A empresa mineradora Vale deu o cano nos paraenses quando prometeu verticalizar a indústria mineral do Pará e o governo do Estado enganou os donos de propriedades que foram desapropriadas para a instalação da uma fábrica de laminados em Marabá, sem pagar um centavo para eles.
O projeto S11D, em Canaã dos Carajás, foi apresentado como a redenção do desenvolvimento regional. Como contrapartida para o empreendimento, a Vale anunciou a Alpa Aços Laminados do Pará, com a promessa de que iria alavancar a indústria local.
Mas foi tudo uma encenação, porque a Vale só queria o S11D, o maior projeto de mineração do mundo e teve de negociar com o Ministério das Minas e Energia algumas compensações, como agregação de valores, que era o sonho dos paraenses, para poder conseguir a licença ambiental do Ibama em 2009.
Com a licença ambiental em mãos, a Vale esqueceu a promessa e mais uma vez ludibriou os paraenses. O S11D entrou em operação, a Alpa nunca produziu um metro de laminado, os donos dos imóveis desapropriados não receberam um centavo e o povo do Pará ficou a ver trens transportando a sua riqueza sem direito a reclamação.
A mineração é um grande negócio para as grandes empresas, como a Vale, também para a União e os municípios onde estão as jazidas, mas é um péssimo negócio para o Estado, que não recebe nada com a desoneração das exportações, e ainda tem que entrar com a infraestrutura para as operações industriais.
Sem um planejamento para o desenvolvimento sustentável, como tem sido feito desde o início da exploração mineral no Pará, não haverá futuro para as regiões produtoras. O minério vai acabar um dia, as empresas irão embora com bilhões de reais de lucros e vão sobrar imensos buracos cercados de bolsões de miséria.
Estes fatos foram – e continuam a ser – ampla e corajosamente debatidos no programa Linha de Tiro, que entrevistou a economista e PHD em desenvolvimento sustentável, Maria Amélia Enriquez e o presidente do Sindifisco PA, Charles Alcântara.
Na avaliação da professora Maria Amélia, os paraenses são espertos em sonhar que tudo vai ser feito, são ótimos para planejar e falar, mas péssimos para realizar. Ela lembrou que o Pará tem a seu favor uma cadeia produtiva do alumínio: produz bauxita, alumina e alumínio, e tem uma única indústria, que verticaliza a produção, a argentina Alubar.
“O Pará tem ainda a zona de processamento de exportação (ZPE), por isso deveria estar exportando rodas de liga leve, painéis solares – imagina a indústria de alumínio nessa nova matriz energética do mundo pós-pandemia, que é o mundo descarbonizado. Você poderia trabalhar, por exemplo, dois produtos da mineração, que é o alumínio e o cobre, que são muito demandados no mercado externo. Fazer produtos de alta tecnologia”, alertou.
De acordo com ela, nós temos um parque tecnológico, o único da Região Norte, mas não temos grandes empresas como âncora. O governo do Estado fez um investimento de mais de 100 milhões de reais, a UFPa e a Ufra cederam terreno para a instalação do parque. “Foi feito um convite para a Vale. Agora, pergunta se a Vale se instalou no parque; pergunta se a Vale tem um fornecedor no parque”, provocou.
A Vale responde por 80 por cento do valor da produção mineral, ela é líder não só no Pará, mas do Brasil inteiro, por isso tem uma responsabilidade muito grande economicamente, mas sempre vira as costas para os interesses da população paraense.
“Eu queria que as pessoas discutissem a produção mineral como se discute Remo e Paysandu, na esquina, no bar, na reunião familiar. Eu acredito que a gente só vai avançar quando tiver essa massa crítica, porque lamentavelmente, é como se falou do nosso grupo político, que não entendeu ainda o tamanho do problema”, propôs.
Segundo ela, esses ciclos do minério, esses super ciclos, passam muito rápido, então é preciso estar preparado para poder captar uma parte desse benefício e usar no processo de transformação estrutural do desenvolvimento. Ela lembrou a teoria de um sociólogo norte-americano, que esteve muito tempo no Pará, preocupado com o futuro mineral na Amazônia, que previa que se nada for feito, nós vamos chegar em um quadro de extrema periferia, que é uma região esgotada em seus recursos naturais, empobrecida, porque não conseguiu transferir renda para as pessoas, com problemas ambientais, degradados e que não conseguiu construir essa ponte para criar o futuro.
Para Charles Alcântara, essa renúncia fiscal na mineração não tem a dimensão que se supõe, diante de um problema que é muito maior. Pela lei Kandir, que desonerou tudo, essas grandes empresas exportadoras, mesmo não pagando tributos, elas têm direito de manter os créditos nas operações, aquisição de insumos, mesmo não gerando débito na saída.
“Então, essa questão da renúncia fiscal é pinto, quase nada. Empresas como a Vale, que exportam quase tudo o que extraem, têm créditos bilionários, fazendo do nosso Estado devedor. Vocês acreditam que a Vale é credora do Estado do Pará? Ela não paga na saída e ainda é credora. Vejam essa aberração. Se ela fosse cobrar isso… A manutenção desses crédito é uma coisa lesa pátria”, atacou.
Imaginem o volume de créditos que tem a Vale com o Estado pelo volume de operações que ela realiza internamente na aquisição de insumos. “Nós temos que acabar com isso. Essa luta tem uma dimensão nacional, mas ela precisa ser enfrentada, a partir do local”, ressaltou.
A Vale também está inscrita na dívida ativa tributária do Estado. Ela é a segunda maior devedora do Estado com 1,4 bilhão de reais. A Cerpasa é a maior devedora do Estado, com uma dívida ativa de 3 bilhões de reais.
Conforme Charles Alcântara, “o maior problema é acabar com esse direito à preservação do crédito e voltar a tributar na exportação. Não se tributa nada no país. O Brasil é uma colônia”.
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