Eduardo Fernandez – economista *
A palavra psicopatocracia não consta dos dicionários, mas deveria, pois descreve melhor que suas concorrentes democracia, aristocracia, plutocracia, monarquia, autocracia, e outras, os regimes que nos governam. E não só no Brasil!
Mesmo sem ser especialista, um pouco de leitura nos mostra que o psicopata ou sociopata – as expressões são quase sinônimos – apresenta, entre outras, as seguintes características, em graus variados: insensibilidade à dor de terceiros, falta de remorso e de lealdade, egocentrismo, mentem com frequência.
São calculistas e manipuladores e não se importam em ferir ou se aproveitar dos outros. Têm deficiente moralidade, adotam comportamentos antissociais, mas podem ser bem simpáticos quando lhes convém. São arrogantes e narcisistas. Psicólogos caracterizam o tipo como portador de Transtorno de Personalidade Antissocial (TPAS).
Um raciocínio típico de um sociopata é: “sei que este projeto é danoso para muitas pessoas, mas, como vou obter alguma vantagem (ganhar dinheiro, por exemplo) com ele, vou tocá-lo adiante”.
Alguns, talvez acometidos de formas mais graves da TPAS, acrescentarão: “se preciso subornando alguns” ou ainda “se fulano me atrapalhar mando matá-lo”. Tal “projeto” pode ser aprovar uma lei, uma obra ou muitas outras propostas.
Pode ser, também, dar início a algum projeto de extração de combustíveis fósseis, tal como a Petrobras defende hoje, quando já se sabe que, para evitar consequências catastróficas das mudanças climáticas, nenhum novo projeto do tipo deve ser iniciado.
Alguns argumentam que explorar a foz do Amazonas trará “desenvolvimento” para o Amapá, esquecendo-se de olhar, de forma mais sistêmica, que a maneira como tem se dado a exploração de recursos minerais em Carajás, no Norte Fluminense, em Itabira “apenas um retrato na parede. Mas como dói!”, e noutras regiões não implica “desenvolvimento” mas, sim, que alguns ganham dinheiro e muitos passam fome, sofrem violências e são assassinados.
Impressiona considerar que o exemplo citado de raciocínio de um psicopata, conhecido na Filosofia como utilitarista, é por demais comum em nossa sociedade; é, na realidade, a forma dominante de pensar e agir, tão comum que é considerada “normal”. Pior, quem se opõe a tocar tal tipo de projeto, em razão dos danos que causará apesar dos ganhos privados, é tido como louco! Por vezes, é acusado de ser “contra o desenvolvimento”!
Uma questão preocupante, que merece maior estudo e debate, é que os indivíduos que apresentam sociopatia costumam ser bem-sucedidos na vida política e em muitas organizações, empresariais ou não. Pense, caro leitor, num político, empresário, dirigente sindical patronal ou trabalhista, e noutros profissionais de “sucesso” e veja que muitos, talvez a maioria deles ou delas, apresentam tais características.
Claro que isso não se aplica universalmente: o Papa Francisco é uma pessoa de sucesso e não apresenta as características mencionadas! Entre políticos, magistrados, grandes empresários e muitos outros é fácil perceber evidências da TPAS.
São muitas as razões pelas quais tais indivíduos tendem a ter “sucesso”. Uma delas é que “sucesso”, em nossa sociedade, não mais tem a ver com ser feliz, saudável, ter amigos e uma vida agradável; define-se, muito mais, por ter e exibir poder e dinheiro! E muitos, para ter e exibir poder e dinheiro, pisam nos outros, mentem, se fazem simpáticos para, em seguida, trair, e a arrogância aparece como maneira de se sentirem “importantes”. Remorso, dirão, é coisa para os fracos.
Desta forma, indivíduos com TPAS fazem muito mal à sociedade e aos próximos, mas muitas vezes “sobem na vida”. Quantos presidentes, gerentes e “chefes” são conhecidos por exibirem comportamentos TPAS? Isso não significa, repito, que todos os que assumem postos de comando o fazem mediante esses comportamentos danosos e odiosos; há também casos de mérito e de sorte. Mas, a julgar pelos caminhos atuais das sociedades, parece que estes últimos são minoria!
Meu amigo Sérgio Senna, PhD em Psicologia, os caracteriza como psicopatas funcionais, pois sua psicopatia serve bem a organizações nessas sociedades que tanto valorizam o individualismo e a ganância! Esses aspectos de seus comportamentos os tornam aptos a realizar tarefas que seriam eticamente insuportáveis para outros seres humanos. Diz ele sobre os indivíduos com TPAS: “Em meio à manipulação que promovem no ambiente de trabalho, é fácil que se confunda: (1) falta de empatia com coragem; (2) egoísmo com zelo; e (3) manipulação com liderança.
Tomando isso em conta, e considerando as avançadas habilidades dessas pessoas para dissimularem as suas perversas estratégias, é extremamente difícil a identificação desses indivíduos, o que nos indica que eles estão à nossa volta e que, mantida a orientação social para o individualismo e para a ganância, provavelmente vieram para ficar”.
Assim, por ser tão comum o tipo de raciocínio citado, é razoável dizer que vivemos numa psicopatocracia, pois somos governados, em geral, por psico ou sociopatas. Esses indivíduos acabam sendo beneficiados pelas regras das disputas (eleitorais, por participação no mercado, por “crescimento” pessoal na hierarquia); assim, esses portadores de TPAS acabam por assumir posições de comando nas nossas sociedades e as conduzem, como tem se tornado cada vez mais claro, ao desastre social e ambiental.
Não se importam – senão da boca para fora – com a fome e a miséria e, enquanto perseguem objetivos individuais, não se cansam de mentir e nos iludir com a promessa de “desenvolvimento”!
Parece inexistir tratamento para a psicopatia. Assim, além de procurar desenvolver maneiras de mais facilmente identificá-los e curá-los, há que se privilegiar a cooperação e a harmonia para enfraquecer a psicopatocracia e tentar recriar a democracia.
- Eduardo Fernandez Silva é economista e ex-diretor da Consultoria Legislativa da Câmara dos Deputados. eduardofernandez@congressoemfoco.com.br