O ministro do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) André Mendonça, determinou nesta segunda-feira, 30.09, que o Tribunal Regional Eleitoral (TRE) julgue novamente a nulidade da candidatura de Raimundo Belo (MDB). O candidato a prefeito teve seu registro de candidatura julgado impugnado pelo TSE pois, segundo o ministro André Mendonça, a decisão do TRE que julgou o candidato elegível não está correta. Por isso, determinou o retorno dos autos para novo julgamento.
Disse ainda o ministro, que o TCU tem competência para julgar as contas, enquadrando-o na Lei da Ficha Limpa. Fato é, que, na hipótese de Raimundo Belo ganhar a eleição no próximo dia 6 de outubro, os votos seriam anulados. Veja a íntegra da decisão do ministro André Mendonça:
É o relatório. Decido.
“Verifico que o recorrente infirmou os fundamentos do acórdão regional, de modo que não incide o óbice do Enunciado nº 26 da Súmula do TSE. Além do mais, ressalto que o reenquadramento jurídico do acervo fático-probatório da origem, descrito na moldura do aresto recorrido, não se confunde com o reexame e, por isso, não esbarra no óbice da Súmula 24 do TSE.
Ao concluir pelo deferimento do requerimento de registro de candidatura de José Raimundo de Oliveira ao cargo de prefeito do Município de Capitão Poço/PA nas eleições de 2024, o TRE/PA anotou que: b. Inelegibilidade com fundamento no artigo 1º, inc. I, alínea “g”, da LC 64/90. Conforme relatado, cinge-se a controvérsia recursal em definir se a rejeição das contas do recorrente, pelo Tribunal de Contas da União, e a condenação ao recolhimento de valores aos cofres do Fundo Nacional de Saúde e ao Fundo Nacional da Educação, configura ato doloso de improbidade administrativa apta a ensejar a inelegibilidade prevista no art. 1º, inciso I, alínea g, da Lei Complementar nº 64/90.
Ressalta-se que ambas as condenações se deram em virtude da não comprovação dos recursos públicos provenientes de Convênio, enquanto o recorrente ocupou o cargo de prefeito no município de Capitão Poço, por omissão do dever legal de prestar contas quanto aos recursos repassados àquele município.
A matéria aqui tratada se insere nas inelegibilidades previstas na Lei Complementar nº 64/90: Art. 1º São inelegíveis: I – para qualquer cargo: (…) g) os que tiverem suas contas relativas ao exercício de cargos ou funções públicas rejeitadas por irregularidade insanável que configure ato doloso de improbidade administrativa, e por decisão irrecorrível do órgão competente, salvo se esta houver sido suspensa ou anulada pelo Poder Judiciário, para as eleições que se realizarem nos 8 (oito) anos seguintes, contados a partir da data da decisão, aplicando-se o disposto no inciso II do art. 71 da Constituição Federal, a todos os ordenadores de despesa, sem exclusão de mandatários que houverem agido nessa condição; (…)
Depreende-se do artigo supracitado que, para configuração da inelegibilidade inserta na alínea “g”, deve ser aferida a presença cumulativa dos seguintes elementos: (i) rejeição das contas relativas ao exercício de cargos ou funções públicas; (ii) decisão do órgão competente que seja irrecorrível no âmbito administrativo; (iii) desaprovação decorrente de (a) irregularidade insanável que configure (b) ato de improbidade administrativa, (c) praticado na modalidade dolosa; (iv) não exaurimento do prazo de oito anos contados da publicação da decisão; e (v) decisão não suspensa ou anulada pelo Poder Judiciário.
No Acórdão TCU nº 1326/2015, verifica-se que as contas do recorrente foram julgadas irregulares “em virtude da não comprovação dos recursos públicos repassados ao município de Capitão Poço/PA, ante a ausência de prestação de contas do convênio nº 919499/1998”.
Em relação a esse julgado, cumpre mencionar que o recorrente interpôs pedido de reconsideração da decisão acima destacada, tendo sido rejeitado no julgamento do Acórdão nº 9707/2016, e determinado o recolhimento da importância de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais) ao Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação. Vejamos:
No Acórdão TCU nº 8732/2017 as contas foram julgadas irregulares “considerando que a ausência de comprovação da boa e regular aplicação dos recursos recebidos não caracteriza a existência de desvio de finalidade e/ou de objeto, mas de dano propriamente dito, faço breve reparo aos pareceres e assinalo que o ressarcimento deve ser efetuado aos cofres do Fundo Nacional de Saúde.” Vejamos:
A celeuma a se considerar é se basta a rejeição das contas pela Corte de Contas para que se configure a inelegibilidade inserta na alínea “g”, quando se tratar de Chefe do Executivo. A questão aqui debatida foi objeto de discussão ao longo de anos pela doutrina e jurisprudência. Isso porque o Constituinte atribui a competência para o julgamento das Contas do Chefe do Executivo ao Poder Legislativo local, conforme interpretação extraída do art. 31, §§ 1º e 2º, da Constituição Federal de 1988. Vejamos:
O STF se pronunciou sobre a matéria, nos Recursos Extraordinários de nº 848.826 e nº 729.744, culminando com a consolidação dos Temas de Repercussão Geral nº 835 e 157, os quais passo a transcrever: Extrai-se das decisões resultantes do julgamento dos Recursos Extraordinários de nº 848.826 e nº 729.744 que cuidaram da “apreciação das contas de prefeito, tanto as de governo quanto as de gestão”, que, devido o seu caráter político, se submetem ao julgamento perante o Poder Legislativo local, por inteligência do art. 31, §§ 1º e 2º, da Constituição Federal de 1988, tendo o acórdão da Corte de Contas, nesta circunstância, caráter meramente opinativo.
Adotando esse entendimento, o magistrado de 1º grau deferiu o registro de candidatura do recorrente, por considerar que não caberia ao TCU o julgamento das contas, mas sim à Câmara dos Vereadores de Capitão Poço/PA. Assim, como não houve o julgamento pela Câmara de Vereadores, não estaria configurada a inelegibilidade inserta na alínea “g”.
Neste ponto, assiste razão ao juízo zonal, considerando que o Constituinte no art. 31, §§ 1º e 2º da CF/88 estabelece que as contas do Chefe do Executivo devem ser julgadas pela Casa Legislativa respectiva, o que não ficou comprovado nos autos em relação ao recorrente, haja vista não haver nos autos elemento probatório acerca do julgamento das contas pela Casa Legislativa.
Assim, extrai-se da moldura fática que não houve julgamento das contas de José Raimundo de Oliveira em relação às contas apreciadas pelo TCU, de modo a se considerar pela ausência do requisito inserto na alínea “g” “rejeição das contas relativas ao exercício de cargos ou funções públicas”. Em consequência, na ausência do 1º requisito (rejeição das contas), para a configuração da inelegibilidade da alínea “g”, resta prejudicada a análise dos demais requisitos.
No caso concreto, cinge-se a controvérsia em definir se a rejeição das contas do recorrido pelo Tribunal de Contas da União (TCU) em virtude da não comprovação dos recursos públicos provenientes de convênios realizados entre o município de Capitão Poço/PA e o Fundo Nacional de Saúde – FNS (processo TCU nº 008.795/2015-0) e o Fundo Nacional para o Desenvolvimento da Educação – FNDE (processo TCU nº 002.122/2014-6) está albergado pelo entendimento firmado pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento dos Recursos Extraordinários no 848826 e n o 729744 (Temas 157 e 835 de repercussão geral), de que a competência para o julgamento das contas do chefe do Poder Executivo Municipal, tanto as de gestão como as de governo, é da Câmara Municipal, e não do Tribunal de Contas.
Contudo, ao contrário do que assentou a Corte de origem, tal entendimento não se aplica a todo e qualquer ajuste contábil, mas apenas às hipóteses em que os recursos forem provenientes da própria municipalidade ou de entidades privadas. Nesse sentido: RO nº 060083961, rel. Min. Jorge Mussi, PSESS data 20.11.2018. Seguindo essa lógica, o TSE firmou a compreensão de que “estender a tese de repercussão geral aos casos de convênio entre municípios e União ensejaria incongruência, porquanto o Poder Legislativo municipal passaria a exercer controle externo de recursos financeiros de outro ente federativo” (REspe nº 46-82, reI. Min. Herman Benjamin, PSESS de 29.9.2016 – grifei).
Em idêntico norte intelectivo, confira-se: ELEIÇÕES 2020. RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. REGISTRO DE CANDIDATURA. PREFEITO ELEITO. DEFERIMENTO. INELEGIBILIDADE. REJEIÇÃO DAS CONTAS. ART. 1º, I, G, DA LEI COMPLEMENTAR Nº 64/90. NÃO CARACTERIZAÇÃO. CONTAS DE CONVÊNIO. AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO DE REPASSES DE VERBAS ORIUNDAS DOS COFRES ESTADUAIS OU FEDERAIS. COMPETÊNCIA DA CÂMARA DE VEREADORES. DESPROVIMENTO.
Ao julgar o RE nº 848.826/DF e o RE nº 729.744/DF, o Supremo Tribunal Federal pacificou o entendimento segundo o qual a Câmara Municipal é o órgão competente para julgar as contas de prefeito – tanto as contas anuais quanto as de gestão. No entanto, tal orientação não abrangeu as contas de convênios interfederativos, sobre os quais se assentou na jurisprudência do TSE que “[…] a competência para julgar as contas que envolvem a aplicação de recursos repassados pela União ou pelo Estado aos Municípios é do Tribunal de Contas competente, e não da Câmara de Vereadores” (REspe n. 450–02/MG, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, DJe de 21.8.2017). No mesmo sentido: REspe n. 726–21/SP, Rel. Min. Rosa Weber, DJe de 11.4.2017, e REspe n. 245–09/ES, Rel. Min. Luciana Lóssio, DJe de 9.5.2017).
Recurso especial desprovido.
Logo, o entendimento da Corte Regional no sentido de que, “como não houve o julgamento pela Câmara de Vereadores, não estaria configurada a inelegibilidade inserta na alínea ‘g’” (ID 162456228), encontra-se em dissonância à jurisprudência desta Corte, que reiteradamente afirma a competência dos Tribunais de Contas para julgamento das contas alusivas a consórcios públicos e convênios.
9.3 Como bem pontuou o parecer do Vice-Procurador-Geral Eleitoral, “é inviável a aferição da anexação da causa de inelegibilidade, por essa Corte, neste momento processual, sob pena de supressão de instância”.
Ante o exposto, dou provimento parcial ao recurso especial eleitoral (art. 36, § 7º, do RITSE), para, anulando o acórdão regional, determinar o retorno dos autos ao TRE/PA, para o exame da inelegibilidade do art. 1º, I, “g”, da Lei Complementar nº 64/1990, a partir da competência, ora reconhecida, dos Tribunais de Contas para julgamento das contas de consórcios públicos e convênios.
Publique-se em mural.
Na hipótese de impugnação da presente decisão, formem-se autos suplementares com a remessa destes, desde logo, ao Tribunal Regional Eleitoral do Pará.
Brasília, 30 de setembro de 2024.
Ministro ANDRÉ MENDONÇA
Relator“