon com o irmão no circo e perguntei: “Esse rapaz, quem é?” E ela: “É meu namorado”. Então disse: “Manda esse cara passear e vem trabalhar comigo. Eu pago”. Aceitou e botei ela pelada, — ai, capeta, — de rumbeira, era o maior show do circo. Aí eu exigia pôr no circo um porteiro meu, para controlar a bilheteria. Esse porteiro trabalha comigo até hoje, é o chefe do setor de carros, o Walter Garcia Filho.
E como você fazia para anunciar o show?
Saí pela rua espalhando cartazes e gritando no alto-falante: “Alô, alô, aqui é o peru que fala. Sábado e domingo no circo tal. Eu só perdia para o Tonico e Tinoco. Nesse tempo eu fiz também campanha para o deputado Cunha Bueno; na primeira vez, para comprar um jipe. Não tinha gravador, tinha de falar no alto-falante ao vivo, sem parar. Eu tomava Cálcio-Cetiva na veia para aguentar o circo e os comícios. Eu levava mais de dez mil pessoas. E aguentava o público até o Bueno chegar.
Você nunca pensou em ser o próprio candidato?
Nunca! O Cunha Bueno até que queria. Ele era federal, eu podia ser o estadual. Mas o Manoel da Nóbrega, que foi um pai para mim, tinha sido eleito deputado e aquilo foi uma decepção para ele, que prometeu muito, quis trabalhar e não deixaram. Ele perdeu a liberdade, a credibilidade e me deu esse conselho “Nunca se meta em política.” Era meu pai adotivo, eu não tinha ninguém em São Paulo. Bom, eu continuei no circo. Mas a primeira casa que comprei em São Paulo, e que paguei em 15 anos, foi com financiamento da Caixa Econômica, arrumado pelo Cunha Bueno.
Você vivia do circo só?
Não, eu tinha três dinheiros, então. Do circo, da rádio e do bar. Como de dia eu só trabalhava do meio dia às duas, comecei a fazer uma revista de passatempos, Brincadeiras para Você: palavras cruzadas, charadas, essas coisas, vendia anúncios. Depois comecei a vender folhinhas, calendários, com anúncios.
E o Baú da Felicidade, como apareceu a idéia?
O Baú era um negócio de um alemão, em sociedade, com o Manoel da Nóbrega, e que era um baú de presentes, que eles vendiam para o sujeito pagar de 12 vezes, até o Natal, quando então o bauzinho era entregue. O Alemão era muito desorganizado e não conseguiu entregar os presentes, o Nóbrega estava devolvendo o dinheiro do bolso dele. Eu tinha gravado o texto de propaganda do negócio. O Nóbrega nem ia lá no Baú. Então um dia ele me pediu, por amizade, que tomasse conta do Baú para ele.
E o Alemão saiu dizendo “graças a Deus, obrigado”. O baú era horroroso, parecia um caixão de defuntos, lilás…
Eu não queria aquilo, estava com o negócio da folhinha, mas o Nóbrega pediu, insistiu, lá fui eu. Bem administrado, era um grande negócio. Disse ao Nóbrega: “Manoel, me dá a metade, 50%, vou fazer do Baú o melhor negócio do Brasil. Você é empregado de rádio, né? Vamos ser donos de rádio.”
Dá licença, vou te mostrar uma coisa que ninguém viu (caminha até a estante, pega três velhos livros-caixa). Olha, começou assim: eu anotava à mão, todos os dias, o dinheiro que entrava, que saía. Esse livro custou 150 cruzeiros. Olha aí, é a minha letra. O ano todo. Parei só no dia 2 de dezembro de 1959, para encher os baús de presentes e mandar entregar. Era dia e noite enchendo os bauzinhos, eu e o Faustino.
Você mesmo enchia?
Claro, pô. Mas aí começou a dar confusãio. Reclamavam do tamanho das bonecas, do tamanho do caminhãozinho. Cansei de ir na delegacia. Os vendedores mentiam. O que eu podia fazer? Então fui na Estrela, encomendei uma boneca linda, que só eu ia ter, a Queridinha. Quarenta mil bonecas, a quantidade de números da Loteria. Ia dar prêmios. Não acreditaram, mas vendi as 40 mil bonecas. Então a fábrica da Estrela pegou fogo.
E as bonecas?
Não tinha boneca para entregar. Não queriam entregar. Mas como eu ia explicar para 40 mil pessoas que não ia ter boneca? Ameacei contar nos jornais na rádio, negócio é negócio. A Estrela entregou outra boneca, mais sofisticada. Foi um sucesso. A partir daí o Baú só cresceu. Mas o Manoel da Nóbrega ficou assustado.
Assustado?
É. Disse: “Sílvio, você é muito aventureiro. Não posso mais. Com o Alemão, paguei do meu bolso; com você não posso pagar. Morro, vou para a cadeia! Então ele saiu do Baú. No cadastro que a Estrela pediu a meu respeito, e que vi depois, estava escrito: “Cidadão muito loquaz (tive até de ir no dicionário, ver o que significava loquaz), ótimo vendedor, mas cuidado, o negócio dele é perigoso, muito risco”.
Você nunca teve medo de não conseguir vender, ou entregar?
Se não vendeu, não vendeu, pô! Negócio é negócio: se perder, perdeu. Era quando eu estava com as canetas na mão, quando era camelô, e vinha o rapa. Perdia tudo, mas começava de novo. Não me preocupei nunca. Se amanhã eu acordar e me disserem: “O país agora é comunista” eu pergunto: “Ah, bom é comunista? Então o que é que eu posso fazer para ser o chefe do partido? Vou trabalhar do mesmo jeito, não tem problema.
(Toca o telefone. Do outro lado da linha, o humorista Jô Soares chamando de Cascavel. Sílvio Santos convidou o humorista para sair da Globo e inaugurar um novo programa no SBT. Ele está estudando a proposta).
Alô, Jô. Tudo bom? É boa notícia. É reboliço? Mas tem que reboliçar, você tem que me dar uma boa notícia já. Segunda-feira? No duro? Você acha que vem ou não vem? Vem? Fala sério, Jô. O Jô, eu não estou podendo dormir (ri). Escuta, o Max e o Hilton vêm também? No duro? Olha lá, hein? Todo o mundo está sabendo. Se você não vier, pelo menos declara no jornal depois que você disse que vinha! Tá legal. Mas vem, Jô.
A Globo vai tentar prender você pelo Max Nunes e pelo Hilton Marques (os dois redatores de Viva o Gordo na TV Globo). Ora, vai oferecer mais para eles. (Pausa) Tá bom. Tá ótimo. Bom ouvir isso. Então vou rezar para você vir. Quando é que o Boni vai dar a resposta? E quando é que vou parar de ansiedade? Olha, estou aqui sendo entrevistado pelo Estado de S. Paulo e nossa conversa está sendo ouvida, mas não faz mal. Você não falou que vem? Mas você falou. Posso anunciar que vem? Segunda-feira você me dá a resposta? Já vi que você não vem, então. O Boni vai tentar te convencer. Nós precisamos de você aqui, Jô. No duro. Um abraço. (Desliga) Nós paramos onde?
Nas bonecas.
Pois é. Depois da Queridinha o Baú só crescia. Dei bola, aparelho de jantar, panela, na época prêmio era um carro usado. O carro que ficava exposto era o do Luciano Calegari. Começou o carnê. Mas era difícil o carro sair. Aí começou a inflação e os fornecedores não podiam sustentar o negócio. Passaram a entregar material de má qualidade, panelas de alumínio mais fino, louça barata, o cliente reclamava. A inflação estava acabando com o meu negócio. Aí bolei o carnê da casa própria, o sujeito não comprava a mercadoria, mas a possibilidade de ganhar uma casa. E retirava o valor pago em mercadoria, na loja, quando terminasse de pagar o carnê. O carnê estorou aí. De lá para cá, só em 1983 nós vendemos numericamente menos carnês. De ano para ano nunca parou de crescer.
Apesar de todas as controvérsias e denúncias?
Os problemas hoje são mínimos.
Houve uma época em que havia muitos problemas?
Não contra o Baú, mas contra a Liderança, infelizmente. O vendedor é fogo. Vender papel é fogo.
O que aconteceu com a Liderança Capitalização?
As vezes eles tapeiam. Com o carnê também eles tapeiam, mas é mais difícil. Não pode ir na conversa do vendedor. Quando deu galho na Liderança, a pessoa pagava 15 anos, no vigésimo recebia a capitalização. Mas o vendedor mentia, dizia que era como no Baú, recebia logo. Transformei o plano, baixei de 15 para cinco anos. Você paga três anos, não paga o quarto e o quinto, mas continua concorrendo aos prêmios, e no quinto ano recebe o dinheiro capitalizado. Proibi também usar a expressão “caderneta ae poupança”, como a Haspa, que faliu, usava.
Como foi quando surgiram as denúncias contra a Liderança na imprensa?
Tomei conhecimento, chamei a diretoria e mandei devolver o dinheiro, vi quais eram as irregularidades, tentei sanar. Ainda não é uma empresa boa, que convença…
Não é?
Não quero, ainda acho que devo fazer melhor. Ou cabar com ela. Olha, tudo é permitido por lei, mas ainda assim tem vendedor que tapeia. Os papeleiros são fogo. Eles inventam histórias. Estamos policiando os vendedores, mandamos prender, botamos na penitenciária se é possível.
E as outras empresas?
Surgiram como consequência do Baú. Para entregar carros premiados, acabamos abrindo a Vimave, concessionária Volkswagen, uma das primeiras do País hoje. Para dar casa, e como não encontrava casa, abri uma construtora. Ah, nunca fui na Vimave, nem sei onde é. Não tenho tempo. Abri lojas para entregar mercadorias. Então veio a financeira, para dar o crédito para as pessoas comprar nas lojas. Então entrou dinheiro demais, precisava descarregar imposto de renda, compramos uma fazenda no Mato Grosso, a Tamakavy, com incentivos fiscais Nunca fui lá.
Já denunciaram que havia trabalho escravo lá.
Se havia também não é culpa minha. Nunca fui lá, já vi de fotografia. Sei que é uma das maiores fazendas do Brasil.
Você sabe quanto dinheiro tem?
Não, não sei. Vejo pelos balanços. O patrimônio líquido deve ser de uns US$ 150 milhões. O ativo estava em 5 bilhões (de cruzados) quando vi o último balanço! Isso é valor contábil. Quanto vale mesmo, se fosse veder, eu não sei. Olha, são zeros a mais ou a menos. Que importa? O quer vou fazer com isso? Antes era bom, era mais vibrante. Hoje a vibração minha é só a televisão. Eu vibro se o Jô Soares vem ou não para o SBT.
E o Jô, vem ou não vem?
Acho que não vem. Matam ele, mas ele não vem.
Vamos voltar às empresas. As denúncias contra elas o preocupam?
A panela que o Baú entregou está ruim? Acabo com a panela, invento outro negócio.
Um dia cheguei aqui em casa e tinha um casal esperando na porta. “Senhor Sílvio, o meu filho morreu…”
Sílvio Santos em entrevista ao Estadão
E o caso do Ciam, da assistência de saúde, que foi denunciado por negligência médica?
Pensei que ia ser um negócio bacana, para o povo, eu queria me realizar dando ao povo médico, hospital, saúde. Eu me empolguei. Quase não falava mais do Baú na televisão, só do Ciam. Vendia 2.500 planos, fiz vender 45.000 por mês. Um dia cheguei aqui em casa e tinha um casal esperando na porta. “Senhor Sílvio, o meu filho morreu…” Mas morreu de quê? “Eu tinha o Ciam e ele morreu”. O senhor sabe, eu não tenho culpa, eu não sou médico. “Não, eu sei, mas o meu filho morreu…”
Fiquei sem saber o que falar. Aí fiquei pensando: quando o cara vem reclamar que recebeu uma panela furada, eu ligo para o João Pedro e devolvo a panela. Quando vieram reclamar que o cara vendeu títulos de capitalização e mentiu, dizendo que o comprador ia ganhar uma casa, eu mando devolver o dinheiro. Mas como vou fazer quando vieram na minha casa reclamar uma vida humana? Eu não posso devolver o filho. Aí eu disse: “Vou parar com isso”.
Comecei a ver que a Medicina não era o que eu pensava. Que os médicos não são aquilo que eu pensava. Que os laboratórios não são o que eu pensava. E então falei panela furada eu troco, brinquedo quebrado eu troco, vendedor tapeia freguês e eu mando pagar, mas quando vêm reclamar que o filho morreu, não tenho o que falar.
E o que você vai fazer com o Ciam?
Está atendendo os clientes, deve ter mil ou mil e duzentos, mas não sei quantos sei nem quero saber mais. Estão vendendo uns 400 planos por mês e não faço mais propaganda, não estimulo, não facilito, não faço nada e estou louco para alguém me comprar o Ciam porque não é o mais o meu negócio.
Você acha que não pode ter controle sobre isso?
Essa é a minha dificuldade: Se amanhã o Saad (da Bandeiraptes) ou o Marinho (da Globo) vai à falência, normal. É um jogo. Ir à falência faz parte do negócio. Mas eu não. Se eu for à falência, passo a ser ladão. Vou ter quatro milhões de pessoas me apontando como ladrão, vou ter de mudar de País, se quiser viver. Minha responsabílidade como empresário é muito maior que a responsabilidade de qualquer outro. São 15 mil pessoas que trabalham usando o meu nome, vendendo o meu nome. Eu assumo essa responsabilidade.
Qual é seu principal problema, hoje?
São dois: a Liderança, da qual já falei, e a TV Record.
A Record? Por quê?
Porque infelizmente a Record não vai bem, e sou sócio dela. Então eu tenho que ficar policiando junto com meu sócio, o Paulinho Machado de Carvalho, para ver se aguentamos a empresa. Se acontecer alguma coisa com a Record, quem vai entrar bem sou eu, claro.
Dá prejuízo?
Claro que dá. Está dando prejuízo de dois ou três milhões por mês. Meu sócio acha que não, acha que vai se recuperar. Tá bom, tomara, queira Deus. Negócio é negócio.
Você precisa vendê-la, então?
Preciso, não. Vou vender. Quero vender. Preciso acabar com essa dor de cabeça.
E o SBT, vai bem?
Eu estou me mantendo. Os primeiros quatro anos foram deficitários, o quinto já foi bom. O sexto ano, agora, vai empatar, ou fechar muito bem. Nós crescemos alguma coisa parecida com 10% ou 12% entre janeiro e junho, e em dólares. Devemos chegar ao final do ano com um crescimento real de 10 ou 11%.
Como você chegou a dono de televisão?
Eu tinha um horário comprado na organização Victor Costa, nos anos 60, o programa cresceu, batia até o Roberto Carlos. Aí veio a Globo e comprou a emissora. Eu era um dos 10 programas de maior audiência da TV brasileira: O Boni da Globo quis que eu saísse, não era política da Globo ter concessionário. Eu fazia o programa Silvio Santos e o Cidade Contra Cidade. Tinha também a TV Studios (dai TVS) na Vila Guilherme, produzimos uma novela para a Record e fomos à falência. Gastamos todo o dinheiro que tínhamos. Eu estava na Tupi e na Globo, então. Bom, a Globo não queria renovar. Fizeram uma reunião, Globo, Tupi, Record e Bandeirantes, e fizeram um convênio para me tirar da televisão como concessionário.
Mas como sempre tem um que fura o acordo, o Paulinho Machado de Carvalho me chamou e me ofereceu as ações do Pipa, tio dele, na Record; 50%. Mas o Grupo Gerdau comprou primeiro, para dar de presente ao Nascimento Brito, do Jornal do Brasil.
E você ficou sem TV?
Não, tive sorte, imagine só. O Roberto Marinho me telefonou e disse: “Escuta, não compra as ações do Pipa que eu faço o contrato do jeito que você quiser na Globo. Eu não tinha comprado nem ia poder comprar, mas o Marinho não sabia e eu fechei negócio com ele. Pura sorte. No contrato, ele me obrigou a aceitar uma cláusula: ele me dava cinco anos na Globo, mas se eu comprasse ações ou participasse de qualquer concessão de televisão, pagaria uma multa que não tinha tamanho.
Parece que eles não queriam que você se tornasse proprietário de TV.
Não sei, isso é achismo. O meu negócio não é ser dono mesmo, é ser animador. O meu negócio é aparecer no vídeo, vaidade. Vender carnê, trabalhar.
É vaidade mesmo?
Claro que é! E não é vaidade? Eu vou lá me matar nove horas e não é vaidade?
Bom, e depois disso?
Entrei numa concessão mais tarde, no Rio, o ministro das Comunicações era o Higino Corsetti, mas ele nem me recebeu. Não ganhei. Ganhou o Jornal do Brasil.
Que não conseguiu por a TV no ar e perdeu a concessão.
O Nascimento Brito mandou o pessoal dele em São Paulo ver a Record, que o grupo Gerdau queria dar para ele, mas brigava muito com o Paulinho e desistiu. O Gerdau não tinha o que fazer com as ações e então eu comprei em nome de Lucita Gordinho, para não pagar aquela multa ao Roberto Marinho. Foi então que o Mauro Salles me procurou oferecendo a Rádio Tupi do Rio. Fomos falar com o Golbery.
Você Já conhecia o pessoal do governo?
Nada, ninguém. Fui lá porque o Mauro Salles ligou para mim. Eu também não conhecia o Mauro Salles. Fomos ao Golbery e ele disse que eu poderia comprar a Tupi do Rio. Aí entrou um camarada de marrom na sala e falou assim: “Abravanel, como vai?” Só podia ser da Escola de Paraquedistas. Era o Délio Jardim de Mattos. O Golbery me perguntou porque eu não entrava numa concessão de TV. Bom, antes disso eu já tinha ganho a Concessão no Rio, o Euclides Quandt de Oliveira me deu. Mais as ações da Record compradas. Eu não sabia que podia entrar em concessão de novo e perguntei. O Golbery disse que podia, sim.
E o Roberto Marinho, cobrou a multa?
Chamou para cobrar, mas disse que sabia que eu não tinha dinheiro e não ia cobrar. Combinamos um prazo para eu sair da Globo e eu saí. Fiquei na Record e ia fazer Programa na TV Rio, mas acabei conseguindo a Tupi, que era uma grande rede.
É verdade que o Dom, da dupla Dora e Ravel, o ajudou a ganhar a concessão?
Naquele mesmo dia, em Brasília, o Délio me pediu que ajudasse o Dom e o Ravel, mas eu achava que eles eram comunistas. O Délio disse que não, eram de confiança.
Então concordei em ajudar. O Dom me disse que era mesmo amigo do Délio. Ele trabalhou para mim como relações públicas na área militar, mas eu durante 16 meses só paguei a ele como jurado de meu programa.
Agora está movendo uma ação contra mim e vai ganhar, fazer o quê? Paguei como jurado, não como relações públicas. Se ganhar na justiça, pago de novo. O José Renato, que era do meu júri, primo de dona Dulce Figueiredo, foi relações públicas na área do presidente Figueiredo. E eu atuei nas outras. Trabalhamos só os três pela concessão, ninguém mais. Ninguém acreditava que a gente ia ganhar. A concessão foi ganha em nome de Carmen Abravanel e Paulito Machado de Carvalho, os nomes estavam lá, foi honesto. O Paulo Machado de Carvalho desistiu e até hoje estou me virando. São 44 estações…
É um império de comunicação…
Sem essa de império.
Sua meta é superar a Globo?
Não, não é. A Globo é um supermercado, eu sou uma quitanda. Fatura dez vezes mais do que eu. Em julho nós faturamos 250 milhões, e a Globo dois bilhões. Eles devem estar gastando no mínimo 500 milhões na programação. Por mês. Como posso, então, faturando bruto 250 milhões, concorrer com eles na programação? É impossível. A Globo é uma multinacional, uma das quatro maiores do mundo na área.
Você não tem dinheiro para concorrer, então.
Não. Além disso, se a Globo fechasse hoje, pegasse fogo, e eu fosse o primeiro colocado e pegasse o mercado dela, nem em dez anos teria o prestígio, a qualidade, os profissionais que a Globo tem. Ela se transformou, por mérito, sorte, não importa o que, falta de concorrência, num parque de comunicação que é um dos mais importantes do mundo.
Qual é a sua meta, então?
Minha empresa tem de ter uma receita igual, a uma despesa e, se possível, um lucro, um superávit, do contrário ela não caminha. Isto é necessário para que nós e nossos funcionários vivamos dela, para que a comunidade possa ter algum resultado com ela. Se eu resolver ser Globo, vou afundar, como todas afundaram.
Mas, mesmo não querendo concorrer, houve casos em que você bateu a Globo, como quando exibiu a série Pássaros Feridos…
Sorte. Me ofereceram a série por 500 mil dólares, não comprei, não tinha dinheiro. A Globo também não comprou, parece que ficou com medo da censura, a série tratava de religião. Dois anos depois comprei por 100 mil dólares. É isso o que digo: você que vai lá na Globo, vai no supermercado fazer suas compras, não esqueça de passar na minha quitanda.
Mas se outro grupo, como a Televisa, do México, injeta dinheiro no SBT, você pode tentar bater a Globo, não?
Não. A Globo tem prestígio, tradição, lobby, tem tudo! É como O Estado de S. Paulo. E um ótimo jornal. O Notícias Populares não pode ser comparado com ele, pode? Não pode! Teria de mudar tudo, mentalidade, equipe. Talvez minha própria mentalidade não esteja aberta para o estilo que a Globo tem. Eu teria de contratar essa mentalidade. E isso é difícil. Vê ai a dificuldade para eu contratar um Jô Soares. Falou comigo, deu a palavra, mas não vai vir.
O que você faz para melhorar a qualidade do SBT?
Faço um esforço próprio, pessoal, fico de olho no que há nos Estados Unidos, vou lá e compro. Está acontecendo lá um fenômeno curioso: até recentemente, havia lá cinco, seis estações de TV. Hoje você abre o TV Guide e vê 38. TVs e produtores independentes, produzindo centenas de programas. A Globo não pode comprar tudo.
E o esporte?
Não posso entrar no esporte. Você viu, a Globo comprou toda a Copa.
E novelas?
Já produzi e me dei mal. Não deu audiência, só dois pontos. O que deu certo foi a série Pássaros Feridos. Estamos investindo em filmes. Aliás, a exibição de Pássaros Feridos ajudou a mudar a imagem do SBT.
O mundo publicitário começou a acreditar um pouco mais em mim.
Antes não acreditava?
Não. Guardam de Silvio Santos a imagem do camelô, que vira cambalhota, dá risada, gosta de todo mundo, conta piada. Isso não é imagem de empresário, mas de animador. A classe pensante, que distribui as verbas, tem preconceito contra Silvio Santos.
É uma imagem…
Brega, uma imagem negativa. Mas eu tenho três personalidades: no palco, sou artista; ponho o óculos, sou empresário, esqueço o artista; e sou eu mesmo, quando vou para a rua, não aqui, que não dá, mas nos Estados Unidos ou no México. Ando de short, ninguém sabe que sou Silvio Santos. Como nasci. (Mexe na gaveta, acha umas fotografias e mostra) Olha aí, sou eu na Disneylandia. Eu, o vice-presidente do SBT Guilherme Stoliar, que é meu sobrinho, e o Henrique Abravanel, meu irmão diretor do Baú, Olha aí: de short, sandália havaiana, capa de plástico. É esse que eu gostaria de ser aqui.
Você é brega só na televisão ou é brega em casa também?
Acho que sou brega em qualquer lugar!
Que tipo de música você gosta?
Bolero. Julio Iglesias. Luís Gonzaga.
O que você lê?
Só biografias. A última que li foi a do Iacooca. A do Rock Hudson, que morreu de Aids. A de Hitler, do Frank Sinatra.
O que achou do Hitler?
Achei o cara da propaganda dele espetacular. Não o Goebbels, mas o outro, o… Deixa ver… o Albert Speer. O que fez as bandeiras. Um cara de marketing espetacular. Não era político, era profissional.
Mais o que você lê?
Livros técnicos, técnica de vendas, psicologia.
Quem você gostaria de ser, se não fosse o Silvio Santos?
O Disney. Ou o Jânio Quadros. Gosto dele porque é durão e autoritário. Votei nele para prefeito. Votei no Covas também. E no Quércia.
Você é autoritário?
Sou
Bate nas filhas? (Tem seis)
Bater não bato, mas se precisar eu bato.
Suas filhas gostam de você?
Gostam, mas gostam mais da mãe, que faz tudo o que elas querem.
Você tem medo de morrer?
Muito. Tanto que já perguntei a meu médico se devo ir a um psiquiatra. Ele respondeu que pode piorar. Agora, como vocês sabem, estou rouco, com um calo na garganta. Estou proibido de falar muito, e fazendo exercícios vocais, tomando remédio. Não vou fazer biópsia, e se der câncer? Tenho pavor de câncer. Então prefiro não saber. É a idade. Garganta, coração, próstata, pressão. Daqui para a frente só vai piorar. Até domingo passado, na parada do Dia da Criança, eu fiquei pensando em morte, morte, morte.
Como é seu relacionamento com a alta sociedade?
Não tem. Não conheço ninguém.
Onde você vai à noite?
Fui só numa festa de aniversário na casa da Hebe Camargo, nunca mais fui a lugar nenhum. Saio do trabalho e venho para casa. Saio com a Íris para jantar, só nós dois. Vou dirigindo o carro, ou ela.
Você tem ciúmes da Íris?
Lógico!
E na televisão, aquelas artistas, mulheres bonitas?
Aquilo é palhaçada.
Você teve muitas mulheres nessa sua vida de aventuras?
Ah, tive sim… Todas que quis. Eu era imaturo.
Você é multo moralista em casa?
A Íris, minha mulher, me chama de moralista. Ela é menos do que eu. Gostaria que minhas filhas se casassem virgens, e a Íris acha que não. Sou machista.
O que acha do homossexualismo?
No meu tempo de Rio, ser bicha era um crime. É sem-vergonhice. Sou preconceituoso. Homem que é homem não chora.
E as drogas?
Nunca me meti nisso não, não sei. Nunca conheçi quem usa. Minha ex-mulher tomava pílulas, drogas nunca vi.
O que você faria se descobrisse que uma filha sua droga?
Já conversamos sobre isto, a Íris e eu. Achei que devia trancar num quarto, por um vigia, não deixar ninguém entrar. Agora mudei de ideia; tem de deixar fazer que bem entender.
O que você acha do povo?
Eu entrei uma vez num circo de bairro e o domador, meio bêbado, me dise: “O povo é uma fera, mas vocé domina o povo. O povo sente o que você é, sente a tua firmeza, o teu pulso. Você tem essa facilidade de domar o povo, de domar a fera. Sou domador e sinto isso em você”. Eu nunca mais esqueci isso. Fazem 30 anos. É o que eu faço na televisão.
Você não acha que seria um bom político, então?’
Não. Não aprendi a ser político. Teria de aprender, É uma profissão como outra qualquer. Mas não aprendi.
Você acha que os políticos estão administrando direito este país?
Não sei. O nosso povo é muito, muito… não vou dizer amável. O povo é manso. Comem feijão com farinha com a mão, assim tranquilo, bom demais. Tem seu sobradinho e não ambiciona nada mais. Perde o barraco e aceita. O povo não é lutador, como o povo dos Estados Unidos. Não estou falando da classe média. O meu diretor, o meu gerente luta por 10% de salário. O povo não. O povo, infelizmente, é assim, Fica satisfeito com um bife.
Você acha que devia ser diferente?
Devia lutar.
Devia exigir?
Devia pelo menos querer um pouco mais. Porquê se, ninguém quer dar, tem que tomar. Então, quer dizer… Não, não falo. Não sou político.
E o jornalismo, não tem a função de informar e orientar o povo?
Jamais, na minha televisão, enquanto eu mandar; enquanto eu for dono, vai ter crítica. Só elogio. Só notícia, o fato. Não gosto que critiquem o presidentes o pedreiro, o farmacêutico, o faxineiro, Por que procurar só defeitos?
Você não consegue entender o jornalismo crítico responsável, capaz de mostrar erros, falhas?
Tenho jornalismo na minha televisão. Não sou puxa-saco do governo, não quero ficar bem como todo mundo. Meus repórteres não são policiais e não devem investigar. Mas se há um fato, uma fraude, algo que comprometa o governo, por exemplo, eu não censuro. Fatos eu divulgo, desde que verdadeiros. Como nos Estados Unidos. Se Fulano foi preso como ladrão e vai pegar 10 anos de cadeia, azar dele. Quem mandou roubar? (Entrevista ao Estadão, em 1987)