Lideranças Kayapó, Munduruku e ribeirinhos de três dos principais afluentes do rio Amazonas também visitam comunidades afetadas pela mineração na Irlanda do Norte e na Escócia.
Os Kayapó que protegem o oeste da Bacia do Xingu, os Munduruku, que vivem às margens do rio Tapajós, juntamente com ribeirinhos e assentados do rio Trombetas se unem a pesquisadores e a uma rede de organizações da sociedade civil (London Mining Network) para divulgar os impactos já sentidos e riscos futuros da mineração em grande escala nas bacias de três dos maiores afluentes do rio Amazonas.
Na próxima quarta-feira (08/05), durante todo o dia, líderes indígenas e comunitários que dependem das águas de rios e igarapés para tomar banho, pescar, cozinhar e beber, estarão na University College of London (UCL) expondo o enfrentamento com grandes empresas que extraem ouro e bauxita (matéria-prima para as latas de alumínio) na Amazônia. E abastecem os mercados do Brasil, Europa e Ásia.
Em comum, elas obtiveram licenças sem consulta às populações tradicionais, como exige a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) – ratificada pelo Congresso há 20 anos – e sem avaliação de impacto específica para as comunidades.
“Desde 2016 estamos pedindo um estudo de impacto para a mina de ouro subterrânea da Serabi Gold”, diz Doto Takak Ire, presidente do Instituto Kabu, uma associação indígena que reúne 15 aldeias dos Kayapó do grupo Mekrãgnotí, no sudoeste do Pará.
Mina britânica no Pará foi condenada
A mina Coringa da Serabi, comprada pela britânica Chapleau em 2017, fica a menos de 10km do limite da Terra Indígena Baú e há 15km da aldeia Kamure, também filiada ao Kabu. Depois de ter sido condenada na justiça por ignorar o processo de consulta, a empresa fez um acordo para realizar um estudo de impactos, “mas mostrou um texto preliminar que nossos técnicos questionaram. Fizemos uma lista de 16 pontos, que não foi respondida. Mas a Serabi insiste que o impacto é zero”. As duas aldeias do Instituto Kabu na TI Baú romperam o acordo quando o prazo para a realização do estudo venceu, cansados de esperar por transparência.
Nos últimos três anos, a Serabi ainda com uma licença de pesquisa, registrou a retirada de mais de 145 quilos de ouro da mina e afirma em seu website que espera obter a licença definitiva ainda este ano.
O Brasil é um dos países com mais reservas minerais do mundo e nas últimas duas décadas a contribuição do setor para o Produto Interno Bruto (PIB), variou entre 2,5% e 4%, segundo estudo do IPEA. Porém, ainda não há indicadores para calcular os prejuízos ao meio ambiente e à sociobiodiversidade da atividade mineradora. Um dos setores que que mais causam impactos negativos: desmatamento, erosão, contaminação de rios, aumento da dispersão de metais pesados, alterações da paisagem, do solo, danos à fauna e à flora e impactos muitas vezes irreversíveis no modo de vida de populações locais.
Bauxita e Mineração Rio do Norte
Na Serra do Aramã, em Oriximiná, no noroeste do Pará, ribeirinhos de quatro comunidades tradicionais no Baixo Trombetas descobriram que a Mineração Rio Norte (consórcio que reúne Vale, Rio Tinto e outras grandes mineradoras) havia começado a extrair bauxita pelo barulho incessante das máquinas, dia e noite: “A gente não conseguia dormir,” lembra Jesi Ferreira de Castro, da comunidade São Francisco. Sem aviso e sem consulta, as comunidades perderam naquele ano o acesso ao pé da Serra, região rica em frutas como pequiá, cajá, castanha e cumaru. A riqueza de alimentos em Aramã também atraía muitos animais e era área de caça dos ribeirinhos.
Em 2020, depois de muita pressão, as comunidades conseguiram que a MRN fizesse um estudo de impacto, que não registrou a fuga dos veados, pacas e cotias causadas pelo desmatamento, a mudança na cor da água dos igarapés, que ficaram avermelhados como a bauxita, o replantio de árvores de raiz profunda em poucos palmos de terra e o fato de não terem vingado. E nem a escassez dos peixes, que como os animais terrestres, migraram. “Aqui, peixe que não morre, vai embora,” diz Castro, que denuncia ainda o desabamento das encostas do que sobrou da serra oca, contaminando nascentes. “Vamos para a roça e levamos água, porque a que tem lá, não dá mais para beber”.
Em Aramã, não houve lavagem da bauxita e barragens, um risco permanente para a floresta em volta. O minério era transportado para barragens perto da área de beneficiamento. Reduzida a um morro seco pela mineração, não há rejeitos. Só cicatrizes.
A extração acabou depois da pandemia e, em 2023, as quatro comunidades da área, conhecida como Maria Pixi, enfrentaram a pior seca de que tem lembrança na região. “Tem gente que foi embora porque não conseguia mais sobreviver aqui. Não tem caça, não tem peixe, não tem fruta. Quem foi embora, foi mesmo para trabalhar lá, na mineração. E deixou a família aqui”. A MRN também derrubou castanhais que sustentavam outras comunidades em Oriximiná e tem áreas sobrepostas não somente a comunidades tradicionais, mas também de quilombolas.
Indígenas divididos
Mineradoras também são acusadas de dividir as comunidades. Já havia uma cisão na Terra Indígena (TI) Baú causada pelo aliciamento do garimpo. Em 2019, três aldeias deixaram o Instituto Kabu e criaram outra associação. O cacique Bepdjo Mekragnotire, da aldeia Baú, que é a aldeia-mãe desta TI, lamenta: “estávamos todos juntos na luta pela demarcação nos anos 1990. O garimpo colocou pais contra filhos e irmãos contra irmãos. E a Serabi faz a mesma coisa”.
O povo Munduruku, que ainda não conseguiu homologar todo o seu território tradicional, ao longo do rio Tapajós, também está dividido. A testagem de 197 indígenas de diferentes idades realizada a pedido dos indígenas pela Fundação Oswaldo Cruz, enfrentou dificuldades pela oposição de lideranças ligadas ao garimpo. Através de amostras de cabelo, os Munduruku confirmaram o que já suspeitavam: 57,9% apresentaram níveis acima dos limites considerados seguros de mercúrio no corpo. O mercúrio é usado por garimpos ilegais para separar da lama retirada por dragas no leito do rio. Já a mineração industrial utiliza cianeto.
As ameaças de morte a lideranças contrárias ao garimpo têm sido constantes, mas a única opção oferecida pelo Estado é tirar as lideranças do território e colocá-las no Programa de Proteção a Testemunhas do Ministério da Justiça.
Exigindo transparência, segurança e estudos de Componente Indígena e de Impacto Socioambiental, a delegação de indígenas e ribeirinhos paraenses começou no final da semana passada longas viagens de barco e de avião para chegar a Londres em uma viagem idealizada pelo pesquisador Brian Garvey, da Universidade de Strathclyde, na Escócia.
Alumínio e ouro, extraídos legal e ilegalmente dos rios paraenses que desembocam e formam o Amazonas chegam ao mercado interno e são exportados para a Europa e Ásia.
Consumidores informados e conscientes podem ajudar a pressionar o setor e o governo brasileiro a respeitar o direito das populações tradicionais a seu modo de vida, interdependente da floresta; e a adotar um maior controle sobre os danos ambientais causados pela atividade. O Instituto Brasileiro de Mineração (IBRAM) anunciou que as empresas vão ampliar em pouco mais de R$ 2 bilhões os investimentos socioambientais em 2023, tendo recolhido R$ 82,6 bilhões em impostos em 2022. Em grandes e importantes rios amazônicos, estes investimentos ainda não se refletem em redução de impactos.
Garvey vai levar o grupo para a Irlanda do Norte e para a Escócia, para que conheçam comunidades locais também afetadas pela mineração e uma perda de território. “Uma coisa que os visitantes e as comunidades aqui têm em comum,” diz Garvey, “ é a convicção de que a organização local e o fortalecimento das relações além-fronteiras são fundamentais para prevenir mais exploração e danos, não apenas onde vivem, mas à escala global.”