A promotora de Justiça, Ana Cláudia Pinho, da área de Direitos Humanos do Ministério Público do Pará vai expedir recomendação a todos os shoppings de Belém para que adotem medidas de proteção, com a instalação de telas que inibam atitudes de pessoas que eventualmente circulem por suas instalações buscando tirar a própria vida. A informação foi repassada ao Ver-o-Fato por uma fonte do MPPA. (Ler atualização, no final da matéria, em nota do MP)
Ela deve se reunir com as direções desse estabelecimentos para a efetivação dessas medidas. No shopping Doca Boulevard, em pouco mais de 48 horas, nesta semana que terminou, duas pessoas cometeram suicídio, atirando-se de andares superiores.
Em alguns estados, medidas de proteção em áreas descobertas e com grandes altitudes, por fora e na parte interna desses shoppings já estão sendo tomadas por empresários para garantir maior segurança a seus clientes. Em Olinda (PE), o Shopping Patteo colocou uma tela de proteção, mais ou menos a partir do andar L2. O shopping estava tendo um expressivo número de su!c!d!os no local.
Em Belém, apesar dos casos recorrentes de suicídios no Doca Boulevard, a direção não tomou nenhuma providência, recebendo críticas de quem frequenta o local e também de internautas, nas redes sociais.
Nas décadas de 60 e 70, os casos de suicídio que ocorriam em Belém tinham como ponto de referência o então prédio mais alto da Região Norte, o “Manoel Pinto da Silva”. No último andar desse edifício, o 26º, existia até um bar-restaurante.
Era o pretexto de alguns para subir e lá de cima atirar-se para a morte. O bar foi fechado, após várias críticas, inclusive da imprensa, que ainda trata o suicídio como tabu e se nega a divulgar os casos. Hoje, o local escolhido é o shopping da Doca, o que já deveria ter merecido a devida atenção dos proprietários.
Como a justiça vê isso?
O desembargador Roberval Casemiro Belinati, do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios Membro da 2ª Turma Criminal e que também é professor universitário em Brasília, afirma que o shopping center “tem responsabilidade civil subjetiva e objetiva no desempenho de suas atividades”.
Em caso de suicídio praticado no interior do estabelecimento, diz ele, o dever de indenizar os dependentes do suicida depende da comprovação da culpa do shopping na ocorrência do ato. “Mas em relação aos consumidores prejudicados pelo suicídio, por exemplo, se o suicida cair sobre uma pessoa, ou bem, ao se projetar de certa altura, o shopping será obrigado a indenizar independentemente de sua culpa”, observa o magistrado.
“Trata-se aqui de responsabilidade civil objetiva e solidária, eis que o espólio do suicida também pode responder pelos prejuízos. Assim, se o suicídio ocorrer no interior do shopping, tem-se a responsabilidade civil subjetiva em relação aos dependentes do suicida, e a objetiva, em relação aos consumidores que forem prejudicados pelo ato”.
Segundo Roberval Belinati, como ainda não existe uma lei especial disciplinando as relações jurídicas dos shopping centers, a solução para os casos de suicídio deve levar em conta os princípios inseridos nos artigos 186 e 927 do Código Civil, assim dispostos: “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.”
E “Aquele que, por ato ilícito (artigos 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo. Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.”
Também devem ser considerados, em relação a terceiros, o disposto no art. 6º da Lei nº 8.078, de 11/11/90 (Código de Defesa do Consumidor): “São direitos básicos do consumidor: IV – a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos”. No caso da responsabilidade civil subjetiva, também se aplica o disposto no artigo 945 do Código Civil, verbis: “Se a vítima tiver concorrido culposamente para o evento danoso, a sua indenização será fixada tendo-se em conta a gravidade de sua culpa em confronto com a do autor do dano.”
Neste caso, argumenta ainda o desembargador, a indenização será proporcional, tendo em vista a culpa concorrente do suicida. Caberá então ao juiz avaliar o grau da culpa do suicida e do shopping para estabelecer o percentual correspondente a cada um. Tratando-se de responsabilidade civil objetiva, a indenização deverá ser integral. Em tal hipótese, o shopping poderá ajuizar ação regressiva contra o espólio do suicida para postular o ressarcimento dos prejuízos suportados frente a consumidores.
“O shopping não tem responsabilidade civil objetiva em relação aos dependentes do suicida, porque estes terão que provar a culpa do centro comercial na ocorrência do suicídio, para requerer qualquer indenização. Já os prejuízos causados aos consumidores pelo suicídio serão avaliados no campo das relações de consumo, considerando que as pessoas vão ao shopping center atraídas pela publicidade, pela comodidade e confiantes de que estarão seguras no local, daí a responsabilidade civil objetiva do empreendimento diante dos consumidores”.
Consequências no Direito
Por envolver o fim à vida humana, o suicídio produz reflexos em todos os ramos do Direito. Na área do Direito Civil, por exemplo, em se tratando de obrigações, a primeira conseqüência é o desaparecimento de uma pessoa que ocupava um de seus pólos. No Direito de Família, várias são as conseqüências, como a saída do familiar, o fim do casamento, o fim do concubinato.
Em termos de direitos de sucessões, abre-se a sucessão e os bens são transferidos aos herdeiros do falecido. Na área previdenciária, o suicídio não é óbice ao recebimento de pensão por morte, e não sendo premeditado, não impede o recebimento de apólice de seguro de vida.
No Direito Penal, o suicídio não é crime, até por uma questão lógica, pois não haveria como punir o cadáver, mas é crime induzir, instigar ou auxiliar alguém a praticar o suicídio. Na área processual penal, comprovado o óbito, extingue-se a punibilidade do suicida então processado pela prática de algum ilícito penal, gerando o arquivamento do processo criminal.
O suicídio também pode acarretar a obrigação de indenizar àquele que auxiliou, induziu ou instigou a prática do suicídio, como também àquele que nada fez para impedi-lo, ou para dificultá-lo, quando tinha esse dever.
O consumidor prejudicado pelo suicídio pode arrolar no pólo passivo da ação de indenização o espólio do suicida e a administração do shopping. Pode, pois, processar um ou outro, ou ambos na mesma ação. No caso de dependentes do suicida, a ação de indenização deve ser ajuizada contra a administração do shopping.
Na defesa do shopping, para excluir a sua responsabilidade pelo suicídio, não prospera o argumento de que a pessoa pode colocar fim à sua vida em qualquer lugar ou que é impossível adivinhar que alguém esteja planejando se suicidar no interior do edifício. Ainda que a justificativa seja verdadeira, a administração do empreendimento não está isenta da obrigação de oferecer segurança e proteção às pessoas que freqüentam o local.
Por isso a comprovação de qualquer falha no sistema de segurança ou no projeto arquitetônico do shopping pode ser suficiente para acarretar o dever de indenizar, mas isto no caso de culpa.
Exclusão de responsabilidade
O suicídio só será causa de exclusão da responsabilidade civil do shopping, em relação aos dependentes do suicida, se não houver qualquer dúvida sobre a eficiência da segurança oferecida. Situação distinta, porém, em relação aos consumidores prejudicados pelo suicídio, porque aqui a responsabilidade civil é objetiva, a qual dispensa a comprovação de culpa do shopping.
Basta ao consumidor provar que sofreu dano, moral ou material, para fazer jus à indenização. Até mesmo um lojista do shopping center pode requerer indenização se provar que os casos de suicídio ocorridos no interior do shopping têm causado prejuízo ao seu comércio, ao afastar os consumidores do centro comercial. Mas neste caso terá que provar a culpa do empreendimento em relação à ocorrência do suicídio no interior do estabelecimento.
Jurisprudência, o que diz
A jurisprudência dos Tribunais Superiores tem sido bastante sensível quanto às obrigações dos shopping centers, tanto que os empreendimentos comerciais têm sido obrigados a indenizar os danos causados por furtos ou roubos de veículos praticados em seu estacionamento, independentemente da demonstração de sua culpa.
Assim, se respondem pelos danos causados pelos furtos ou roubos de veículos, muito mais sustentável e importante se revela a sua responsabilização pela morte de pessoas no interior do shopping.
Prevenção
A prevenção pode desestimular a pessoa de cometer o suicídio em momento de desespero. Se ela encontra no shopping um parapeito mais alto, uma área de risco gradeada ou cercada por vidros, pode desistir do ato. Em Brasília, por exemplo, a Torre de TV, instalada no centro do Plano Piloto, era conhecida como o palco dos suicídios. Depois de mais de vinte ocorrências no local, o Governo do Distrito Federal instalou grades de proteção em toda a área. Resultado: caiu a quase zero o número de suicídios no local.
Suicídios no mundo
Segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), cerca de 1 milhão de pessoas morrem, todos os anos, no mundo, vitimadas pelo suicídio, o que resulta em taxa global de 16 casos por 100 mil habitantes. No Brasil, segundo dados do Ministério da Saúde, a taxa de mortalidade por suicídios é de 4,5 casos para cada grupo de 100 mil habitantes. Ou seja, cerca de 8 mil suicídios são praticados todos os anos em nosso país, sem contar os casos de tentativa, sendo o suicídio hoje uma das três causas mais freqüentes de morte entre homens e mulheres entre 15 e 44 anos.
Maiores causas
As desordens mentais (particularmente depressão e abuso de substâncias químicas, especialmente álcool e drogas) estão associadas a mais de 90% de todos os casos de suicídio. Normalmente os suicídios ocorrem durante períodos de crise da família ou diante de uma decepção ou frustração decorrente, por exemplo, do fim de um relacionamento conjugal, fim ou crise no namoro, perda do emprego, endividamento pessoal, ou até mesmo dificuldade nos estudos.
Em casos recentes registrados no interior de um shopping center de Brasília, foi constatado que um jovem tinha pulado do quarto andar do edifício porque estava sofrendo de depressão; em outro caso, porque o suicida tinha brigado com a namorada; em outro, porque a mulher, que inclusive estava grávida, tinha se desentendido com o marido; em outro, porque o jovem descobrira que a namorada estava grávida, provavelmente de outra pessoa; em outro, porque o sujeito estava endividado.
Em alguns casos, houve espetáculo público, cenas demoradas, causando desespero, sofrimento e traumas em muitas pessoas que presenciaram o suicídio. Se esses suicidas tivessem encontrado alguma dificuldade, como, por exemplo, um parapeito mais alto, grades ou vidros em áreas de risco, certamente que muitas vidas teriam sido salvas.
Além de problema de saúde pública, o suicídio também deve ser visto como problema de segurança pública, porque o suicida ao se projetar do alto de um edifício pode cair em cima de pessoas ou bens.
Serviço e ajuda
LIGUE 188 ou acesse cvv.org.br
O CVV – Centro de Valorização da Vida realiza apoio emocional e prevenção do su!c!d!o, atendendo voluntária e gratuitamente todas as pessoas que querem e precisam conversar, sob total sigilo por telefone, email e chat, todos os dias, durante 24 horas.
Atualização, nota do MP
Em nota enviada ao Ver-o-Fato no começo da tarde deste domingo, 22, o Ministério Público informa que, a matéria veiculada acima, sobre adoção de medidas de proteção contra o suicídio pelo Centro de Apoio Operacional de Direitos Humanos (CAO), não é verdadeira, no que se refere à citação do nome da promotora Ana Cláudia Pinho, pois ela é a coordenadora do CAO.
” O Ministério Público também comunica que nenhum CAO possui atribuição para expedir recomendações. Porém, as medidas porventura pertinentes e cabíveis, serão adotadas pelos órgãos de execução do MPPA (Promotores de Justiça), com atribuição específica na matéria”.
Traduzindo a nota do MP: o promotor que fará a recomendação aos shoppings será outro e não integra o CAO. O nome do promotor não foi divulgado.