Laura Girardi Hypólito – doutoranda em ciências criminais
Não é surpresa para ninguém o fato de a política de drogas brasileira ser ineficiente e problemática. Em nível nacional, em diferentes espaços institucionais existe o reconhecimento dos equívocos e limitações da legislação para resolver as diversas dinâmicas que envolvem as drogas ilícitas. Internacionalmente, o tema voltou ao foco no último dia 8 de novembro, a partir da publicação do Índice Global de Política de Drogas, que classificou o Brasil na pior posição do ranking dos trinta países analisados.
O estudo elaborado pelo Harm Reduction Consortium surge como uma ferramenta que busca descrever, avaliar e comparar distintas políticas nacionais de drogas e suas implicações, ao atribuir a cada país uma pontuação e classificação. Os parâmetros de avaliação são compostos por 75 indicadores abrangidos em 5 grandes dimensões da política de drogas relacionadas aos direitos humanos, justiça criminal, saúde e desenvolvimento. De acordo com os critérios do índice, a pontuação de cada país pode ir de 0 a 100, tendo a média global ficado nos 48 pontos.
Nesta primeira publicação foram analisados trinta países de todas as regiões do globo e o Brasil ficou na última colocação, marcando apenas 26 pontos, atrás de Uganda (28 pontos), Indonésia (29 pontos) e Quênia (34 pontos). Dentre os melhores colocados estão países como Noruega (74 pontos), Nova Zelândia (71 pontos) e Portugal (70 pontos), conhecidos por suas políticas de drogas engajadas com estratégias de redução de danos, inclusão social e descriminalização dos usuários.
Mas o que fez o Brasil marcar uma pontuação tão baixa no estudo? A resposta reside principalmente no fato de a política de drogas brasileira – governo, legislação e atores – não estar alinhada a compromissos de respeito aos direitos humanos, dignidade e saúde pública, como determinam os tratados da Organização das Nações Unidas. Em um país com alto índice de desigualdade social e com um histórico de legislações ineficientes em proteger usuários, focadas na criminalização e passíveis de interpretação pelos atores da administração da justiça criminal (como policiais, promotores, juízes e desembargadores etc.), a política de drogas brasileira tem a receita perfeita para o desastre.
E os resultados apresentados pelo Índice evidenciam essa realidade. Ao colocar luz sobre problemas relacionados à brutalidade policial, execuções extrajudiciais cometidas por agentes estatais, uso excessivo do encarceramento como resposta para crimes não violentos e ausência de adoção de políticas de redução de danos, o estudo realça o verdadeiro fracasso do Estado brasileiro para implementar e gerir políticas públicas em matéria de drogas e segurança.
Ainda que o Brasil tenha marcado uma pontuação extremamente baixa em praticamente todos os eixos de análise apresentados no índice, alguns indicadores precisam ser evidenciados. Acerca das execuções extrajudiciais relacionadas ao controle das drogas e cometidas por agentes da lei, o Brasil foi o único país analisado onde o uso desnecessário de força letal na repressão às drogas é visto como endêmico.
Nesse sentido, apenas no ano de 2020, de acordo com o Anuário Brasileiro de Segurança Pública, 6.416 pessoas foram vítimas da letalidade policial no Brasil. Esse número, o maior registrado desde que a série histórica começou no ano de 2013, demonstra como o país tem lidado com o uso da força. Tendo como maioria dos mortos pela ação da polícia homens (98,4%) negros (78,9%) e jovens (76,2%), chacinas como a que ocorreu no Massacre do Jacarezinho em maio deste ano, e que deixou 29 mortos, têm sido cada vez mais frequentes.
Outro indicador relevante foi referente à internação compulsória de usuários para tratamento e a não adoção de políticas de redução de danos. Com a implementação de medidas fundamentadas na abstinência e na repressão criminal, a partir da lei 13.840/2019 (nova lei de drogas) sancionada no governo de Jair Bolsonaro, a modalidade de internação involuntária de usuários passou a ser legalmente admitida. Essa medida, amplamente reconhecida por ser contrária aos direitos humanos dos usuários, é defendida ferozmente por conservadores bolsonaristas como Osmar Terra, que ironicamente também foi uma das principais vozes do negacionismo no decorrer da pandemia de Covid-19 no Brasil.
Questões como a obrigatoriedade da aplicação de penas mínimas para delitos envolvendo drogas e o fato de o consumo e porte para uso pessoal ainda serem considerados crime foram fatores que do mesmo modo contribuíram para que o Brasil ficasse na última colocação do Índice Global de Política de Drogas. E a Lei 11.343/06, em vigência há mais de quinze anos e considerada a principal responsável pelo encarceramento massivo de jovens negros e moradores de periferias no país, age como fio condutor para toda gama de incoerências presentes na política de drogas brasileira.
Atualmente com 759.518 pessoas privadas de liberdade, o Brasil é o terceiro país que mais encarcera no mundo e o segundo em termos de crescimento. Agora, mesmo não sendo surpresa para ninguém, o país é o líder entre aqueles com as piores políticas de drogas do planeta. Seguimos. (Matéria originalmente publicada no site Fonte Segura)
- Doutoranda em Ciências Criminais na PUCRS, pesquisadora visitante na uOttawa e membro do GPESC