Um dos municípios mais ricos do Pará e do Brasil, com uma arrecadação anual de cerca de R$ 2 bilhões, provenientes dos royalties do maior projeto de mineração do mundo, o S11D da Vale, o município de Canaã dos Carajás não tem um leito sequer de terapia intensiva para atender os pacientes do Sistema Único de Saúde. O município tem uma população em torno de 40 mil moradores
Nenhum gestor anterior, muito menos a atual prefeita, Josemira Gadelha (MDB), aliada do governador Helder Barbalho, se preocupou em investir adequadamente na área de saúde e o descaso já se tornou uma vergonha nacional, com a população local sem ter a quem recorrer.
Por conta da incompetência administrativa, no mínimo, o promotor de Justiça, Emerson Costa de Oliveira, instaurou um procedimento administrativo para obrigar o município a implantar os leitos de terapia intensiva, essenciais para salvar vidas de pessoas em estado grave.
De acordo com o fiscal da lei, o tema é uma pauta recorrente no Ministério Público, que chega a ajuizar, em média, dez ações por mês, solicitando a transferência de pacientes para locais que disponham de leitos de UTI. A saúde, reitera Emerson de Oliveira, é um direito fundamental, conforme assegurado na Constituição Federal, sendo dever do Estado a garantia deste direito, através de políticas sociais e econômicas, o que não é posto em prática quando, mesmo sob demanda, a gestão não oferta leitos aos cidadãos para tratamento.
Diante disso, buscando atender às necessidades da população e ciente do fato de que o município arrecada cerca de 2 bilhões de reais por ano em royalties decorrentes da mineração, o Ministério Público acredita, claro, que seja possível à administração municipal investir na área da saúde para disponibilização dos leitos.
A abertura do processo administrativo 003/2022 foi comunicada ao Centro de Apoio Operacional dos Direitos Sociais, assim como o acompanhamento das medidas necessárias pelo Ministério Público.
Descaso vem de anos
Um estudo realizado em 2019 pelo Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), em parceria com a Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará (Unifesspa), mostrou que em Canaã dos Carajás, os recursos dos royalties da mineração são consumidos em sua maior parte pela administração do município.
A Compensação Financeira pela Exploração do Recurso Mineral (CFEM) responde por 66,30% da receita da cidade, um dos índices mais altos do Brasil. Dos R$ 413,5 milhões arrecadados em 2019 pela prefeitura via CFEM, cerca de 60% foram aplicados na máquina pública e em urbanismo, o que inclui o pagamento de auxílios financeiros, asfaltamento, limpeza urbana e manutenção de prédios, por exemplo.
Para Alessandra Cardoso, assessora política do Inesc, o trabalho que vem sendo feito de monitoramento da CFEM em Canaã tem mostrado que a transparência e o compromisso do uso do recurso com a garantia de direitos são ainda uma miragem. “Ao cidadão comum não é permitido saber para onde está indo este recurso que é a maior parte da arrecadação”, apontou.
Outro problema encontrado foi o caráter genérico das despesas principais. A natureza das despesas da função administração eram as mais diversas possíveis, indo desde a manutenção das secretarias e algumas fundações e promoções de convênios, como também a manutenção das moradias oficiais de prefeito e vice-prefeito. Ou seja, antes como agora, havia pouco ou nenhum ganho social na forma com que a prefeitura aplicava os recursos recebidos.