Novos estudos brasileiros revelam que mesmo após a cura, pacientes apresentam alterações no córtex cerebral e no padrão de conectividade funcional do cérebro
O novo coronavírus (Sars-Cov-2), causa da síndrome respiratória aguda grave que há mais de um ano e meio afeta países por todo o mundo, apresentou ao longo desse período uma grande evolução em seu quadro de sintomas e efeitos sobre o organismo. Muito além de comprometer apenas a capacidade pulmonar, sabe-se que o vírus também provoca acometimentos renais, cardíacos, hepáticos e, sobretudo, neurológicos.
Casos conhecidos agora como “covid longa”, “covid-19 pós-aguda” ou “síndrome pós-covid”, têm provado que a doença pós-viral é mais prevalente do que se imaginava inicialmente. Além dos sintomas neurológicos presentes na fase inicial da doença, pacientes que não apresentaram complicações primárias ou comorbidades durante a infecção passaram a experimentar, meses depois, sequelas neurológicas críticas.
Um trabalho realizado pela Unicamp e Universidade de São Paulo (USP), junto ao Laboratório Nacional de Biociências (LNBio), Instituto D’Or de Pesquisa e Ensino (Idor) e Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), descobriu alterações tardias na estrutura do córtex cerebral, mesmo em pessoas com sintomas leves de Covid-19. Tal região está ligada a funções fundamentais, como consciência, memória, linguagem, cognição e atenção. A pesquisa também mostrou que o vírus é capaz de infectar e se replicar nos astrócitos – células de suporte e as mais numerosas do sistema nervoso central – prejudicando o funcionamento dos neurônios.
Outros dados preliminares de um recente estudo conduzido na Unicamp sugerem que, mesmo nos casos brandos, a Covid-19 pode alterar o padrão de conectividade funcional do cérebro, provocando uma espécie de “curto-circuito”. No cérebro normal, enquanto determinadas áreas estão sincronizadas durante uma atividade, outras permanecem em repouso. Nos indivíduos que tiveram Covid-19, notou-se uma perda severa da especificidade das redes cerebrais. Para compensar a falha no sinal, o cérebro ativa todas as redes simultaneamente, gastando mais energia e trabalhando de forma menos eficiente, o que pode indicar uma tentativa do cérebro de restabelecer a comunicação nas áreas afetadas.
Entenda o impacto da Covid-19 no cérebro
Estimativas sinalizam que cerca de 50% dos pacientes diagnosticados com Sars-CoV-2 apresentaram problemas neurológicos, como encefalite (inflamação no cérebro), anosmia (perda de olfato), acroparestesia (sensação de formigamento), aneurisma, acidente vascular cerebral (AVC) ou encefálico (AVE), síndrome de Guillain-Barré e outras diversas doenças.
“Nesse espectro de síndromes tardias associadas à Covid-19, os mais comuns atualmente incluem fadiga, névoa cerebral, dores musculares e nas articulações, distúrbios do sono, enxaquecas, dor no peito, erupções cutâneas, nova sensibilidade a cheiros e sabores, além da disautonomia, uma condição normalmente rara que causa um aumento rápido e desconfortável dos batimentos cardíacos quando a pessoa tenta realizar qualquer atividade”, explica o Dr. Feres Chaddad, Professor de Neurocirurgia da UNIFESP, especialista em danos neurológicos e Malformação Artério-Venosa.
A prevalência dos sintomas neurológicos é explicada pela forma como o vírus pode adentrar o cérebro. O Artigo “Lifting the mask on neurological manifestations of COVID-19”, publicado na revista Nature, avaliou que o novo coronavírus pode entrar no Sistema Nervoso Central (SNC) por duas vias distintas: disseminação hematogênica e disseminação neuronal retrógrada. Na disseminação hematogênica, o vírus se espalha por todo o corpo através da corrente sanguínea e, em seguida, entra no cérebro cruzando a barreira hematoencefálica, enquanto a disseminação viral retrógrada ocorre quando um vírus infecta neurônios na periferia e usa a maquinaria de transporte dentro dessas células para obter acesso ao SNC.
Necessidade e urgência do acompanhamento neurológico prolongado
“A implementação de centros de triagem neurológica é urgente. O acompanhamento longitudinal pós-infecção precisa ser indicado o quanto antes para pacientes recuperados e devem incluir avaliação neurológica, de imagem, laboratorial e neuropsicológica cuidadosa para examinar vários domínios cognitivos. Determinar em que medida a interação entre a infecção central e sistêmica leva a danos no SNC e alterações neurológicas, de maneira precoce, pode reduzir a incidência de danos graves e diminuir riscos futuros”, reforça o Dr. Chaddad.
O maior desafio nesse cenário é o monitoramento dos danos colaterais para o grupo de assintomáticos e não diagnosticados. A desatenção a sintomas neurológicos leves e intermediários, especialmente desses grupos ou com sintomas leves que não acessam o sistema de saúde, esconde a verdadeira taxa de danos presentes nos pacientes pós-covid. Para endereçar o desafio, os sistemas médicos precisam incluir em seus protocolos de acolhimento a anamnese correlacionando uma possível ligação entre danos neurológicos e o COVID-19, além de desenvolver estruturas de acompanhamento longitudinal para pacientes ambulatoriais de rotina. O investimento em políticas públicas também deve ser avaliado com maior atenção, visto que o contexto pode implicar impactos para todos os setores.