Santana: decisão impecável contra “ato ilegal” |
administrativo ilegal. Ademais, subsiste o risco
do dano irreparável, eis que muitos contribuintes (ou até mesmo todos)
poderão pagar valores acima do que deveriam”. Esse é um dos trechos da fundamentada decisão do juiz da 5ª Vara da Fazenda Pública de Belém, Raimundo Santana, que derrubou a pretensão do prefeito Zenaldo Coutinho em aumentar o Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU) em valores muito acima da inflação do período.
administrativo ilegal, conforme já consignado. Ademais, subsiste o risco
do dano irreparável, eis que muitos contribuintes (ou até mesmo todos)
poderão pagar valores acima do que deveriam.
IPTU, segundo o juiz, será apenas no próximo dia 10 deste mês. Portanto, diz ele, “há tempo suficiente para que a
Municipalidade emita novos carnês para o pagamento, em bases
revigoradas. Em concreto, os mecanismos de comunicação midiática dos
órgãos públicos devem se voltar para o exercício da cidadania, de modo
que, em situações como essa, os contribuintes poderão emitir os seus
carnês do IPTU no sítio oficial da Prefeitura de Belém”.
E mais: “por
fim, convém dizer que não se trata de adentrar na esfera de atuação do
Poder Executivo, promovendo interferência indevida. Antes, cuida-se de
garantir a aplicação de um dos fundamentos da Constituição da República,
relativo à defesa do patrimônio individual e à natureza distributiva
dos tributos”. Ao deferir a liminar, determinando a suspensão da portaria que aumentou o IPTU, Raimundo Santana esclareceu que sua decisão diz respeito à cobrança do IPTU em “percentual que seja superior àquele estabelecido no Índice de Preços ao Consumidor (IPCA)”, medido pelo IBGE, mas admite que ” é licita a
aplicação do reajuste simples, para fins de recomposição do valor
monetário do tributo”.
“Determino a intimação do Município de Belém
e, sem prejuízo, também do Secretário Municipal de Finanças, a fim de
que sejam adotadas as providências necessárias ao cumprimento desta
determinação, no prazo de 48 (quarenta e oito) horas ininterruptas, a
contar da intimação, bem como, para que a demandada apresente a defesa
no prazo legal”, escreveu o juiz na sentença.
Veja a íntegra da decisão:
Trata-se de ação popular, com expresso pedido de tutela de urgência, movida por cidadãos, cuja condição jurídica está devidamente demonstrada nos autos, os quais almejam tutela de natureza inibitória, veiculando pretensão em face do Município de Belém. Alegaram os autores, em suma, que em 31.10.2017, o Secretário Municipal de Finanças de Belém, editou a Portaria no 412/2017-GABS/SEFIN, ato mediante o qual foi reajustado o valor unitário do metro
quadrado tributável dos imóveis do Município de Belém, elemento integrante da equação que define a base de cálculo do IPTU – Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU).
Segundo os autores, o ato impugnado, qual seja, a Portaria no 412/2017, vai além muito da simples majoração do imposto, pois: a) a invadiu matéria reservada à lei em sentido formal, em violação ao art. 150, I da Constituição Brasileira; b) A majoração é dotada de potencial lesivo ao interesse da coletividade e contraria a moralidade administrativa, o que autoriza a propositura da ação popular e o acolhimento dos pedidos nela constantes.
Narraram os demandantes que o valor unitário do metro quadrado tributável dos imóveis é tratado no Decreto Municipal n. 36.098/1999, que prescreve que a possibilidade de “… A Secretaria Municipal de Finanças, através do Departamento de Tributos Imobiliários procederá anualmente à atualização dos tipos e padrões correspondentes aos coeficientes mVu, objetivando sua adequação à realidade econômica do mercado imobiliário” (sic).
Os demandantes, após referirem jurisprudência dos Tribunais Superiores e com suporte no art. 311 do CPC, postularam o deferimento da tutela de urgência, a fim de que sejam suspensos os efeitos do ato administrativo impugnado (a Portaria no 412/2017) e, em consequência, a cobrança do IPTU 2018, vez que o valor desse imposto foi fixado, para o ano corrente, em percentual superior ao do IPCA-E/IBGE.
Inicialmente, o feito foi distribuído ao Juízo da 2a Vara da Fazenda Pública, o qual declinou da competência para apreciá-lo, nos termos da decisão de fls. 175-176. Recebido o feito, foi determinada a intimação do réu para se manifestar sobre a tutela de urgência, antes da deliberação inicial (fl. 177). Instado ao debate, o demandado apresentou a manifestação que consta às fls. 182-223.
Relativamente à questão meritória, propriamente dita, o demandado defendeu a legalidade da atualização dos valores referenciais do imóvel tributados pelo IPTU. Asseverou que a identificação do valor venal dos imóveis foi determinada de acordo com o art. 14 do Código Tributário do Município, em adequação com o Decreto Municipal no 36.098/1999.
I – Vv – representa o valor venal do imóvel;
II – Ac – Traduz a área edificada; III–Vu – representa o valor unitário do metro quadrado tributável de cada tipo característico de construção, tendo por base as condições econômicas do mercado imobiliário e considerando o estado de conservação da edificação avaliada de acordo com a Tabela I, mencionada no art. 6o, parágrafo único da Lei n. 7.934/98. IV – Vt – valor tributável do terreno determinado através da expressão do artigo 6o.
O demandado argumentou que o “… que foi objeto da atualização da Portaria questionada não foi, contudo, quaisquer dos critérios que compõe a base de cálculo do valor venal do imóvel previstos nos artigos 14 e 15 lei 7056/77, na medida em que todos os elementos ali estabelecidos continuam sendo considerados e observadas as alíquotas previstas na normatização.
Dessa maneira, para o demandado, o secretário municipal de finanças apenas corrigiu “… os valores do metro quadrado para adequá-los aos praticados no mercado imobiliário, conforme determina que seja feito, expressamente, a alínea c) do inciso III do artigo 14 e o inciso III do artigo 15, ambos da lei 705677 …” (sic, fl. 197).
Consta da defesa que, para a atualização do IPTU, a Prefeitura de Belém possui planta de valores fixados em lei, critérios de apuração genérica do referido tributo, de igual forma, previstos genericamente na lei municipal. Ademais, afirmou que não está se discutindo a atualização do valor venal, mas dos valores do metro quadrado de acordo com a atualização do mercado imobiliário e não simples aplicação da atualização monetária.
Com apoio nesse raciocínio, o demandado sentenciou que “… a modificação de um dos itens integrantes da planta genérica de valores não representa majoração do tributo, razão pela qual a atividade do fisco municipal não reflete o que foi asseverado na inicial …” (sic, fl. 202).
É o relato necessário.
Portanto, ao menos em tese, por essa via judicial, serão passíveis de revisão não apenas os atos dos quais dimanem algum prejuízo de feitio estritamente econômico-financeiro ao erário, mas, também, os atos que proporcionem lesões a interesses cujo viés seja dotado de maior abstração, como é o caso da moralidade administrativa. Em resumo, pretende-se com esse tipo de ação, defender os mais precípuos interesses da Administração Pública, ainda que tais interesses não sejam material e imediatamente palpáveis.
No caso presente, os autores tentam obstruir os efeitos de um ato administrativo (a Portaria no412/2017, editada pelo Secretário Municipal de Finanças de Belém, em 31.10.2017), mediante o qual a Municipalidade procedeu a atualização dos valores referenciais dos tipos e padrões correspondentes aos coeficientes dos valores básicos (Vu), das edificações existentes no Município de Belém.
Eis, na íntegra, o teor do ato cujos efeitos se pretende obstruir:
PORTARIA no412/2017-GABS/SEFIN, DE 31 DE OUTUBRO DE 2017.
O SECRETÁRIO MUNICIPAL DE FINANÇAS, no uso das atribuições legais; e
Considerando a expressa previsão contida no §2o, do art. 16, do Decreto Municipal no 36.098, de 30 de dezembro de 1999, que trata da atualização dos valores referenciais das tipologias de padrão construtivo e estado de conservação das edificações presentes no Município de Belém; Considerando que desde a promulgação do referido Decreto, a tabela em que constam os valores foi atualizada somente monetariamente pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo Especial – IPCA-E, medido pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, em conformidade com as disposições legais da Lei Municipal no 8.033, de 29 de dezembro de 2000.
R E S O L V E :
Art.1o Proceder a atualização dos valores referenciais dos tipos e padrões correspondentes aos coeficientes dos valores básicos (Vu), das edificações existentes no Município de Belém, objetivando sua adequação à realidade econômica do mercado imobiliário, conforme tabela anexa.
Art.2o Esta Portaria entra em vigor na data de sua publicação com efeitos a partir do lançamento do IPTU
do exercício de 2018.
Art.3o Revogam-se as disposições em contrário.
DÊ-SE CIÊNCIA, REGISTRE-SE, PUBLIQUE-SE E CUMPRA-SE.
SECRETARIA MUNICIPAL DE FINANÇAS, 31 DE OUTUBRO DE 2017.
JOSÉ BATISTA CAPELONI JÚNIOR
Para o demandado, ao editar esse ato, a Administração Pública não deu ensejo a qualquer atentado contra o patrimônio público ou contra a moralidade administrativa. Ao contrário, da atualização dos valores referenciais dos tipos e padrões das edificações, existentes no Município de Belém, resultará o aumento da arrecadação tributária e, por isso, um ganho patrimonial.
Todavia, a Administração Pública está adstrita e deve obediência aos Princípios Legalidade e da Moralidade, inseridos com destaque no art. 37 da Carta Política Federal. Portanto, se os demandantes suscitaram a impertinência jurídica do método utilizado pela Municipalidade para promover a atualização dos valores que, efetivamente, causaram impacto no cálculo do IPTU, imputando agressão à matéria que, segundo creem, é reservada à lei em sentido formal (violação do art. 150, I da Constituição Brasileira), ao menos em princípio, sobejam razões para receber e processar a presente ação popular.
Merecem destaque, pois, ao menos duas dessas circunstâncias. A primeira. Conforme antedito, a Administração Pública está absolutamente vinculada à ideia de legalidade. Trata-se não apenas de um princípio e de um valor jurídico caro e indeclinável à ordem constitucional. Infere-se disso que todos (absolutamente todos) os atos que a Administração Pública praticar têm de estar sedimentados nessa premissa.
qual que se encontra o Brasil, porquanto seja uma conjuntura de retração.
Rejeitam-se, pois, os argumentos relativos à impropriedade da ação popular, tais como manejados pelo demandado. Ao menos em princípio, há o risco de lesividade ao patrimônio público (ante a perspectiva de incremento da inadimplência) e, também, à moralidade administrativa (diante de indicativos do uso de metodologia inadequada para a atualização de um dos critérios que compõem a base de cálculo do imposto).
No que concerne à questão de fundo, os autores imputaram ao réu as infringências do inciso I do art. 150 da Constituição Federal e do art. 97 e seus incisos do Código Tributário Nacional. Literalmente, a norma constitucional invocada estabelece que, sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça. A norma infraconstitucional salientada, disciplina que somente a lei pode estabelecer:
I – a instituição de tributos, ou a sua extinção;
II – a majoração de tributos, ou sua redução, ressalvado o disposto nos artigos 21, 26, 39, 57 e 65; III – a definição do fato gerador da obrigação tributária principal, ressalvado o disposto no inciso I do § 3o do artigo 52, e do seu sujeito passivo; IV – a fixação de alíquota do tributo e da sua base de cálculo, ressalvado o disposto nos artigos 21, 26, 39, 57 e 65; V – a cominação de penalidades para as ações ou omissões contrárias a seus dispositivos, ou para outras infrações nela definidas;
VI – as hipóteses de exclusão, suspensão e extinção de créditos tributários, ou de dispensa ou redução de penalidades. § 1o Equipara-se à majoração do tributo a modificação da sua base de cálculo, que importe em torná-lo mais oneroso. Infere-se desse conjunto normativo que o Estado, em sua feição administrativa, deve obediência a alguns comandos jurídicos, os quais conformam as bases do direito de se exigir tributos dos cidadãos.
O objeto da atualização da Portaria questionada não foi quaisquer dos critérios que compõe a base de cálculo do valor venal do imóvel previstos nos artigos 14 e 15 lei 7056/77. Todos os elementos ali estabelecidos continuam sendo considerados e observadas as alíquotas previstas na normatização.
Não há dúvida, portanto, que o valor venal do imóvel compõe a base de cálculo do IPTU. Isso é tão expressivo que a apuração do valor exigível do contribuinte depende, necessariamente, da apuração do valor venal. Este valor, por sua vez, será aferido a partir da equação que está contida no Parágrafo Único do art. 14 do Regulamento do IPTU: Vv = (Ac. Vu) + Vt.
O que a Municipalidade fez, em concreto, foi a atualização do Vu, ou seja, do valor unitário do metro quadrado por cada tipo de construção, sob a alegação de que precisava para adequá-lo “aos
praticados no mercado imobiliário”.
imobiliário.
É evidente que, tratando-se de uma operação matemática, a modificação de qualquer um dos integrantes de dada equação, implicará na modificação do resultado final. Em resumo: a atualização do valor unitário do metro quadrado da área tributável, quando realizada de modo amplo e genérico, modifica profundamente o resultado final da equação que conforma a apuração do valor venal.
Nessa linha de pensamento, constitui-se uma derivação lógica concluir que a modificação substancial do valor unitário, implica em aumento do valor tributável. Como essa operação foi realizada de modo genérico e irrestrito – vez que afetou aos contribuintes de modo universal – configurou-se um verdadeiro aumento da base de cálculo do imposto. Em suma: a Municipalidade promoveu um sutil (talvez nem tanto) aumento do valor do IPTU, valendo-se de uma tecnicalidade jurídica.
Reputa-se de extrema relevância referir que deve ser interpretado restritivamente o poder normativo que foi conferido à Secretaria Municipal de Finanças para promover a atualização anual dos tipos e padrões aos coeficientes Vu, objetivando sua adequação à realidade econômica do mercado
imobiliário.
Consignada a observação antecedente, seria razoável aderir à ideia da atualização do valor unitário dos tipos e padrões aos coeficientes se esta fosse efetuada somente com base na correção
monetária.
Para fins de análise da tutela de urgência, infere-se que a conduta administrativa da Administração Pública desbordou do dever de observar a legalidade estrita, medida que antecede a modificação de um dos fatores que resultam no aumento de impostos. Afinal, não foram mencionadas as bases objetivas que sedimentaram a ordem de reajuste do valor unitário; tampouco houve justificativa para a adoção de um reajuste universal, que afetou direta e indistintamente aos contribuintes.
Com efeito, o art. 300 do CPC dispõe que a tutela de urgência poderá ser deferida quando estiverem presentes a probabilidade do direito e, também, o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo. Além disso, o art. 311 do mesmo código, refere que a tutela de evidência poderá ser deferida quando as alegações puderem ser comprovadas apenas documentalmente.
No caso presente, a verossimilhança das alegações está patenteada com suporte nas próprias razões jurídicas apresentadas e nos documentos aditados com a petição de ingresso. Há, de fato, fortíssimos indicativos de um procedimento administrativo ilegal, conforme já consignado. Ademais, subsiste o risco do dano irreparável, eis que muitos contribuintes (ou até mesmo todos) poderão pagar valores acima do que deveriam.
Desse ponto de partida, deve ser prestigiado o direito subjetivo que é conferido a qualquer cidadão, no sentido de proteger o seu interesse particular sempre que houver uma ameaça concreta de usurpação ilegal do seu patrimônio, por parte do Estado, mínima que seja. Assim, em situações excepcionais como esta, o Poder Judiciário tem obrigação de proporcionar o pleno exercício desse direito de defesa. No que pertine à irreversibilidade do provimento antecipado, verifico que este requisito deve ser relativizado.
Por fim, convém dizer que não se trata de adentrar na esfera de atuação do Poder Executivo, promovendo interferência indevida. Antes, cuida-se de garantir a aplicação de um dos fundamentos da Constituição da República, relativo à defesa do patrimônio individual e à natureza distributiva dos tributos.
Consoante as razões precedentes, defiro a tutela de urgência reclamada (artigos 300 e 311 do CPC) para sustar os efeitos da Portaria no 412/2017-GABS/SEFIN, publicada no Diário Oficial do Município de Belém de 18 de dezembro de 2017. Como consectário, ficará suspensa a cobrança do IPTU/2018 em percentual que seja superior àquele estabelecido no IPCA-E/IBGE. É que, conforme declinado, é licita a aplicação do reajuste simples, para fins de recomposição do valor monetário do tributo.
Determino a intimação do Município de Belém e, sem prejuízo, também do Secretário Municipal de Finanças, a fim de que sejam adotadas as providências necessárias ao cumprimento desta determinação, no prazo de 48 (quarenta e oito) horas ininterruptas, a contar da intimação, bem como, para que a demandada apresente a defesa no prazo legal.
Cumprir em regime de urgência.
Juntada a peça de defesa, dê-se vista ao Ministério Público e, em seguida, aos
demandantes para que se manifestem no prazo de 15 dias cada.
Belém, 06 de fevereiro de 2018.
RAIMUNDO RODRIGUES SANTANA
Juiz de Direito da 5a Vara da Fazenda Pública da Capital
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