Em Castanhal, a 70 km de Belém, a maior indústria alimentícia da região Norte, a Hiléia, vive uma crise sem precedentes. Funcionários da empresa denunciam um movimento que classificam como “terror trabalhista” e “desmonte”, promovido pelos sócios minoritários Pedro Henrique Araújo, Sílvio Gabriel Filho, Odilardo Araújo Júnior, Maria Luzinete e Jaime Araújo, que assumiram o controle da fábrica há apenas uma semana, em 17 de dezembro.
As acusações incluem a transferência de maquinários essenciais para outra unidade do grupo, a Fábrica Leal, em Belém, o que, segundo os trabalhadores, inviabilizará a operação da planta em Castanhal e deixará 700 famílias sem sustento. “Eles estão desmontando tudo, tirando equipamentos que garantem nossa produção. Isso é um ataque ao nosso trabalho”, diz um dos funcionários em áudios enviados ao portal Ver-o-Fato.
A situação se agrava com questionamentos sobre a validade legal do comando assumido pelos sócios. A ata da Assembleia Geral Extraordinária (AGE) que os colocou à frente da Hiléia foi desarquivada pela Junta Comercial do Estado do Pará (Jucepa) com a anuência da Procuradoria Geral do Estado (PGE)..A justiça concedeu 15 dias para que o grupo apresente sua defesa – um prazo que, na visão dos trabalhadores, é tempo suficiente para que o estrago seja consumado.
Relatos dos empregados indicam que equipamentos como extrusoras, essenciais para a fabricação de massas e biscoitos, estão sendo desmontados e transportados para Belém, com ordens diretas do novo comando. “Esses equipamentos são o coração da nossa produção. Sem eles, a fábrica não funciona. Isso é um golpe!”, afirma outro trabalhador.
Os funcionários também relatam que a Fábrica Leal, invadida pelos mesmos sócios em fevereiro de 2024, já resultou na demissão de 240 empregados. “Estão transformando a Hiléia em uma empresa fantasma. É só uma questão de tempo até estarmos todos na rua”, lamenta um dos denunciantes.
Mobilização e resistência
Diante do cenário, os trabalhadores estão organizando ações para impedir o que chamam de “dilapidação do patrimônio”. Um grupo de manutenção da fábrica já está se recusando a desmontar máquinas sem documentação assinada. Outros sugerem uma greve para pressionar o novo comando e evitar que o maquinário seja retirado.
“Precisamos mostrar que não estamos passivos. Eles entram e saem com máquinas, e ninguém fala nada. Chegou a hora de nos mobilizarmos”, destaca um funcionário em outro áudio.
A lentidão da justiça é outro fator que inquieta os trabalhadores. Enquanto o prazo de defesa corre, a fábrica já começa a perder peças essenciais de sua operação. “Estamos sendo atropelados pela ganância e pela burocracia. Quem paga o preço somos nós, que dependemos do trabalho aqui para sustentar nossas famílias. O que esses sócios estão fazendo é uma crueldade humana”, sustenta o empregado.
Crise de confiança, futuro incerto
A crise na Hiléia escancara não apenas a disputa interna entre os acionistas, mas também a vulnerabilidade dos trabalhadores diante de decisões que colocam o lucro acima de 700 vidas. A comunidade de Castanhal assiste, perplexa, ao desmonte de uma das maiores empregadoras da região. Enquanto isso, o futuro da Hiléia e de seus funcionários permanece incerto, com muitos temendo que 2024 seja o último capítulo da história da fábrica que já foi um símbolo do desenvolvimento no Norte.
A máquina Tecpack, do setor biscoito, é outro equipamento que, se retirado, inviabiliza a produção
ENTENDA A CRISE
A disputa pelo comando da Hiléia tem sido marcada por brigas internas e graves denúncias de má gestão. Em junho de 2023, o Conselho de Administração tomou uma decisão drástica ao afastar o então diretor administrativo-financeiro, Odilardo Ramos de Araújo Junior e seu filho, Jaime Araújo, que ocupava a presidência do Conselho. A decisão veio à tona após uma série de supostas irregularidades envolvendo ambos. Os motivos do afastamento foram:
Sumiço de R$ 7 milhões – Um relatório elaborado pela CM Partners Consultoria Financeira apontou um déficit milionário no caixa da companhia. Odilardo Junior foi questionado pelos sócios-diretores Hélio Melo Filho e Sérgio Gabriel sobre o destino dos R$ 7 milhões desaparecidos, mas não forneceu explicações satisfatórias.
Compra irregular de máquinas – Pai e filho adquiriram, sem o conhecimento dos demais sócios, máquinas e equipamentos da China para instalar uma fábrica de salgadinhos. A compra, financiada com recursos do caixa da Hiléia e registrada em notas fiscais da empresa, violou o estatuto da companhia, uma vez que a nova fábrica seria concorrente direta da própria Hiléia.
Ocultação de documentos – Jaime Araújo, sob orientação de Odilardo Junior, teria retirado do arquivo da empresa todos os documentos de caixa que poderiam comprovar as irregularidades. Essa ação foi interpretada como uma tentativa deliberada de encobrir evidências de má gestão financeira.
Pagamentos não registrados – Clientes como Egberto Timóteo e Larissa Timóteo, sobrinha de Odilardo Junior, afirmaram que haviam quitado suas obrigações financeiras com a Hiléia, totalizando R$ 3,5 milhões, em pagamentos realizados diretamente a Odilardo Junior. Contudo, esses valores não foram registrados na contabilidade da empresa.
Impactos e investigações
Afastados, Odilardo Junior e Jaime Araújo deixaram um rastro de desconfiança e prejuízos. As denúncias contra eles alimentaram a crise interna que hoje ameaça não só o comando da empresa, mas também a estabilidade financeira e operacional da Hiléia.
Enquanto a disputa pelo controle acionário segue na Justiça, os sócios remanescentes tentam restabelecer a confiança no mercado e proteger os cerca de 700 empregos diretos gerados pela empresa. No entanto, o impacto das irregularidades ainda pesa sobre as finanças e a reputação da companhia.
O caso Hiléia escancara as consequências devastadoras de uma gestão marcada por conflitos de interesse e desrespeito aos princípios básicos de governança corporativa. O futuro da empresa, que se aproxima de seus 60 anos de história, dependerá de uma profunda reestruturação e da retomada da credibilidade junto a seus colaboradores, clientes e parceiros.
Máquina (Dinapan) extrusora de biscoito rosquinha, localizada na linha ariete 1000.