A sete meses das eleições, o engajamento de jovens de 16 e 17 anos é o mais baixo já registrado pelo Tribunal Superior Eleitoral. Até o fim de janeiro, 731 mil cidadãos dessa faixa etária, para a qual o voto é facultativo, tinham se cadastrado como eleitores. As inscrições seguem abertas até 4 de maio, mas, hoje, esse número representa cerca de 10% dos menores de idade aptos a votar e pouco menos de um quarto do total que foi às urnas três décadas atrás.
Aos 16 anos, Antônio Lacerda resume esse desinteresse pelas eleições e a desilusão com a política. “Estudar é muito mais recompensador do que ler o projeto dos candidatos, sabendo que, no fim, tudo pode não ter passado de fachada”, disse o estudante, morador de Cruzeiro (SP). “Minha única ligação com a política foi escutar na família como o candidato X roubou e como o Y foi bom. Não acho essa fonte tão confiável.”
Todo esse desânimo tem crescido a despeito dos esforços do TSE. Desde 2020, a Corte vem promovendo ações para incentivar a participação de jovens na política. Nas últimas eleições municipais, o tribunal lançou uma campanha para que cidadãos de 15 a 25 anos gravassem vídeos com sugestões de como melhorar suas cidades. A ideia era aumentar o número de votantes menores de 18 anos que, na época, foi de 914 mil.
O voto facultativo para pessoas de 16 e 17 anos foi aprovado na Constituição de 1988, mas a Corte tem dados comparativos somente a partir de 1992, quando o total de eleitores nessa faixa etária alcançou 3,2 milhões.
No ano passado, o TSE lançou nova campanha, no rádio e na TV, de vídeos protagonizados por atores de aparência juvenil com mensagens de estímulo à participação nas eleições. Também explorou redes sociais e plataformas de áudio. O empenho do tribunal, contudo, não bastou para superar fatores estruturais que, segundo analistas, têm afastado os jovens das urnas.
Questões como envelhecimento de líderes partidários, desconfiança no sistema político e falta de perspectiva de emprego e renda são apontadas como causas do encolhimento do voto jovem. Para o cientista político da USP José Álvaro Moisés, a retórica de deslegitimação da política, usada pelo presidente Jair Bolsonaro (PL) e outros candidatos em 2018, reforçou essa tendência. “Jovens nessa idade estão na fase de serem atraídos para a política. Justamente no momento em que são convocados pelas instituições a participar, os discursos antipolítica os afastam.”
Moisés citou, ainda, a polarização entre Bolsonaro e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) como fator limitante neste ano. “A polarização tira opções inovadoras e impõe a repetição daquilo que já ocorreu com o País. São dois personagens muito conhecidos e considerados velhos na política. Lula teve dois mandatos e apoiou dois da Dilma (Rousseff). Os resultados, sobretudo do ponto de vista econômico e do emprego, foram negativos. Ficou uma imagem ruim.”
Morador de Belo Horizonte, Cristiano Rodrigues, de 17 anos, pretende votar em outubro, mas critica a ausência de candidatos mais novos nas disputas. “É frustrante saber que a decisão do Brasil está relacionada só a duas pessoas.”
A estudante Ana Maria Fukuda, de 17 anos, de São Paulo, por sua vez, disse não se sentir preparada para votar em outubro por desconhecer os candidatos. E essa falta de informações, segundo ela, é resultado do desinteresse pela política e pelos projetos de quem vai se candidatar. “É uma grande responsabilidade e eu nunca tive interesse em política.” O argumento é o mesmo de Ellen Gerding, de 17 anos. “Quando você vai votar, é preciso saber quem é o candidato, e eu não tive interesse para pesquisar”, afirmou a estudante de Itapecerica da Serra (SP).
Para Moisés, a ausência de eleitores abaixo dos 18 anos gera um “déficit democrático”. Isso significa que pautas importantes para o segmento, como inserção no mercado de trabalho e enfrentamento de mudanças climáticas, ficam em segundo plano nos projetos de governo. “A possibilidade de novos temas e novas agendas se reduz. Há, hoje, no governo, decisões contra direitos caros aos jovens, como de escolha sexual e respeito a etnias. E vemos violentos ataques a mulheres.”
Cofundadora do instituto Update, Beatriz Della Costa também vê prejuízos ao sistema democrático. Segundo ela, isso reflete nas universidades, que perdem o papel de espaço de articulação. “Política virou sinônimo de briga, assunto chato, que desgasta. Afasta o jovem essa sensação de guerra.”
Na avaliação do cientista político e professor do Insper Carlos Melo, a atuação dos jovens na política é limitada, hoje, pela incapacidade das legendas de adaptar suas estruturas internas. “Muitos partidos, sobretudo na esquerda, que sempre mobilizou mais os jovens, têm gente na direção partidária há 40 anos. As estruturas burocráticas, hierarquizadas, abriram pouco espaço.”
Diretor de Ensino Médio da União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (Ubes), Pedro Feltrin reconhece que a entidade sofreu esvaziamento. “Vemos cada vez mais desinteresse, porque as condições de vida atuais deixam a juventude sem perspectiva “
O cientista político Marco Antônio Teixeira, da FGV-SP, vê um paradoxo neste cenário. O engajamento está em queda no momento em que, segundo ele, existem mais canais de formação política. É o caso dos grupos suprapartidários e de renovação. “Isso significa que a situação poderia estar pior. O que poderia mobilizar o jovem hoje seriam políticas de emprego e de inserção na universidade. Se participar pouco do processo decisório, sem dúvida diminui sua capacidade de pressão por políticas públicas voltadas para essa faixa etária.”
O estudante Vinicius Benevides, de 16 anos, de Fortaleza, se associou, em fevereiro, ao movimento de renovação Acredito, do qual fazem parte, por exemplo, o senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE) e a deputada Tabata Amaral (PSB-SP). “No meu círculo não tem muita gente engajada e eu queria ter mais trocas”, disse ele, que votará em outubro. “É uma forma de mudar as coisas, de ter esperança.”
Baixa renovação nos partidos afasta jovens das urnas
Movimentos de renovação política como o Acredito investem na interação com jovens para tentar engajá-los nas agendas defendidas pelo grupo. Na avaliação desses coletivos, a falta de identidade ideológica dos partidos inibe a participação do segmento no processo político e eleitoral.
Segundo o coordenador de mobilização do Acredito, Iuri Belmino, a atuação da organização, às margens da institucionalidade político-partidária, atrai jovens insatisfeitos com as siglas. Os motivos, afirmou Belmino, são os escândalos de corrupção, a falta de democracia interna e a manutenção de velhos caciques nas posições de comando.
“Isso tudo causa repulsa nos jovens. Movimentos da sociedade civil com mensagens mais modernas e táticas de comunicação mais rápida na internet preenchem esse vácuo”, observou Belmino.
Esse entendimento é compartilhado pelo paulista Loretto Casoti, que completa 16 anos em maio e espera ansioso para tirar seu título de eleitor e votar em outubro. Casoti contou que ele e os amigos são politicamente engajados e debatem o tema na escola e em atividades de lazer. No entanto, afirmou que entende o desinteresse de jovens de sua idade pelo assunto, o que pode ser atribuído, segundo ele, à incapacidade dos partidos de se comunicar por meio de outras linguagens, como a das redes sociais. “Seria interessante ver propagandas políticas que explorassem mais o Twitter e aproveitassem assuntos presentes no cotidiano dos jovens.”
O coordenador do Acredito destacou, ainda, que a falta de políticos mais jovens nos quais os adolescentes possam se espelhar é um fator de afastamento das urnas. Integrante do Acredito, a deputada Tabata Amaral (PSB-SP) é, atualmente, o principal “imã político” do grupo. A parlamentar foi criada na periferia de São Paulo. Estudou em Harvard, em Boston. Teve bolsa integral oferecida pela própria instituição de ensino. Lá, se formou em Ciência Política e se especializou em astrofísica. “Ela é a grande inspiração da maioria dos jovens que se encanta pela nossa proposta. A história de vida dela ressoa em muitas pessoas”, disse o coordenador do Acredito.
Para Belmino, também é fundamental para atrair os jovens a inclusão de “conteúdos transversais”, que ensinem fundamentos políticos nas escolas. “Não podemos esperar que essa formação venha de casa, porque a maior parte das famílias sofre com problemas muito mais urgentes.”
Na avaliação do cientista político da USP José Álvaro Moisés, a retomada do cadastramento eleitoral dos jovens requer das instituições um esforço. Esse trabalho, segundo ele, deveria incluir a realização de cursos de formação dentro dos partidos e o fortalecimento do ensino de conceitos políticos e do funcionamento de cada um dos três Poderes da República na escola
“Desenvolver a economia, gerar mais empregos, criar possibilidades de formação nas universidades. Todas essas questões dependem da política. É preciso explicar que os direitos que interessam aos jovens estão ligados, em última análise, ao funcionamento da política. Não existe saída fora dela”, afirmou Moisés. O professor observou que os mais novos associam a política à subordinação ao governo e às leis, e não ao exercício da cidadania. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.