Um processo que investiga denúncias de supostas irregularidades praticadas pela Secretaria de Saúde Pública do Pará (Sespa) na contratação do Instituto de Olhos Fábio Vieira S/S, ainda na gestão do ex-governador do estado, Simão Jatene (PSDB), envolvendo a quantia de R$ 13,2 milhões, estaria até o momento paralisado na Promotoria de Justiça de Defesa do Patrimônio Público e da Moralidade Administrativa, segundo informações repassadas ao Ver-o-Fato.
Trata-se do programa Caravana Oftalmológica ProPaz, que realizou cirurgias de catarata em municípios paraenses. As denúncias são de fraude em licitação, uma vez que há indícios de que a empresa responsável pelo serviço foi beneficiada e teve acesso ao edital antes da publicação no Diário Oficial do Estado do Pará e em dois jornais locais.
De acordo com o parecer técnico, assinado pela assessora especializada de apoio técnico operacional judicial e extrajudicial do MP, Jamylle Hanna Mansur, a publicação da chamada pública foi dia 01 de abril de 2013, havendo publicação no Diário Oficial do Estado do Pará e em dois jornais de grande circulação, no entanto, a carta proposta da empresa é de 27 de março de 2013, listando exatamente os documentos exigidos no edital, ou seja, “é um indício forte de que a empresa teve acesso ao edital antes da publicação”.
Segundo o parecer, da leitura do termo de referência, instrumento que deveria deixar claro a forma de prestação do serviço, percebe-se inúmeras exigências infundadas e deficientes, que, possivelmente, afugentaram interessados. Esse tipo de termo de referência/projeto básico é o que se conhece como “projeto mágico”:
O edital de chamada pública nº003/2013, aponta o parecer, sequer previu como seria a prestação do serviço se houvesse o credenciamento de mais de um interessado. “Todos participariam da caravana? Cada um com seus veículos? Como seria a divisão dos serviços? E os custos? Isso tudo torna evidente que havia um indicativo forte de que uma única pessoa jurídica atenderia os requisitos”, ressalta o documento.
“Resta claro que o serviço contratado não se tratava de uma mera prestação de serviços médicos e sim deles com a junção de uma estrutura móvel, que oneraria o serviço e deveria ser contratada através de um processo competitivo, avaliando todos os seus custos e com quantificação de atendimentos e procedimentos, o que não vimos no caso em análise”, prossegue o parecer.
Conforme a assessoria técnica, um projeto básico deficiente não apenas sujeita o responsável à penalização, mas também leva à anulação de contratos, isso porque são nulas as licitações baseadas em projeto incompleto, defeituoso ou obsoleto.
Para a assessoria, é justamente isso que acontece nas fraudes do tipo “projeto mágico”. “Nesse contexto, as licitações se baseiam em especificações incompreensíveis, incompletas, defeituosas, direcionadas, restritivas”, explica o parecer.
Diz ainda o documento que há uma imprecisão no objeto do edital, pois não diz que as unidades móveis assistenciais devem ser disponibilizadas pelo contratado, tal situação, só pode ser averiguada com uma leitura mais acurada do termo de referência, que diz em seu item 9.4, que a contratada deverá dispor duas unidades móveis, uma cirúrgica e outra ambulatorial e descreve toda a estrutura que elas deverão conter (inclusive identificação visual com logomarca do governo), além de todo um rol de recursos humanos, assim como do vestuário com padrão definido pela Sespa, havendo modelo dos jalecos.
Ou seja, a Sespa precisava de um prestador de serviço para realização de cirurgias de catarata e que disponibilizasse unidades móveis para um fim específico, onde o usuário não teria escolha ao ser atendido.
O parecer técnico é sobre inquérito civil decorrente de notícia sobre a contratação do Instituto de Olhos Fábio Vieira. O inquérito foi remetido para a assessoria do MP porque os autos foram devolvidos com diligência pelo Conselho Superior do Ministério Público do Estado do Pará e considerando fatos novos trazidos aos autos, por isso precisando de uma reanálise da contratação.
No termo de referência, afirma o parecer, diz que o prazo de início da prestação será de até 10 dias contados a partir da assinatura do contrato, um prazo curtíssimo para se ter a disposição todo o aparato necessário que o serviço necessitava (a não ser, óbvio, que a estrutura já estivesse pronta, o que é bem incomum para o serviço), sendo essa cláusula totalmente incompatível com o credenciamento.
Um relatório e dúvidas
No contrato firmado, nº 11/2013, consta que o valor mensal estimado era de R$ 1.999.990,79, valor este com a classificação orçamentária, no entanto, a programação do estimado mensal só foi incluída nos autos em 07 de maio de 2013, portanto, após a homologação do credenciamento e um pouco antes da assinatura do contrato.
“Qual o motivo dessa estimativa não ter sido publicada no edital de credenciamento? Se ela que justamente daria uma noção da quantidade de serviços envolvidos”, questiona o parecer, ressaltando que essa planilha só retrata os valores dos procedimentos pagos pelos SUS, restando a dúvida de como os outros custos foram arcados.
O parecer informa ainda que consta uma “correspondência interna” encaminhando um relatório de vistoria técnica datada dia 08 de abril de 2013, no entanto, a data que consta no relatório é 19 de setembro de 2013 e a data do protocolo interno é de 9 de outubro de 2013, ou seja, a data da vistoria, ao que tudo indica, foi bem posterior a data da assinatura do contrato, que é de 13 de maio de 2013.
“Não há como saber se essa data (08/04) foi colocada com intuito de “arrumar o processo” ou se foi um erro de digitação, o fato é que não houve vistoria prévia, havendo um indício de que aquela cláusula estava ali para inibir outros participantes ou para inabilitá-los, caso fosse necessário”, constata.
Além disso, continua, neste relatório consta que os médicos relacionados no credenciamento não possuíam o CRM secundário para atuar no Estado do Pará, já que os médicos eram de outro Estado.
Conforme consulta ao Portal da Transparência do Estado do Pará, ao total foram pagos R$ 13.204.532,32 para o Instituto, sendo que, os pagamentos ocorridos no ano de 2014, no caso, R$ 3.066.061,25, são referentes a serviços ocorridos em 2013 (despesas de exercícios anteriores).
No que tange aos e-mails e fotos encaminhados, o conteúdo só corrobora com os indícios de que havia um contato prévio com a empresa bem antes da contratação e apesar de não ser proibido conhecer práticas exitosas de prestação de serviços em outros estados, é, no mínimo estranho, tantas tratativas terem sido realizadas diretamente com representantes da empresa e não com o governo do Acre.
Vale dizer, que Luciano Goulart, mencionado diversas vezes era representante da empresa no Acre, que também era conhecida como Centro Avançado de Oftalmologia, já havendo denúncia envolvendo este Centro em Mato Grosso referente a pagamento de cirurgias de catarata não realizadas.
Por fim, ressaltamos que em 30 de abril de 2020, a Auditoria Geral do Estado do Pará protocolou notícia de fato informando o conteúdo dos e-mails constantes neste inquérito e encaminhado diversos anexos referentes ações de improbidade sobre o objeto em tela, inclusive, condenação do Instituto De Olhos Fábio Vieira S/S pelo Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios, no entanto, ao que tudo indica, até a presente data, não há auditagem referente a execução do serviço, completa o parecer.
Com a palavra, o MP
O Ver-o-Fato procurou o Ministério Público para saber se o caso está ou não parado no órgão. Em resposta lacônica, o MP assim seu manifestou:
“O Inquérito Civil não ficou parado, tramitou normalmente. Já foi devidamente instruído e encerrado pela 3ª Promotoria de Justiça de Defesa do Patrimônio Público e da Moralidade Administrativa (3ª PJDPPMA). No momento a Promotoria está elaborando a peça conclusiva”.
A provocação feita ao Ministério Público foi originada a partir de manifestação da Auditoria-Geral do Estado (AGE), nos termos que seguem abaixo:
“Em face de Simão Robson de Oliveira Jatene, ex-governador do Estado do Pará; Luciano Goulart, diretor executivo da empresa CORH, não sendo possível qualificá-lo; Wilson Araújo, diretor comercial da empresa CORH, não sendo possível qualificá-lo; Gleise Meira, membro do Núcleo de Demanda Judicial da Secretaria de Saúde do Estado do Pará, não sendo possível qualificá-la; Zenaldo Coutinho Júnior, ex-secretário especial respondendo á época pela Secretaria de Assistência Social, Seter, Sejudh, Defensoria Pública, Hospital Ofhir Loyola, Santa Casa de Misericórdia, Hemopa, Hospital das Clínicas e Fundação de Atendimento Socioeducativo, domiciliado no palácio Antônio Lemos, na Praça Dom Pedro II, Cidade Velha; Maria Rute Tostes da Silva, funcionária da Sefa; Maridalva Pantoja Dias, ex-secretária de Saúde do Estado do Pará; Hélio Franco, secretário de Saúde a época do programa; Heloisa Maria Guimarães, secretária-adjunta da Sespa à época do programa; Jorge Antônio Bittencourt, presidente do Propaz à época do programa; Instituto de Olhos Fábio Vieira S/S, sociedade simples pura, inscrita no CNPJ n.º 01.862.347/0001-06, contratada pela Sespa, com o quadro de sócios constituído por Fábio Vieira da Silva e Maria Tereza de Arruda Silva, em face dos seguintes fatos que ensejam atuação do Ministério Público do Estado do Pará.
A Auditoria Geral do Estado-AGE tomou conhecimento do Inquérito Civil (SIMP n.º 000050-151/2014), que visa apurar possíveis irregularidades na contratação do Instituto de Olhos Fábio Vieira S/S pela Sespa para atuação no programa do ProPaz. A reportagem jornalística do Diário do Pará denunciava que a empresa contratada fora escolhida pela administração pública de forma indicada e ilegal por intermédio de credenciamento, que se trata da chamada pública 003/2013/SESPA. Para tanto, teria violado à Lei nº 8.666/93 e o procedimento para realização de credenciamento.
A redação do jornal afirmou ter acesso a e-mails combinando a confecção da Nota Técnica a qual justificaria a contratação da empresa Instituto de Olhos Fábio Vieira S/S o que representaria comprovação de direcionamento do certame para a empresa contratada, o jornal também teria obtido imagens que comprovariam a presença de agentes públicos da Sespa em visita à empresa contratada antes do credenciamento ocorrer.
Pois bem, segue em anexo a troca de e-mail que principalmente trata do ajuste direto com o Instituto vencedor, praticamente dois anos antes de falsear o procedimento licitatório.
Há troca de e-mail entre o senhor Wilson Araújo (comercial da empresa CORH) solicitando reunião com Maridalva Pantoja e Hélio Franco, e-mails do sócio da empresa Fábio Vieira ao Sr. Luciano Goulart (diretor executivo da empresa CORH), confirmando a reunião na sede da Secretaria de Saúde do Pará.
Nos e-mails, ainda é possível verificar a fala do sócio Fábio Vieira que confirma que o Sr. Luciano Goulart é homem de confiança do sócio do Instituto de Olhos e o senhor Wilson Araújo cobra o percentual que irá receber por estar fazendo toda a negociação no Estado, inclusive gastos com passagens, hotel, e demais assuntos.
Em setembro de 2011, a Dra. Heloísa Guimarães, então assessora de gabinete na Secretaria de Saúde, entra em contato via e-mail com o diretor de marketing do Instituto de Olhos solicitando nova reunião para confeccionarem em conjunto nota técnica sobre o projeto COHR.
Em outra troca de e-mails, a senhora Heloísa menciona que a nota técnica, elaborada pela própria empresa vencedora, seria encaminhada para a CPL e que já tinha a aprovação pelo então secretário de Estado Sr. Hélio Franco.
Há inclusive contato para acertar o projeto Catarata junto com o então governador do Estado Simão Jatene, sendo enviadas fotos da reunião e seus componentes. A reunião ocorrida contou também com a presença do então secretário especial Zenaldo Coutinho, como podemos ver no documento em anexo.
Consta ainda que a Dra. Heloísa, funcionária da Sespa à época, tinha, a convite da empresa e com todas as despesas pagas, ido conhecer o projeto desenvolvido no estado do ACRE. A legenda da foto é clara ao mencionar que a reunião aconteceu com o objetivo de “montar o esquema para não haver licitação”.
Nota-se, com isso, a existência de inequívocos indícios de irregularidades na prestação dos serviços contratados pela Secretária Estadual de Saúde Pública (SESPA) sem a observância do devido processo licitatório, para atendimento do Programa Governamental Presença Viva.
A notícia veiculada no jornal Diário do Pará no dia 24 de fevereiro de 2014, trouxe a seguinte manchete “R$ 24 milhões – ProPaz fez contrato sem licitação: Secretaria Estadual de Saúde Pública (SESPA) usou artifícios para fugir da licitação e, assim, escolher a dedo a empresa vencedora de contrato milionário para cirurgias de catarata na caravana do ProPaz”, anunciando possíveis irregularidades na contratação da empresa Instituto de Olhos Fábio Vieira S/S.
Dos aspectos jurídicos
As condutas trazem indícios que podem ser tipificados na legislação penal, após apresentarem malversação do dinheiro público, como apropriação e desvio dos recursos repassados ao terceiro setor. Neste cenário, verifica-se que há elementos suficientes para ampliar esta investigação, vez que se encontra irregularidade na dispensa da licitação, bem como na contratação dos serviços médicos e oftalmológicos, clínicos e cirúrgicos, em unidades móveis assistenciais, através de chamadas públicas e credenciamentos. A Auditoria Geral do Estado, inferindo pela existência de indícios de irregularidades, observa urgência na realização de diligências deste caso, haja vista a possibilidade de prescrição dos atos de improbidade administrativa pelo decurso do tempo. Com isso, instaurou investigação preliminar, posteriormente convertida na ordem de serviço n.º 010|2020-GAB de 20 de abril de 2020.
Nas diligências já realizadas, esta AGE-PA requereu por meio do 0fício n.º 399|2020 de 20 de abril de 2020, à Promotoria de Defesa do Patrimônio Público e da Moralidade Administrativa, cópia integral do inquérito civil (SIMP00050-15/2014), para melhor análise.
Igualmente, foram notif os ex-sedores, para que apresentassem as declarações de bens entregues no período em que figuravam como servidores públicos, dos últimos 05 anos, de acordo com o art. 13 da Lei 8.429/92 que prevê: Art. 13.
Por meio dos ofícios n.º 407|2020-AGE ao Propaz e n.º 408|2020-AGE à Sespa, datados de 24 de abril de 2020, foram solicitadas todas as documentações relativas ao acompanhamento da caravana da catarata, solicitando também a relação dos municípios que foram beneficiados com o atendimento, bem como cópia dos relatórios técnicos e de fiscalização, além de toda documentação relativa à fiel execução do objeto contratado.
Nesse cenário, também, resta inequívoco concluir que as condutas apuradas se deram com pleno conhecimento e intenção dos representantes legais do Instituto dos Olhos Fábio Vieira S/S.
De tudo o que foi exposto, esta Auditoria Geral do Estado recomenda que sejam tomadas medidas no sentido de apurar os fatos trazidos, a fim de adotar as devidas providências que V. Exa entender por direito. Colocamo-nos à disposição dessa Promotoria de Justiça, reiterando votos da mais elevada estima e consideração. Belém, 30 de abril de 2020. Giussepp Mendes.”
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