Após o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) encerrar a coleta de dados do Censo Demográfico 2022 com apenas 91% da população estimada para o País recenseada, o órgão terá mais trabalho na avaliação da qualidade da cobertura alcançada e no tratamento das informações obtidas para fazer a imputação correta dos dados para os 9% que não foram cobertos pelo levantamento censitário, avaliam especialistas ouvidos pelo Broadcast (sistema de notícias em tempo real do Grupo Estado).
“A Assibge considera bastante triste que o Censo se encerre com uma cobertura de cerca de 90% da população. Esse percentual é baixo, tanto em relação ao verificado em outros países como em relação a operações censitárias passadas no Brasil”, lamentou, em nota ao Broadcast, a executiva nacional do sindicato de servidores do IBGE, a Assibge.
“Por outro lado, a operação de coleta não pode seguir indefinidamente, devido à ausência de orçamento e planejamento para uma coleta robusta nos próximos meses, bem como a dificuldade crescente em obter as informações corretas relativas à situação dos domicílios e moradores na data de referência do Censo (31 de julho de 2022, sete meses atrás)”, acrescentou a entidade que representa os servidores do órgão estatístico.
O Ministério do Planejamento e Orçamento comunicou nesta quarta-feira, 1, que o IBGE havia encerrado a coleta após sete meses em campo, mais que o dobro do tempo previsto, dando início à etapa de apuração dos dados. Os primeiros resultados serão divulgados no fim do mês de abril.
O IBGE esclareceu em seguida que conseguiu recensear 189.261.144 pessoas, o equivalente a 91% dos 207,8 milhões de habitantes no País em 2022, conforme a prévia estimada e informada pelo IBGE ao Tribunal de Contas da União (TCU).
“O Censo está cheio de problema, não dá para esconder que foi grave”, lembrou o demógrafo José Eustáquio Diniz Alves, professor aposentado da Escola Nacional de Ciências Estatísticas (Ence). “Não ter 100% de cobertura não é novidade. Isso não teria grandes problemas se não tivesse viés de cobertura”, ponderou.
Para o demógrafo, uma proporção de 9% de habitantes não recenseados é bastante elevada, a mais alta que ele tem notícia. No entanto, ele frisa que o mais importante nesse momento pós-coleta é verificar se a ausência de cobertura foi bem distribuída entre a população ou se ficou concentrada em determinados grupos econômicos, etários ou sociais.
“Nenhum estatístico, nenhum demógrafo pode dizer que está tudo bem. É problemático. Mas eu também não acho que é motivo para jogar o Censo fora. Cobrir 91% é melhor do que nada. O que temos hoje é nada, o Censo de 2010 está totalmente defasado”, declarou Diniz Alves.
A cobertura do recenseamento da população foi maior em estados como Santa Catarina, Piauí e Paraíba, onde mais de 96% dos moradores foram recenseados. O IBGE não informou, porém, quais estados tiveram menor cobertura na coleta. Na manhã desta quarta-feira, 1, era possível verificar no portal do IBGE que ainda havia estado com 20% dos setores censitários não finalizados, mas a página de acompanhamento da coleta foi retirada do ar em seguida.
“Qualquer Censo em qualquer lugar do mundo vai ter erro, no sentido de que não vai pegar os 100% de toda a população”, frisou Roberto Luiz do Carmo, professor do Departamento de Demografia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e ex-presidente da Associação Brasileira de Estudos Populacionais (Abep).
Ele lembra que há erros associados à questão da cobertura e erros de qualidade da informação captada, ambos passíveis de serem tratados estatisticamente.
“Esses dois tipos de erros podem acontecer dentro desses resultados do Censo. Mas o mais importante de tudo é que foi finalizada a coleta”, opinou Carmo. “Vai dar trabalho, vai ser preciso utilizar muitas ferramentas estatísticas, mas vai se chegar a um resultado que tendo a entender que vai ser satisfatório. E mais importante que isso é usar o aprendizado agora desse Censo para que a gente possa melhorar as nossas estatísticas oficiais daqui para frente”, defendeu.
Segundo o Ministério do Planejamento, na etapa de apuração, os supervisores técnicos do IBGE podem determinar retornos pontuais ao campo para conferência de dados e de domicílios encontrados vazios. O instituto criou um comitê de fechamento do Censo, que inclui oito demógrafos contratados exclusivamente para atuarem na etapa de apuração em conjunto com os demógrafos do próprio órgão. O Censo terá apenas mais uma “operação final e pontual” de coleta, que ocorrerá na Terra Indígena Yanomami, a partir do próximo dia 6. A região ainda tem cerca de 50% dos moradores não recenseados, localizados em áreas de difícil acesso.
A coleta do Censo, iniciada em 1º de agosto de 2022, se estenderia inicialmente até o fim de outubro do ano passado. Após uma série de dificuldades para contratação, pagamento de remuneração e manutenção de recenseadores atuando no trabalho de campo, o prazo foi prorrogado sucessivamente. A coleta tem como data de referência as condições em que vivia a população brasileira no dia 31 de julho de 2022.
A ASSIBGE manifestou que o atraso na coleta e a subcobertura são resultados do corte orçamentário do Censo feito pelo governo do ex-presidente Jair Bolsonaro e da redução no quadro de funcionários efetivos do IBGE.
“Na nossa visão, essa é a principal lição que deve ser aprendida para futuras operações censitárias e estatísticas”, alertou a Assibge, na nota. “Desde dezembro, equipes locais de coleta já vêm sendo desmobilizadas, veículos alugados utilizados na coleta devolvidos e equipamentos como celulares, tablets e chips de telefonia utilizados por recenseadores e supervisores vêm sendo desativados e recolhidos. Por conta disso, a coleta nos mês de janeiro e fevereiro foi bastante reduzida”, apontou o sindicato. (AE)