No Pará, em 2012, cerca de 15 por cento moravam com idosos; hoje, esse percentual já alcança quase 19 por cento
Apesar de a classe C representar o maior porcentual de pessoas morando com idosos, foi a classe AB que teve maior aumento, mostra levantamento feito pela FGV Social
Depois de se separar, a publicitária Thalyta Gomes, de 33 anos, decidiu voltar para a casa em que cresceu e morar com a avó, que tem 84 anos e está com começo de Alzheimer. “Ela não pode mais ficar sozinha”, diz. Na casa, que fica no Jardim São Luís, zona sul de São Paulo, também vivem a filha de Talhyta, de 12 anos, e um tio. A família chegou a cotar o serviço de uma cuidadora, mas desistiu por causa do valor elevado.
Thalyta espera morar com a avó até que seu apartamento – que deve sair pela CDHU – fique pronto no ano que vem. “Eu pude voltar para a casa em que sempre morei”, afirma ela. “Não compensa pagar aluguel. Eu consegui guardar algum dinheiro e já comprei fogão, geladeira e eletrodomésticos menores.”
Hoje, as despesas da casa são divididas entre Thalyta, o tio e a avó, que tem uma aposentadoria e o dinheiro de duas casas alugadas no mesmo terreno em que moram. “A gente vai comprando o que precisa e divide as contas”, afirma a publicitária.
O caso de Thalyta não é isolado no Brasil. Nos últimos dez anos, o percentual de pessoas que moram com idosos acima de 65 anos tem sido crescente. Levantamento feito pela FGV Social, com dados da Pnad Contínua Anual, mostra que, entre 2012 e 2022, essa participação aumentou em todos os Estados da Federação. “Hoje vemos famílias de várias gerações coabitando a mesma residência”, diz o diretor da FGV Social, Marcelo Neri.
Segundo ele, apesar de a classe C representar o maior percentual de pessoas morando com idosos (25,04%), foi a classe AB que teve maior aumento na participação. Subiu de 20,32%, em 2012, para 24,97%, no ano passado. O movimento é explicado por uma série de fatores, como o elevado desemprego dos jovens nos últimos anos, o envelhecimento da população e também o aumento do custo de vida.
Na casa dos pais
“Quando um país cresce, os filhos tendem a ser mais ‘ricos’ que os pais. Mas o Brasil não cresce (de forma consistente) há algum tempo”, diz Neri. De 2012 até 2022, a economia brasileira viveu períodos de baixo crescimento e até recuo do Produto Interno Bruto (PIB), como ocorreu em 2015 e 2016 (além de 2020 por causa da pandemia).
Ao mesmo tempo, o custo de comprar uma casa própria, por exemplo, ficou mais alto no período. Segundo dados da FipeZap+, o preço médio do metro quadrado no Brasil subiu 33% de 2012 para cá. Em São Paulo, esse aumento foi mais expressivo, de 66%; e no Rio de Janeiro, 33%. Nesse cenário, é mais confortável continuar com os pais ou com idosos que têm renda garantida da aposentadoria – hoje 15,1% dos idosos acima de 65 anos pertencem à classe AB e 12,5% à classe C.
Ou seja, o crescimento da fatia da população que vive no mesmo domicílio com pessoas de mais de 65 anos pode estar relacionado ao fato de os mais velhos terem mais renda e responderem pelo sustento do domicílio, diz a professora do Insper Laura Muller Machado.
Ela aponta ainda outra possível explicação para o fenômeno: as transformações culturais do Brasil. Hoje os brasileiros estão casando mais tarde e estudando por mais anos e, dessa forma, permanecendo mais tempo na casa dos pais. “É um movimento novo. É algo a ser entendido e descoberto”, diz Laura.
Desigualdade intergeracional
O que se sabe é que o Brasil é um país que aloca um volume maior de recursos para a população mais velha do que para os mais jovens. O País gasta mais do que o Japão, país mais longevo do mundo. Segundo dados da FGV Social, enquanto a nação asiática gasta 10% do PIB com previdência, no Brasil, esse número já está em 13%.
O problema é que, por aqui, o envelhecimento está no começo da curva. Apenas 10,5% da população têm 65 anos ou mais (eram 7,7% em 2012). Portanto, a tendência é que os gastos aumentem ainda mais nos próximos anos diante da expectativa de envelhecimento da população brasileira.
“A gente sabe que há uma desigualdade intergeracional na transferência de recursos públicos no Brasil”, afirma Laura. “Espero que seja uma decisão consciente e que esteja fazendo sentido de alguma forma.”
Por outro lado, o custo de vida dos idosos também é alto, seja com medicação e planos de saúde ou com a contratação de profissionais. Segundo dados da plataforma de empregos Glassdoor, a média salarial de um cuidador de idosos no Brasil é de R$ 2.995 por mês. “Em dez anos, a importância desse profissional será ainda maior (e o custo também)”, diz Neri.
Contas divididas
O fisioterapeuta Leonardo Cardoso, de 38 anos, optou por trazer os pais para morar com ele, a esposa e os dois filhos. Juntos, eles dividem os custos de locação do apartamento de 150 metros quadrados e de itens básicos do dia a dia. “Eu fico com a parte maior, mas nos ajudamos”, conta Leonardo.
A decisão de trazer os pais – ele com 79 e ela com 69 – para morar no mesmo apartamento foi construída aos poucos. Os pais de Leonardo sempre moraram sozinhos, mas em 2018 um problema financeiro fez com que tivessem de sair do apartamento alugado para morar, pela primeira vez, com o filho. “Eu já era casado, e eles vieram morar comigo”, conta o fisioterapeuta.
Nesse período, Leonardo se tornou pai da primeira filha – hoje com quatro anos –, e os pais, já com o orçamento doméstico organizado, encontraram um novo apartamento – menor do que o que eles moravam antes. “Minha esposa sempre se deu muito bem com a minha mãe, que ajudou com a nossa primeira filha.”
Em 2021, veio o segundo filho – hoje com um ano de idade. Conversando com a esposa, Leonardo decidiu vender o apartamento que tinha para se mudar para um maior e viver novamente com os pais, que são fundamentais para ajudar no dia a dia das duas crianças.
“Meus pais já estão bem estabilizados (financeiramente), melhoraram, mas a gente decidiu morar juntos. É uma relação boa de convivência e evita que eles fiquem isolados”, afirma Leonardo.
Duas pontas
Nos próximos anos, o Brasil vai viver a intensificação de dois fenômenos. De um lado, haverá o envelhecimento mais acelerado da população e, de outro, uma redução do número de jovens no País. Isso é decorrente da queda da taxa de fecundidade nos últimos anos.
Na década de 70, eram cerca de 5,8 filhos por mulher. Hoje, esse número é de 1,62 filho. Se não houver uma estabilização, o País seguirá uma tendência de queda do ritmo de crescimento da população.
Segundo dados do Censo 2022, estimativas mais conservadoras apontam que esse decréscimo pode ocorrer em 2040, mas é possível que ocorra já em 2035, se não houver nenhuma mudança no panorama.
“Isso altera a situação dos jovens, que sofreram muito nos últimos anos, com alto desemprego”, diz Neri. Segundo ele, o número de jovens deve cair de 50 milhões para 25 milhões nas próximas décadas.
“O cenário cria uma situação em que o jovem vai ser disputado no mercado de trabalho, mas também vai ter de conviver com o peso do desequilíbrio da Previdência.” (As informações são do jornal O Estado de São Paulo)