A jovem põe a mão esquerda no pescoço, de costas para a cena que se desenrola no quarto onde se despira para fazer amor.
Que idade terá?
Certamente, não muito mais que dezoito anos – revela seu corpo bem proporcionado para quem, como ela, é a pessoa de menor estatura naquele grupo.
Seus olhos estão voltados para trás mostrando curiosidade pela conversa mantida entre seu parceiro e os homens que acabaram de invadir aquele quarto.
Todos policiais à procura de um flagrante.
A cena choca, hoje, pelo gritante desrespeito à privacidade do casal. Uma violência óbvia supostamente praticada em nome da Lei.
Alguma infração terá sido cometida pelo homem flagrado já sem seu paletó, a caminho do enlace amoroso, sugere o dedo da mão esquerda erguida por um dos invasores apontando para a moça.
É certo que ele está sendo acusado de um crime.
Mas qual crime ele poderia cometer no abrigo confortável daquele ambiente íntimo?
Adultério? Prostituição? Corrupção da jovem?
Seria ela uma filha de família poderosa que havia se deixado seduzir?
O semblante de seu parceiro nada revela imediatamente. Ele tem o olhar de quem está abstraído, distante daquela situação que o cerca, mergulhado em si mesmo. Estaria calculando intimamente os prejuízos que aquele flagrante iria impor a seu futuro? Com a mão direita, um pouco afastada do corpo, dedos abertos, ele apenas parece querer, de um modo distraído, inconsciente, proteger as nádegas nuas da sua jovem companheira dos olhares indiscretos dos outros homens.
Quem sabe, tenha percebido que o policial mais distante dele, o último da pequena fila postada à sua frente – aquele que tem nas mãos seu chapéu-, está com o rosto relaxado de quem aprecia algo com prazer.
Enquanto ele, obviamente de modo pensado, refletido, se submete ao interrogatório do policial calvo que fixa seus os olhos no olhar distante dele, anotando o que ele diz.
Atrás do calvo, outro policial, mais magro, parece dormir em pé, tal a concentração que dedica ao diálogo se desenvolvendo ali, diante dele.
No entanto, nenhuma daquelas pessoas incluídas na foto é, de fato, o que aparenta ser.
Isto só se percebe com observação minuciosa de suas expressões faciais.
E, sobretudo com a análise minuciosa da pose da jovem.
Uma pista está na faceirice exagerada dela, num momento no qual devia mostrar sinais de tensão. Ali, de fato, ela está como se fosse uma deusa da sensualidade, com seus lindos cabelos compridos.
Talvez tenha sido por inexperiência profissional que deixou esta porta entreaberta para que, hoje, mais de cem anos depois do registro daquela cena, alguém perceba que todos ali são atores.
Contratados. Quem poderia imaginar?
Para pousarem na produção de um Cartão Postal.
Este mistério foi desvendado pela pesquisadora universitária Margareth Rago que publicou a foto em “Os prazeres da noite”, uma obra relativa a São Paulo nos anos de 1890 a 1930.
Porém, outros mistérios logo surgiram.
Quem, naqueles anos, sabidamente ainda um período de grande repressão sexual, imposta por uma moralidade afetada de grande intolerância, teria interesse em criar um Cartão Postal com esta cena?
Com que propósito?
Este criador do cartão tinha quais tipos de ligações com as pessoas para as quais o enviou?
O que ele queria?
Apenas explorar um tipo de humor cheio de cumplicidade viril sempre apreciado entre amigos homens?
O Cartão Postal sumiu no passado de São Paulo, levando consigo muitas perguntas ainda sem respostas.
- Oswaldo Coimbra é escritor e jornalista