Uma equipe médica da Santa Casa do Pará realizou durante à noite de ontem, com sucesso, o aborto humanitário na adolescente que tem problemas mentais e foi estuprada pelo pai, engravidando dele – como o Ver-o-Fato divulgou anteontem, com exclusividade. A menor passa bem e está em fase de recuperação, na UTI.
Foi a primeira vez que a Santa Casa do Pará realizou esse tipo de procedimento cirúrgico, que foi determinado por decisão judicial lavrada pelo juiz de Igarapé-Miri, Arnaldo José Pedrosa Gomes. Para a realização da cirurgia, o hospital público mobilizou uma grande equipe.
A Santa Casa chegou a divulgar hoje que não havia se negado a realizar a cirurgia, mas a verdade é que o procedimento só foi realizado após a intervenção da Secretaria Estadual de Saúde (Sespa). Porém, uma fonte da própria Santa Casa revelou ao Ver-o-Fato, pedindo para não ter o nome divulgado e assim evitar represálias, que a adolescente, ao vir de Igarapé-Miri para ser internada e operada no hospital teve a internação recusada.
A menina, diante da recusa do hospital, teria de retornar à Igarapé-Miri, mas a Sespa interveio, determinou a internação e o procedimento cirúrgico. O Ministério Público Federal (MPF) entrou no caso e enviou uma recomendação aos órgãos do Estado, reforçando o pedido de realização da cirurgia.
O abortamento humanitário foi realizado em duas etapas e, segundo médicos, esse ´processo provocou uma evolução técnica e institucional na Santa Casa. A direção do hospital inicialmente alegou que não tinha condições de fazer a cirurgia. O Sistema Único de Saúde, como foi informado ao MPF, não realiza esse tipo de procedimento.
Ou seja, a menor teria que ser transferida de Belém para outros estados mais capacitados à realização do abortamento humanitário. O caso era de extrema urgência e, no final, tudo deu certo.
“Correção de postura exemplar da Santa Casa, diz promotor
“O cumprimento da decisão judicial, apesar de algumas resistências iniciais, foi satisfatório. O papel do Ministério Público do Pará foi buscar a resolutividade na defesa dos direitos da vítima, além de conduzir o processo com redução de danos, evitando situações de revitimização, com atendimento de modo a garantir a menor quantidade de traumas possíveis para a vítima alvo de violência”, declarou ao Ver-o-Fato o promotor Emério Mendes, autor do pedido à Justiça para o abortamento humanitário.
Ele disse que a vítima, após o procedimento cirúrgico, deve ter a atenção que o caso dela requer, para ter boa recuperação e retomar sua vida. “Vamos também buscar a responsabilização penal dos envolvidos”, resumiu o fiscal da lei.
Sobre o papel da Santa Casa, o promotor argumenta que a “correção de postura do hospital foi exemplar, resgatando a tradição que ela tem de vanguarda no atendimento das vítimas”. Emério Mendes destacou o fato de o hospital ter mobilizado uma grande equipe médica de profissionais para dar suporte ao procedimento.
“Sespa deve criar protocolo”
“Nós podemos dizer que o Estado do Pará, com essa intervenção, agora está alinhado com os outros seis estados da Federação que possuem as condições de realizar esses procedimentos”, afirmou o promotor.
Ele espera que a Sespa, a partir de agora, “institucionalize um protocolo de atendimento para casos análogos em razão das peculiaridades do nosso Estado, onde muitas vezes vítimas que moram em regiões afastadas e difícil acesso, isoladas, só conseguem o apoio das autoridades, infelizmente, em estágio mais avançado de gravidez. A ausência desse protocolo pela Sespa pode submeter as vítimas a maiores danos e traumas psicológicos em razão da falta desse serviço”.
Entenda o caso
A jovem de 17 anos submetida ao aborto legal sofre de retardamento mental e engravidou do próprio pai, que está com prisão preventiva decretada. Além disso, ela também teria sido abusada sexualmente por vizinhos. O transtorno psíquico da adolescente foi agravado em decorrência dos estupros e o feto que ela carregava no ventre teria síndrome de down.
Na decisão, o juiz Arnaldo Pedrosa Gomes trata a adolescente como menina, pois o comportamento mental dela é igual ao de uma criança. A garota, para completar, sofreu maus tratos por parte de familiares, os quais a abandonaram, recusando-se a comparecer às instituições para assumir responsabilidades, fatos que estão ensejando investigações para as providências na
seara criminal. Ela foi abrigada em uma escola de Igarapé-Miri.
Segundo a decisão do juiz, a vítima “não possui condições psicológicas e emocionais para continuar a gravidez em decorrência de maiores traumas, eis que está bastante sequelada pela sucessão de violências sofridas, bem como sua família a negligencia.
Destaque-se que medida excepcional se justifica com medida humanitária, com o objeto de impedir situação maior violência e sofrimento, com reforço de traumas decorrentes de sucessivas violências e abandono”.