A realidade é que ninguém pode provar a não-existência de Deus.
A cada argumento apresentado pelos religiosos, no Ocidente,- o aparecimento do universo, do homem etc – a ciência rebate com explicações rigorosas que dispensam Deus, mas não impedem o aparecimento de novas “comprovações”.
Às vezes, elaboradas com a simples reformulação de afirmações anteriores.
A Bíblia já foi entendida literalmente, como os textos científicos de hoje o são.
Quem criou o homem foi Deus, a partir do barro e da costela de Adão.
Depois de Darwin, esta explicação, evidentemente, tornou-se de difícil sustentação.
Que fizeram os teólogos?
Com um ligeiro recuo, disseram que a explicação para o aparecimento do homem fora dada, na Bíblia, em linguagem figurada, a única inteligível para seus leitores, durante séculos.
Mas que, de qualquer modo, pelo menos, a primeira molécula, de onde se originou o primeiro organismo, que evoluiu até aparecer o primeiro homem, foi Deus quem criou.
Na longa história das religiões ocidentais, estas reviravoltas nas interpretações dos textos bíblicos têm sido favorecidas pela forma alegórica, imprecisa e dúbia com que eles foram escritos.
O que tem permitido às religiões amoldarem-se a épocas muito distintas e a situações sociais opostas.
Um exemplo desta flexibilidade: para as camadas baixas da população, o inferno é pintado como sofrimento físico.
Para universitários, diabinhos com garfos tridentes, caminhando sobre brasas, não são digeríveis.
O inferno passa, então, a ser, na boca dos pregadores mais escolarizados, descrito, não sem algum requinte, como “a ausência do Criador, sofrida pela sua criatura, que a Ele é destinada”.
Não surpreende que a discussão milenar entre as religiões e as Ciências não leve a nada.
Por um lado, os argumentos com que, um dia, a Teologia tentou demonstrar racionalmente a afirmação da existência de Deus se tornaram estranhos e anacrônicos.
Por outro lado, não se sabe que as descobertas científicas tenham provocado o êxodo das religiões, que seria razoável esperar.
A razão é uma só: não é na realidade externa, na criação do Cosmo, por exemplo, que Deus pode ser encontrado ou negado.
Ele está dentro de cada pessoa ou não está em lugar algum.
Somos finitos: percebemos que após três ou quatro gerações, a lembrança de nossa passagem por este planeta estará apagada, como um risco na água.
Somos solitários: percebemos a separação de nossos destinos, até na fusão do ato amoroso, cada corpo com sua história e carregado com seus projetos.
Nos sentimos insignificantes, dispensáveis, entre os bilhões de seres que se movimentam sobre a Terra.
Como, então, poderíamos evitar a tentação de acreditar que estamos no mundo por vontade de uma entidade imune ao tempo, absorvível em nosso âmago, impressionantemente poderosa, a qual nos ama e espera?
Contra o medo de existir sem um amparo forte assim, o que podem fazer as verdades das Ciências?
A velha frase “se os homens foram criados por Deus, eles pagaram com a mesma moeda” confirma-se na simples observação de que até barbas brancas possui o Deus-Pai nas estampas que O representam.
E mais: sua psiquê é toda humana, no seu relacionamento com os seres humanos. Enfurece-se, quando desobedecido, premeia, quando agradado, igualzinho a qualquer um de nós.
As possibilidades, portanto, são todas de que o homem é que O tenha criado, forçado pela angústia da sua fragilidade, e, O cultue, temeroso do peso da verdade por Ele amenizada.
Mas, nada há de errado em sermos o que somos.
Vulneráveis, finitos, às vezes, angustiados.
Ainda assim, com dignidade e forças emocionais e intelectuais suficientes para não precisarmos nos apoiar nenhuma autoilusão.
*Oswaldo Coimbra é escritor, jornalista e pesquisador. Escreve sempre às quintas-feiras.