Leony Pinheiro, b-boy integrante da seleção brasileira, aprova projeto de lei para implementar política pública de incentivo à modalidade e aponta os maiores desafios no Estado: “A dificuldade financeira e a falta de logística são os dois maiores monstros”
Com exatos 14 anos de atuação profissional e sem ainda dispor em Belém de espaço apropriado para treinar os criativos e frenéticos movimentos que o levaram à seleção brasileira, o b-boy Leony Pinheiro, 25, pode ser um dos grandes nomes do Pará beneficiados por um projeto de lei considerado ambicioso e inédito no País, apresentado recentemente pelo deputado Raimundo Santos (Patriota), que prevê instituir o “Programa Estadual de Formação de Campeões do Breaking” para as Olimpíadas de 2024 na França, Jogos Olímpicos seguintes e inclusive competições nacionais e internacionais dessa modalidade que promete ser uma das maiores sensações – senão a de maior destaque – em Paris daqui a dois anos.
Na semana passada, ele teve breve encontro com o autor da PL na Assembleia Legislativa (Alepa), a convite do próprio parlamentar, recebeu uma cópia da proposição e relatou o que sabe sobre a realidade dos praticantes de breaking na capital e em todo o Estado. O deputado Raimundo Santos o informou então que está marcando sessão especial para debater políticas públicas de incentivo ao breaking, um dos pilares do movimento hip hop, tendo como base o que preconiza a proposta de seu projeto no âmbito estadual. Serão convidados para o debate praticantes e representantes de grupos de breaking e de esferas de governo, entre outros.
Na reunião na Alepa, Leony contou sua história de vida, as metas que já alcançou na carreira e o exemplo em que se tornou na comunidade do 40 Horas, bairro do município de Ananindeua, na Região Metropolitana de Belém (RMB), quase uma década e meia de exibições plásticas que vêm encantando em “batalhas” pelo mundo.
Desde pequeno de natureza imperativa, ex-carateca da faixa verde, ele mudou o curso de sua trajetória quando viu um b-boy no histórico Mercado de São Brás, em Belém, “sair intacto”, conforme disse, após uma pirueta girando a cabeça. “É isso o que quero para mim”, decidiu ele, que deseja fazer sua mãe chorar de novo – de alegria – como medalhista na capital francesa, de preferência com o ouro olímpico. Leia abaixo a entrevista exclusiva concedida ao Ver-o-Fato.
Como foi a reação do pessoal do breaking sobre o projeto de lei para a implementação do programa estadual?
Leony Pinheiro – Todos eles simplesmente adoraram, acharam incrível. “Já pensou se dá certo? Ter um espaço, um auxílio?”, teve esse comentários. Qualquer coisa que seja para somar, para ajudar, e no nosso ponto de vista essa é uma boa ideia do deputado Raimundo Santos, um projeto que tem tudo para ser aprovado e ajudar de fato. Espero que à frente se torne realidade.
O Pará pode mesmo ser a principal referência no Brasil na revelação de nomes às Olimpíadas de 2024?
LP – Com certeza. Temos chance total de ser a referência nos Jogos Olímpicos, não só comigo, mas com b-boys como o Kley, o Kapu, a Mini Japa, que agora são também da seleção brasileira. O Pará já vem sendo destaque nacional há anos com vários dançarinos, e já foi destaque mundial comigo, por exemplo. Então por que não lá? A gente tem total chance – total chance! [enfatiza] O que precisamos é de incentivo para dar o nosso melhor.
Quantos seriam hoje os paraenses com talento suficiente para compor uma seleção de breaking?
LP – Aqui no Pará a gente tem vários nomes. Posso citar tranquilamente de dez a doze, que têm potencial para se tornar medalhistas olímpicos. Eles já são b-boys e b-girls com destaque nacional em eventos.
Há muitas dificuldades para a prática dessa modalidade no Pará?
LP – Há diversas dificuldades, além das que são particularidades de cada um. Uma delas é que não tem espaço adequado para nós, dançarinos de breaking. A gente não tem esse espaço no Pará. Outros Estados têm esse área específica para dançarinos, principalmente de breaking, como é caso de São Paulo, mas no Pará a gente não tem. Na maioria das vezes a galera tem de ir para uma praça, uma escola, e dividir [a área] com outras pessoas. Também não tem auxílio financeiro, incentivo, uma bolsa para que esses b-boys e b-girls tenham pelo menos esse apoio, esse auxílio para continuar se dedicando. A dificuldade financeira e a logística são os dois maiores monstros em nosso Estado. A gente precisa de apoio para continuar dançando, treinando e rendendo o máximo possível.
Mesmo com nome conhecido no Brasil e no mundo e compondo a seleção, você ainda enfrenta algum problema?
LP – Ainda não estou rico. [Risos] Trabalho para isso. Ainda tenho muita dificuldade. Não é porque estou hoje em um patamar um pouquinho acima de outros dançarinos do nosso Estado que eu não tenha. Ainda sofro com dificuldades com espaço para treinar. Se eu não for construir o meu, não tem. Estou treinando na reitoria da UFPA [Universidade Federal do Pará], um espaço que a gente já ocupou. Essas dificuldades estão aqui. O financeiro também não é lá essas coisas, a gente está buscando. Eu ainda passo algumas dificuldades. Apesar dos problemas, já estamos melhores, abrindo um caminho para as futuras gerações não passarem por isso.
O que o Comitê Olímpico do Brasil e o Conselho Nacional de Dança Desportiva já prometeram ou garantiram aos atletas da seleção?
A gente está entrando em uma etapa auxiliar. Antes, se eu me machucasse, precisaria pagar um médico, um fisioterapeuta, não havia auxílio. Agora eu tenho um auxílio médico. Estamos debaixo de um guarda-chuva, a CNDD e o COB já estão trabalhando para um CT [Centro de Treinamento] nacional. A gente já tem ajuda monetária. Estamos entrando em alguns lugares, é um caminho. Estão prometendo um circuito patrocinado, vamos ter campeonato brasileiro, sul-americano, municipal, estadual. Tudo isso está encaminhado.
Se os Jogos da França fossem ocorrer nesse ano, quais seriam os países mais fortes nas disputas?
LP – Estados Unidos e Japão. São dois países que, a meu ver, têm chances muito grandes porque estão organizados, contam com CTs específicos para o breaking, dão uma atenção aos b-boys e b-girls. Para você ver, a última eliminatória que teve das Olimpíadas, já para o breaking, quem ganhou foi um cara dos Estados Unidos, todas as excelências em notas. Estão investindo e vem dando resultados. O Brasil, mesmo sem todo esse investimento, ainda assim consegue o quarto lugar lá na França, em dezembro. Sem todo esse recurso, a gente ainda consegue chegar lá. Então imagina com investimento, apoio, todo o aparato simplesmente para dar o nosso melhor. É certeza de medalha.
Sobre as suas atuações, sempre muito elogiadas, o que faz nas batalhas é treinado ou tem muito improviso?
LP – [Divertido] Tudo treinado, nada sai na hora, a não ser a emoção, o sorriso, que é espontâneo. Eu realmente me divirto, é o que eu gosto de fazer. Mas tudo, tudo que faço ali é treinado. Toda a minha dança, cada passo, cada detalhe é pensado, treinado, feito da maneira que treinei. Claro, tem um improviso aqui e ali, e geralmente uma brincadeirazinha, porque estou à vontade. Quando estou batalhando é porque estou à vontade, sem pressão nenhuma ou nervosismo. Sou bem focado com relação à minha dança.
Por suas expressões, não tem um pouco de “marra”?
LP – É personalidade. [Gargalhada] É uma coisa que é identidade, né? [Mais risos] É a minha maneira de dançar, às vezes eu boto uma cara feia, às vezes vou zoar ou rir, mas tudo faz parte. Agradem os outros ou não, mas enfim, sou eu. Não posso mentir para quem eu sou.
Qual, afinal, a importância do breaking para você, o que já conquistou e até onde pretende chegar?
LP – O breaking é a minha vida. Antes de ser o meu trabalho, o breaking é onde eu me encontro, onde relaxo, é o meu mundo. As pessoas me perguntam: “Qual é a tua profissão?” Sou b-boy. Danço breaking; é isso. Eu não costumo dizer que sou atleta. “Você é o quê?” Sou b-boy. Além de ser o meu trabalho, é minha diversão, o meu amor, o hobby, tudo ao mesmo tempo. Por isso faço com tanto amor, tanta alegria, e talvez tenha chegado tão longe. Acho que se você não trabalha com o que gosta, vai chegar a um certo tempo que não vai mais conseguir. O breaking é o meu mundo, o que eu mais gosto na vida, já me levou para lugares que se eu fosse médico nunca iria. Em nenhuma outra profissão iria vivenciar algo parecido. Já rodei o mundo, estou no terceiro passaporte, prestes a ser vencido, e já vivenciei experiências que nem uma outra profissão me daria. Além de tudo, o breaking me formou como pessoa. Acho que isso é a coisa que consegui: alcancei algumas metas por meio do breaking que sempre quis, como me tornar referência para algumas pessoas muito específicas e no meu bairro. Consegui buscar experiências novas, culturas, pessoas e povos diferentes, tudo isso o breaking já me proporcionou e ainda vai proporcionar mais, com certeza, porque vou buscar isso. Em 2024, vocês me aguardem, não vou prometer agora a medalha, mas que estarei lá porque estou trabalhando, treinando para isso, focado nisso. Eu me dedico já há 14 anos ao breaking, e agora mais ainda. Estou com esse objetivo na minha vida, de trazer essa medalha e fazer mais uma vez minha mãe chorar… De alegria! [Risos]
Que mensagem você deixaria para o público infantojuvenil que sinta curiosidade ou interesse no que você faz?
LP – [Concentrado] Vocês que não conhecem o breaking… Ou melhor: conheçam a cultura hip hop. Se vocês se apaixonarem dentro dela pelo breaking, pelo DJ, rap, pelo MC, e numa dessas quiserem aprender o breaking, ele é um mundo livre, é onde vocês vão se encontrar, é uma dança que faz bem para tudo, para a mente, para o corpo. Então conheçam o breaking, o hip hop, e, enfim, busquem o conhecimento, que é o mais importante.