Quase duplicou, em menos de dois anos, o número de pessoas que passam fome no Brasil, dados divulgado no dia 8 de junho, segundo a pesquisa Vigisan (Inquérito Nacional sobre Segurança Alimentar no Contexto da Pandemia Covid-19 no Brasil). O levantamento completo foi realizado pela Penssan (Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional), que revelou um aumento de 14 milhões desde a última pesquisa em 2020.
São 125 milhões em insegurança alimentar (indivíduo não possui acesso físico, econômico e social a alimentos de forma a satisfazer as suas necessidades, conforme a definição da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura. Desses, 33,1 milhões de brasileiros passam fome (15,5% da população). São 6 em cada 10 pessoas no Brasil em insegurança alimentar hoje.
Em menos de dois anos um retrocesso de duas décadas. Cenário similar foi vivenciado na década de 80. Esse é o Brasil de Bolsonaro. Mais da metade da população (58,7%) acorda sem saber quando poderá ser a próxima alimentação. Há um elemento novo nessa pesquisa que relacionou a insegurança hídrica à alimentar.
Foi constatado que das famílias que revelaram ter dificuldade no abastecimento de água, 42% estão na calamitosa situação de fome. E das regiões onde se concentra o maior número de pessoas em situação de fome estão o Norte (71,6%) e o Nordeste (68%). O que exige dos governos dos Estados dessas regiões uma força tarefa para a concretização de programas sociais que minimizem esse caos social. Obviamente que a hierarquia desse combate deveria se dar desde o governo federal. Infelizmente, não parece ser uma prioridade do atual Presidente da República colocar comida na mesa da população brasileira e proporcionar condições dignas de vida.
Há outros elementos centrais nessa discussão como a raça e o gênero. Pesquisadores ressaltam que as famílias negras e chefiadas por mulheres são as mais atingidas, por exemplo: 65% dos domicílios comandados por pessoas pretas e pardas convivem com restrição de alimentos em qualquer nível; 63% dos lares com mulheres chefes de família apresentaram algum patamar de insegurança alimentar.
Apesar de as pesquisas serem fundamentais para traçar perspectivas de elaboração de políticas públicas (ou pelo menos, deveria ser), basta olhar para o lado para ver que a miséria, a carestia, o desemprego/subemprego, as diversas violências, atingem mais severamente as mulheres negras.
Sobre os benefícios sociais, pesquisas mostram que no momento mais agudo da pandemia quando houve o benefício de R$ 600,00, teve uma melhora nas condições de sobrevivência das famílias. O valor importa muito, sobretudo, numa realidade de aumento desenfreado da cesta básica, do botijão de gás, da tarifa de energia elétrica, e etc.
É preciso programas sociais específicos para minimizar essa situação aliado a um conjunto de medidas que garantam autonomia financeira, transversalizando com programas na área da saúde, educação, esporte/lazer, como funcionava na época do Programa Bolsa Família, ressaltando que a discussão sobre limites dos programas sociais caberia num texto próprio, daí que não faremos isso aqui em relação ao Auxílio Brasil.
A tática do momento do atual Presidente é a diminuição do preço dos combustíveis. Afinal, vale tudo para reverter as pesquisas que mostram Bolsonaro perdendo a eleição. Quem não lembra que a proposta dele era de R$ 200,00 como benefício no momento mais agudo da pandemia. Deveria ser real e urgente o empenho do governo em medidas concretas para retirar da fome milhões de pessoas.
Enquanto isso, o agronegócio bate recordes de produção, mas para exportação. É um paradoxo o Brasil ser grande produtor de alimentos e ter 33,1 milhões de pessoas passando fome. Isso se deve também à hierarquia da produção interna ser voltada para commodities e não para alimentação. E mesmo sem incentivo suficiente parte significativa do que chega à mesa dos brasileiros/as vem da agricultura familiar. Mas é necessário apoio governamental por meio de estímulo estruturado ao Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf).
Por fim, é fato que o sistema capitalista se estrutura a partir das desigualdades sociais e das opressões. Então, enquanto, a classe trabalhadora fissura o sistema através das lutas e organização política coletiva, é essencial para aliviar esse caos social, um conjunto de políticas sociais a partir de programas que garantam benefícios sociais.
São medidas paliativas, mas é urgente livrar 58,7% do povo brasileiro da fome ou da incerteza do dia seguinte. Enquanto, o Brasil for governado por um projeto antipovo será crescente o índice de pessoas jogadas no poço da miséria, da fome.
* Gizelle Freitas é Assistente Social e Mestra em Serviço Social pela UFPA. Especialista na Lei 10.639/03 que prevê o ensino da história e cultura afro-brasileira e africana nas escolas. Militante feminista antirracista. Para saber mais sigam minhas redes sociais.