Os terrenos de Belém eram já bastante conhecidos pelo engenheiro alemão Gerardo Gaspar Gronsfeld,em 1777.
Havia cerca de duas décadas, Gronsfeld tinha chegado à cidade.
Foi, naquele ano, que ele elaborou seu ousado plano urbanístico.
Que se destinava a solucionar o problema das áreas alagadas.
Seu projeto foi sua grande obra.
Pela qual até hoje ele é lembrado com admiração.
Os terrenos alagados de Belém atormentavam seus moradores, desde a fundação da cidade, em 1616.
Como toda obra genial, o plano de Gronsfeld era de uma simplicidade desconcertante.
Ele propôs que Belém cavasse, para tornar ainda mais profundos, os leitos de seus canais e igarapés.
Assim, acolheriam, sem deixar transbordar, as águas da Baía do Guajará (e do Rio Guamá) e das enchentes.
E mais: os cursos de águas poderiam ser usados no transporte dos moradores e no comércio,
Desgraçadamente, porém, Belém, em vez de seguir estas ideias de Gronsfeld, violentou seus canais e igarapés, com aterramentos.
Como no Alagado do Piri, nos anos de 1800.
E, como ocorre atualmente.
Quando os cursos de água continuam a ser aterrados.
Ou, pior ainda, são usados, como esgotos.
Gronsfeld, contudo, sonhara em dar uma solução técnica perfeita ao grave problema de drenagem e saneamento de todas estas baixadas que ainda agora envolvem a cidade,escreveu o escritor-engenheiro Meira Filho em “Evolução Histórica de Belém do Grão-Pará(1976).
Meira Filho acrescentou: “Certamente, estudando topograficamente a cidade de Belém e seu processo de expansão”.
Outro engenheiro, o historiador Antônio Baena, mais de um século antes de Meira Filho, já havia considerado “bem inferido” o plano de Gronsfeld, na sua obra clássica “Compêndio das Eras da Província do Pará”.
Ninguém melhor que Baena poderia descrever aquilo que o engenheiro alemão pretendia fazer.
Porque seu livro foi escrito em 1838, portanto, somente 60 anos depois da apresentação do plano do engenheiro alemão ao governador do Grão-Pará João Pereira Caldas.
No livro, ainda na linguagem portuguesa de 187 anos atrás, Baena descreveu a área a ser tratada por Gronsfeld – a “da localidade do Piri” -, como “pântano e terreno de aluvião inteiramente horizontal, conjunto (colado) à (parte da) cidade da banda do Sul”.
A ideia central, segundo Baena, era a seguinte:”em vez de empregar trabalhos hidráulicos para obter a exsicação(o dessecamento do Piri)melhor seguir com o que lhe revelava a natureza”.
Isto, para Baena significava “aperfeiçoar o bosquejo (o traçado) da sua obra (natural), fazendo um lagamar (cova no fundo do leito das águas) que naturalmente (fossem ocupadas pelas) águas da undação (corrente) do rio e as (pelas águas) ascendentes no fluxo do mar”.
Para a área desta depressão a ser cavada no fundo do pântano, as águas correntes teriam três acessos.
Dois deles, estavam, diz Baena , “já pontados (preparados) pela natureza, na paragem do Arsenal da Marinha e na do Haver do Peso (Ver-o-Peso)”.
O outro devia ser aberto, aproveitando-se o princípio de uma comunicação natural entre os igarapés do Reduto e o da Fábrica.
Este último igarapé ficava “na boca da estrada, que hoje se chama Nazareth (atual Av. Magalhães Barata)”
“E que então tinha ponte e portão”.
Ainda sobre este terceiro acesso, diz Meira Filho(1976): “Já naquele tempo, a engenharia, a serviço da colônia reconhecia o igarapé do Reduto – ou baixada do Paul d’Água -, como o canal próprio e natural de descarga das águas que tinham origem em Nazareth, na altura da ponte em sua entrada”.
Meira Filho prossegue: “Isto comprova que Gronsfeld, no século XVIII acreditava na união das baixadas da Tamandaré (próximas do Arsenal da Marinha)de hoje com a do Paul d’Água (no Reduto) de ontem”.
Portanto, pelo plano do engenheiro-militar, os igarapés predominantes no Piri seriam ligados ao do eixo da estrada de Nazareth, “exatamente onde, hoje, se ergue o Edifício Manoel Pinto da Silva”.
Conclui Meira Filho(1976): “Um corte, ali, daria chance a que as duas áreas baixas se interligassem, formando uma só bacia, um grande canal”.
A decisão de mandar executar ou de recusar um plano como aquele só podia ser tomada em Portugal, diz Antônio Lamarão, na sua dissertação de mestrado sobre planejamento urbano de Belém (1989).
O plano foi, então, enviado para a análise dos técnicos da Corte.
E estes técnicos o recusaram.
Segundo ainda Lamarão, provavelmente devido a seus altos custos e pelo fato de o sistema de defesa que propunha, através de fortificações, ter passado a ser considerada como inadequada.
Os critérios analíticos adotados pelos arquitetos da Corte, porém, informa também Lamarão, mais de uma vez foram contestados, na época, pelo italiano Giuseppe Landi, o maior arquiteto da História de Belém.
Através de suas cartas, Landi “às vezes muito sutilmente, outras nem tanto”, enfatizava “o desconhecimento arquitetônico de seus colegas portugueses”, afirma o autor.
Que pena!
Se o plano todo fosse executado – Gronsfeld assegurava, segundo Baena -a cidade de Belém do Pará ficaria mais bela do “que a Adriática Veneza, tão celebrada”.
*Oswaldo Coimbra é escritor e jornalista
Translation (tradução)
Gronsfeld’s Dream: To Make Belém More Beautiful Than Venice
The lands of Belém were already well-known to German engineer Gerardo Gaspar Gronsfeld in 1777.
Having arrived in the city some two decades earlier, it was in that year that Gronsfeld devised his bold urban plan.
The plan aimed to address the persistent issue of the city’s flooded areas.
It was his magnum opus, a project for which he is still remembered with admiration today.
The swampy, flood-prone lands of Belém had plagued its residents since the city’s founding in 1616.
Like all strokes of genius, Gronsfeld’s plan was strikingly simple.
He proposed that Belém deepen the beds of its canals and igarapés (small waterways).
This would allow them to hold the waters of the Guajará Bay (and the Guamá River) and seasonal floods without overflowing.
Moreover, these waterways could be used for transportation and commerce.
Tragically, however, Belém did not embrace Gronsfeld’s vision. Instead, it violated its canals and igarapés by filling them in.
This began in the 1800s with the Piri swamp and continues today.
Waterways are still being filled or, worse, used as open sewers.
Yet Gronsfeld had dreamed of providing a technically perfect solution to the severe drainage and sanitation problems of the lowlands that still surround the city, wrote writer-engineer Meira Filho in Historical Evolution of Belém do Grão-Pará (1976).
Meira Filho added: “Undoubtedly, by topographically studying the city of Belém and its expansion process.”
More than a century before Meira Filho, another engineer, historian Antônio Baena, had already deemed Gronsfeld’s plan “well-conceived” in his classic work Compendium of the Eras of the Province of Pará (1838).
No one was better positioned than Baena to describe what the German engineer intended, as his book was written just 60 years after Gronsfeld presented his plan to João Pereira Caldas, the governor of Grão-Pará.
Using the Portuguese language of 187 years ago, Baena described the area Gronsfeld targeted—the Piri region—as a “swamp and alluvial terrain, entirely flat, adjacent to the southern part of the city.”
The core idea, according to Baena, was this: “Instead of employing hydraulic works to drain the Piri, it was better to follow what nature itself suggested.”
For Baena, this meant “perfecting the outline of its natural work by creating a deepened channel that would naturally receive the river’s currents and the rising tides of the sea.”
For the depression to be dug in the swamp’s bed, the flowing waters would have three access points.
Two of these, Baena noted, were “already prepared by nature, at the sites of the Navy Arsenal and the Ver-o-Peso market.”
The third would require opening a channel, leveraging a natural connection between the Reduto and Fábrica igarapés.
This last igarapé was located “at the mouth of the road now called Nazareth (today’s Magalhães Barata Avenue),” which, at the time, had a bridge and a gate.
On this third access, Meira Filho (1976) wrote: “Even then, colonial engineering recognized the Reduto igarapé—or Paul d’Água lowland—as the natural and proper channel for draining waters originating at Nazareth, near the bridge at its entrance.”
Meira Filho continued: “This proves that in the 18th century, Gronsfeld believed in uniting the lowlands of today’s Tamandaré (near the Navy Arsenal) with yesterday’s Paul d’Água (in Reduto).”
Thus, under the military engineer’s plan, the dominant igarapés in Piri would connect to the axis of Nazareth Road, “precisely where the Manoel Pinto da Silva Building stands today.”
Meira Filho concluded: “A cut there would allow the two lowlands to merge, forming a single basin, a grand canal.”
The decision to implement or reject such a plan could only be made in Portugal, explained Antônio Lamarão in his master’s dissertation on Belém’s urban planning (1989).
The plan was sent to the Portuguese Court for analysis by its technicians, who ultimately rejected it.
According to Lamarão, the rejection likely stemmed from the plan’s high costs and the fact that its proposed defense system, involving fortifications, was deemed outdated.
However, Lamarão noted that the Court’s architects were more than once challenged at the time by Giuseppe Landi, the greatest architect in Belém’s history.
In his letters, Landi, “sometimes subtly, sometimes less so,” emphasized “the architectural ignorance of his Portuguese colleagues,” the author stated.
What a pity!
Had the plan been fully executed, Gronsfeld assured—according to Baena—Belém do Pará would have become more beautiful than “the celebrated Adriatic Venice.”
*Oswaldo Coimbra is a writer and journalist.
(Illustration: The Reduto canal when it was still navigable.)