O desembargador Leonam Cruz Júnior, do Tribunal de Justiça do Pará, concedeu habeas-corpus em favor de famílias de quilombolas que ocupam a fazenda Roda de Fogo, no município do Acará, revogando decisão do juiz Arinelson Ribeiro Lima, da Vara Cível e Criminal de Tailândia. Quem impetrou o pedido de habeas-corpus foi a Defensoria Pública do Estado (DPE), que assiste os quilombolas.
O juiz Arinelson Lima, no dia 10, quinta-feira, numa decisão polêmica, acolheu pedido dos advogados da empresa Agropalma, em ação cautelar criminal inominada, para que tropa da Polícia Militar fosse ao local “no sentido de fazer cessar a atividade criminosa narrada contra o meio ambiente, assim como para identificar os autores, e, se houver, armas no local, proceder à prisão em flagrante e apreensão dos objetos”.
Segundo a Defensoria Pública, o ato do juiz de Tailândia ” viola o artigo 5º, inciso XLV, da Constituição da República (não individualização dos acusados e ausência de subsunção da conduta ao suposto tipo penal violado)”. Além disso, há ainda “violação às disposições do artigo 282, do Código de Processo Penal (ausência de requisitos para a propositura de ação cautelar criminal), e que se utiliza de processo criminal para tratar de conflito possessório agrário, com processos em trâmite na Vara Agrária de Castanhal”.
No fundamento de sua decisão, Leonam Cruz diz: “Apreendo dali, pois, que o pedido, na cautelar criminal inominada, feito pela Agropalma voltava-se, unicamente, ao possível crime de esbulho possessório sobre o qual a autoridade impetrada absteve-se de apreciar”. E observa: “ocorre que, a Lei Adjetiva Penal, em seu artigo 3º-A, incluído pela Lei 13.964/2019, dispõe que “o processo penal terá estrutura acusatória, vedadas a iniciativa do juiz na fase de investigação e a substituição da atuação probatória do órgão de acusação”
Dentre as modificações feitas ao aludido diploma processual, ensina o desembargador, há também a previsão de que “as medidas cautelares serão decretadas pelo juiz a requerimento das partes ou, quando no curso da investigação criminal, por representação da autoridade policial ou mediante requerimento do Ministério Público” (artigo 282, §2º)”.
Plausível, portanto, afirma Leonam Cruz Júnior, “é a ilegalidade na ameaça à coação à liberdade de locomoção dos pacientes. Assim sendo, resta formada a convicção necessária ao deferimento da medida liminar ora requerida, no que tange a suspender a determinação disposta ao ato judicial de Num. 8119091 – Pág. 6 a 7 (Num. 50111089 – Pág. 1 a 2, na origem), porquanto preenchidos, cumulativamente, os requisitos fumus boni juris (fumaça do bom direito) e do periculum in mora (perigo de demora).”
LEIA A ÍNTEGRA DA DECISÃO
PROCESSO Nº 0801519-44.2022.8.14.0000
TJE/PA – PLANTÃO JUDICIAL CRIMINAL
HABEAS CORPUS COLETIVO, COM EXPRESSO PEDIDO DE LIMINAR
COMARCA DE ORIGEM: TAILÂNDIA
IMPETRANTE: DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DO PARÁ
PACIENTES: TODOS OS MEMBROS DA ASSOCIAÇÃO REPRESENTATIVA DOS
QUILOMBOLAS, RIBEIRINHOS, AGRICULTORES FAMILIARES, PESCADORES DO VALE DO
ACARÁ, EM CONFLITO COM A EMPRESA AGROPALMA
IMPETRADO: JUIZ DE DIREITO DA VARA CÍVEL E CRIMINAL DA COMARCA DE TAILÂNDIA,
MAGISTRADO ARIELSON RIBEIRO LIMA
DESEMBARGADOR PLANTONISTA: LEONAM GONDIM DA CRUZ JÚNIOR
Vistos, etc.
Trata-se de habeas corpus coletivo, com expresso pedido de liminar, impetrado no Plantão Judiciário Criminal do dia 12/02/2022, às 08h51min, pela resp. Defensoria Pública do Estado do Pará, em favor de todos os membros da associação representativa dos quilombolas, ribeirinhos, agricultores familiares, pescadores do vale do Acará, em conflito com a empresa Agropalma, apontando como autoridade coatora o juiz de Direito da Vara Cível e Criminal da Comarca de Tailândia, magistrado dr. Arielson Ribeiro Lima.
Na petição inicial (Num. 8119090), narra a impetrante, tal como está escrito: No dia 10.02.2022, a empresa AGROPALMA ajuizou Ação Cautelar Criminal Inominada (DOC. 01) requerendo “o apoio da polícia militar para dar suporte na área onde se encontram acampados os invasores, evitando-se assim a ocorrência de uma tragédia anunciada”.
Nessa ação, a empresa não identifica pessoas que supostamente estariam praticando crime. Também não descreveu a conduta tipificada no dispositivo penal. Por outro lado, nesta ação, a AGROPALMA aponta que seu pedido se pauta em conflito possessório agrário coletivo, mencionado que ajuizou ação possessória agrária, na Vara Agrária de Castanhal, mas sem decisão de reintegração de posse. Ao analisar o pedido da empresa AGROPALMA, o juiz de Tailândia, magistrado Arielson Ribeiro Lima, proferiu a seguinte decisão ID 50111089:
R.H. Trata-se os autos de cautelar criminal inominada, que narra a ocorrência, em tese, do crime de esbulho possessório (art. 161, §1º, II, do Código Penal), em decorrência da permanência de ribeirinhos na área de reserva legal denominada “RODA DE FOGO”, pertencente à AGROPLAMA S/A, cujo ingresso foi inicialmente deferido ante a recomendação nº 0012022-MP/8PJC. Acrescenta o peticionante, a existência do clima de tensão e insegurança causada pela permanência dos ribeirinhos, que se negam a sair do local que se encontram desde o dia 06/02/2022, razão pela qual pleiteia apoio da Polícia Militar, a fim de que seja dado suporte na área onde se encontram os invasores.
É a síntese do necessário. Decido. Em análise detida do pedido, observo que não se trata de auto de prisão em flagrante, nem matéria de plantão. Contudo, noticia fatos criminosos envolvendo crimes contra o meio ambiente, a fauna e a flora, além de possível crime de esbulho possessório, que por sua vez, deverá ser apreciado na esfera da Vara Agrária competente. Nessa toada, DETERMINO, a fim de fazer proceder a investigação criminal, bem como fazer cessar a ocorrência de crimes ambientais, que seja oficiado ao Comando da Polícia Militar de Tailândia, com o escopo de que seja atendido o pleito do peticionante, no sentido de fazer cessar a atividade criminosa narrada contra o meio ambiente, assim como para identificar os autores, e, se houver, armas no local, proceder à prisão em flagrante e apreensão dos objetos.
DETERMINO, ainda, que seja também expedido ofício à Delegacia do Meio Ambiente – DEMA, para que realize a inspeção do local, e, se for o caso, à abertura de investigação acerca da ocorrência de crimes contra o meio ambiente. Cumpra-se COMO MEDIDA DE URGÊNCIA. Serve a presente como mandado/ofício. Expeça-se o necessário. Tailândia (PA), 10 de fevereiro de 2022. Arielson Ribeiro Lima Juiz de Direito.
Suscita, então, que esse ato judicial viola o artigo 5º, inciso XLV, da Constituição da República (não individualização dos acusados e ausência de subsunção da conduta ao suposto tipo penal violado); que há violação às disposições do artigo 282, do Código de Processo Penal (ausência de requisitos para a propositura de ação cautelar criminal), e que se utiliza de processo criminal para tratar de conflito possessório agrário, com processos em trâmite na Vara Agrária de Castanhal. Roga, por fim, ipsis litteris:
I – A CONCESSÃO DA MEDIDA LIMINAR, pelo relator desta medida constitucional, concedendo salvo conduto aos pacientes a fim de evitar prisões ilegais, bem como que determine a suspensão da decisão ID 50111089, por ser manifestamente ilegal, bem como determinar que a autoridade coatora se abstenha de realizar qualquer ato que vise dar seguimento a Ação Cautelar 0800382-96.2022.8.14.0074. II – Após, solicitadas as INFORMAÇÕES À AUTORIDADE COATORA e ouvido o MINISTÉRIO PÚBLICO, que essa egrégia Corte CONCEDA A ORDEM REQUERIDA PARA POR FIM AO CONSTRANGIMENTO ILEGAL E ILEGALIDADE que recai sobre a liberdade dos pacientes, de modo que seja concedida e confirmada a medida liminar e seja determinado o arquivamento dos autos da Ação Cautelar Inominada Criminal n. 0800382-96.2022.8.14.0074. Documentação anexa (Num. 8119091 e ss.)
É o relatório do necessário.
Passo a decidir.
Na presente ação constitucional, identifico a possibilidade jurídica do pedido, a legitimidade e o interesse de agir. A data do ato impugnado (10/02/2022 – Num. 8119091 – Pág. 6) e a matéria em questão coadunam-se, ademais, às hipóteses previstas na Resolução nº16/2016 desta Egrégia Corte de Justiça.
Vislumbro, assim, urgência merecedora de atendimento em regime de plantão.
Pois bem.
Da leitura da decisão indicada como constrangimento ilegal, noto consistir ela, na realidade, em determinação à Polícia Militar de Tailândia para investigar e fazer cessar ocorrência de crimes ambientais, com a devida identificação dos autores, prisão em flagrante e apreensão de objetos, em local de conflito de posse, ressalvada a competência do juízo da Vara Agrária no que concernia a possível crime de esbulho possessório (Num. 8119091 – Pág. 6 a 7).
Apreendo dali, pois, que o pedido, na cautelar criminal inominada, feito pela Agropalma voltava-se, unicamente, ao possível crime de esbulho possessório sobre o qual a autoridade impetrada absteve-se de apreciar. Ocorre que, a Lei Adjetiva Penal, em seu artigo 3º-A, incluído pela Lei 13.964/2019, dispõe que “o processo penal terá estrutura acusatória, vedadas a iniciativa do juiz na fase de investigação e a substituição da atuação probatória do órgão de acusação”.
Dentre as modificações feitas ao aludido diploma processual, há também a previsão de que “as medidas cautelares serão decretadas pelo juiz a requerimento das partes ou, quando no curso da investigação criminal, por representação da autoridade policial ou mediante requerimento do Ministério Público” (artigo 282, §2º).
Plausível, portanto, é a ilegalidade na ameaça à coação à liberdade de locomoção dos pacientes. Assim sendo, resta formada a convicção necessária ao deferimento da medida liminar ora requerida, no que tange a suspender a determinação disposta ao ato judicial de Num. 8119091 – Pág. 6 a 7 (Num. 50111089 – Pág. 1 a 2, na origem), porquanto preenchidos, cumulativamente, os requisitos fumus boni juris e do periculum in mora.
A presente decisão valerá como salvo-conduto aos pacientes. Informe-se, com urgência, o juízo a quo para que tome as providências necessárias para o imediato cumprimento da presente decisão. À Secretaria para as providências cabíveis. Belém, 12 de fevereiro de 2022.
Des. LEONAM GONDIM DA CRUZ JÚNIOR