Conversando outro dia com um amigo, crítico literário, perguntei-lhe o que ele achava dos livros do americano Dan Brown, autor de “O Código da Vinci”, seu livro mais conhecido. Ele me olhou escandalizado. – Não é literatura! – disse-me, convicto.
Neste artigo não vou falar de Dan Brown, mas do sueco Stieg Larsson. Da sua trilogia, Millennium: “Os homens que não amavam as mulheres”, de 2005; “A menina que brincava com fogo”, de 2006; e “A rainha do castelo de ar”, de 2007. Os três livros somam pelo menos 1.500 páginas, viagem de alguns dias dos mais intensos que já vivi. É literatura policial de ponta. Coisa desses tempos pós-modernos do século 21.
Larsson não era nenhum Shakespeare, nenhum Faulkner, mas sabia escrever, e, sobretudo, sabia sobre o que estava escrevendo. Nasceu em 15 de agosto de 1954, em Estocolmo, onde viveu boa parte da sua vida, como um dos mais influentes jornalistas suecos. Aliás, o segundo papel mais importante da série Millennium é a de um jornalista, da revista Millennium, que dá, ao longo dos três livros, uma aula de jornalismo. Larsson trabalhou na agência de notícias TT e fundou e dirigiu a revista Expo. Denunciou organizações neofascistas e racistas, pelo que foi ameaçado de morte, e foi coautor de Extremhögern, livro sobre a extrema direita sueca.
Os três livros de ficção de Larsson constituem-se em verdadeira aula para estudantes de jornalismo. Mostra que o repórter, quando segue uma pista, por mais perigosa que seja, deve persistir, se vale a pena, considerando que sua denúncia será das mais relevantes para o bem-estar da democracia, ameaçada inclusive por outros jornalistas, aquela banda podre da profissão, os corruptos, que só têm um objetivo: pôr as garras em alguns maços de dinheiro.
Larsson morreu em 9 de novembro de 2004, aos 50 anos, de ataque cardíaco, ao subir os sete lances de escada da revista Expo, pois o elevador havia quebrado. Mas acabara de escrever e de entregar ao seu editor a série Millennium, publicada nos anos seguintes. Em 2013, a editora Norstedts convidou o escritor sueco David Lagercrantz a assumir a continuação da série, criando mais dois volumes: “A garota na teia de aranha”, de 2015, e “A garota marcada para morrer”, de 2017, ponto final à saga, que já vendeu mais de 100 milhões de livros em todo o mundo.
A série foi adaptada para o cinema, com a atriz Noomi Rapace no papel de Lisbeth Salander e Michael Nyqvist no papel do jornalista Mikael Blomkvist, após versão
hollywoodiana dirigida por David Fincher, na qual Rooney Mara é Lisbeth e Daniel Craig, o melhor James Bond, é Blomkvist, na adaptação do primeiro livro da série, “Os homens que não amavam as mulheres”.
Lisbeth é o nome da heroína da série Millennium. Aos 15 anos, Larsson testemunhou o estupro coletivo de uma jovem e jamais se perdoou por não tê-la ajudado. O nome dela era Lisbeth. Na ficção, Lisbeth Salander é uma hacker brilhante, desajustada social, bissexual, com corpo de menina, que faz justiça à sombra, especialmente quanto aos homens que não amam as mulheres, os machões de todos os quilates, dos apenas imbecis aos estupradores e assassinos.
Acabamos amando Lisbeth, desejando sua companhia, nem que seja apenas para sentar-se à mesa da cozinha, tomar café e bater papo com ela.
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