O plano de saúde Unimed Belém foi obrigado pelo juiz titular da 15ª Vara Cível e Empresarial de Belém, Sílvio César dos Santos Maria, a pagar um medicamento a base de cannabis (derivado de maconha) para uma criança com problemas neurológicos.
O magistrado acatou pedido da família da criança de tutela de urgência, em decisão tomada dia 19 último, amparada em autorização excepcional concedida pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para a mãe da criança. A decisão judicial foi proferida nos autos do processo n° 0802349-77.2022.8.14.0301, que tramita em segredo de justiça. Por isso, as identidades da criança e dos pais dela estão preservadas.
De acordo com o TJ do Pará, por meio de sua assessoria de imprensa, os autos apresentam a negativa do plano de saúde Unimed Belém de fornecimento do medicamento, sob a alegação de que se trataria de medicamento de uso domiciliar e fora das hipóteses de custeio obrigatório segundo as resoluções vigentes da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS).
O deferimento da tutela, conforme a assessoria, teve como fundamento a aplicação da teoria da eficácia dos direitos fundamentais nas relações privadas, conforme recurso especial julgado pelo Superior Tribunal de Justiça, sob a identificação “Resp 1943628/DF, Rel. ministra Nancy Andrighi, terceira turma, julgado em 26/10/2021, DJe 03/11/2021.”
“Relativamente à obrigação de planos de saúde de custear medicamentos que, embora se tratem de fármacos importados ainda não registrados pela Anvisa, mas que tiveram a sua importação excepcionalmente autorizada pela referida Agência Nacional, a questão já foi objeto de discussão no Superior Tribunal de Justiça”, afirma o magistrado.
Sílvio César dos Santos aponta que “a obrigação de planos de saúde de custear medicamentos que, embora se tratem de fármacos importados ainda não registrados pela Anvisa, mas que tiveram a sua importação excepcionalmente autorizada pela referida agência é uma decorrência lógica da eficácia dos direitos fundamentais nas relações entre particulares (drittwirkung, como é conhecida no Direito alemão)”, escreveu.
Ele explica: “Sendo o contrato de plano de saúde regido pelo Código de Defesa do Consumidor (CDC), a proteção do direito à saúde tem de ser feita nos termos de mencionada norma consumerista, de modo que o referido direito fundamental não pode restar esvaziado em sua tutela adequada pela negativa de cobertura do plano sob o argumento de ausência de previsão no rol de procedimentos da ANS. A negativa de custeio do fármaco pelo plano de saúde significaria negar a própria essência do tratamento, desvirtuando a finalidade do contrato de assistência à saúde, o que viola a boa-fé contratual (artigo 4º, III, do CDC).”
O juiz considerou ainda que, “conforme se depreende do laudo médico, a parte autora passa por quadro de saúde delicado, não podendo esperar pela tutela definitiva, sob pena de continuar vivenciando os efeitos deletérios de sua condição de enfermidade de forma prolongada, dentre eles as constantes crises convulsivas, dificuldade de deglutição e engasgos, além do comprometimento cognitivo, o que bem denota o perigo de dano. Reprise-se: a não concessão da tutela de urgência ora pleiteada pode acarretar danos à saúde e à vida digna da paciente com a espera pela tutela definitiva”.