A morte do presidente do Irã, Ebrahim Raisi, em um acidente de helicóptero, deixa a disputa pela sucessão do líder supremo do Irã, Ali Khamenei, mais aberta, mas não deve mudar a política do regime do país persa, segundo analistas entrevistados pelo Estadão.
Raisi era considerado um dos favoritos para suceder Khamenei, que tem 85 anos, e é o verdadeiro responsável por decidir os rumos do país. O líder supremo do Irã também tem o poder de escolher quem pode concorrer a cargos políticos.
O presidente estava no cargo desde junho de 2021. Em 2017, Raisi perdeu as eleições para o moderado Hassan Rohani, que não concorreu em 2021 por já ter cumprido dois mandatos no cargo. “Quando Raisi concorreu e perdeu para Rohani, já dava para ver que ele não era nada carismático e nem popular”, aponta o professor da Universidade Federal Fluminense (UFF) e pesquisador da Universidade de Harvard, Vitélio Brustolin.
“Uma das razões de Khamenei ter permitido que Raisi concorresse as eleições em 2021 foi porque ele não considerava Raisi uma ameaça ao seu poder”, afirma Brustolin.
Nas eleições de 2021, Raisi entrou no pleito como o favorito do regime e foi eleito com 72,35% dos votos. O pleito, no entanto, aconteceu com o menor comparecimento da história da República Islâmica – dos 59 milhões de cidadãos aptos a votar, pouco mais de 28 milhões foram às urnas. O sentimento era de que a eleição serviria apenas para coroar um candidato com vitória já esperada, o que gerou apatia generalizada entre os eleitores iranianos.
Khamenei não permitiu a candidatura do ex-presidente iraniano Mahmoud Ahmadinejad no pleito. Ahmadinejad defendeu um boicote às eleições de 2021 e não reconheceu os resultados.
Para o professor da UFF, o papel cumprido por Raisi foi de fachada e os iranianos sabiam que as decisões eram tomadas por Khamenei. “Durante os protestos em 2022 e 2023 pela vida das mulheres no Irã, após a morte de Mahsa Amini, poucos manifestantes protestaram contra Raisi, eles protestaram contra Khamenei porque sabiam quem de fato governava”.
O ex-presidente era uma escolha segura para o regime, explica Brustolin. O especialista aponta que, com a morte de Raisi, o filho de Ali Khamenei, Mojtaba Khamenei, passa a ser um dos favoritos para a sucessão de seu pai.
Apesar de possíveis mudanças na ordem de poder do Irã, as políticas do país persa não devem mudar. “Khamenei controla tudo, a Guarda Revolucionária e as Forças Armadas”, destaca o professor de relações internacionais da ESPM, Gunther Rudzit.
O especialista destaca que uma possível mudança na política iraniana só deve ocorrer quando o aiatolá Ali Khamenei falecer. “Mesmo assim, a ala mais conservadora do Irã vai fazer de tudo para manter o controle do país”.
Já o professor de relações internacionais da Universidade de Londres e especialista em Irã, Karabekir Akkoyunlu, aponta que o sucessor de Raisi também deve ter um perfil linha-dura, sem representar uma mudança nas políticas iranianas.
“Todas as principais instituições da República Islâmica estão sob o controle do setor mais tradicionalista, o novo presidente seria deste grupo”, explica Akkoyunlu.
Mesmo que as evidências indiquem que Israel não tem nenhuma culpa no acidente que vitimou Raisi, é difícil prever os próximos passos de Teerã em relação a Tel-Aviv após a morte do presidente iraniano.
“Normalmente eu diria que o impacto geopolítico seria mínimo, mas como se trata de um momento excepcionalmente volátil e perigoso em toda a região, é difícil fazer esta afirmação com absoluta confiança. Certamente acrescenta mais uma camada de complexidade a um quadro regional já complicado”, aponta o professor da Universidade de Londres.
No dia 13 de abril, o Irã realizou o maior ataque de sua história contra Israel, que contou com 170 drones, 30 mísseis de cruzeiro e 120 mísseis balísticos, sinalizando que Teerã conseguiu obter um grande poderio militar, mesmo com as múltiplas sanções econômicas e embargos contra o país.
O ataque contra Israel ocorreu em retaliação a um bombardeio aéreo atribuído a Tel-Aviv que matou sete pessoas, incluindo dois oficiais da Guarda Revolucionária do Irã, no dia 1 abril na embaixada do país em Damasco.
O Irã também apoia diversos grupos armados no Oriente Médio. Este apoio faz parte de um instrumento de política externa do país persa, por razões militares e também religiosas. A República Islâmica é xiita, assim como os Houthis no Iêmen e o Hezbollah no Líbano. Já o grupo terrorista Hamas é sunita, mas se aproximou do país persa nos anos 90, por representar a maior oposição a Israel, após os Acordos de Oslo, em 1993.
A queda do helicóptero: imagens
Equipes de emergência do Irã recuperaram na manhã desta segunda-feira, 20, os corpos do presidente iraniano, Ebrahim Raisi, do ministro das Relações Exteriores do país e de outros membros da tripulação após um acidente de helicóptero em uma região montanhosa do noroeste do país no domingo, 19.
Além do presidente e do ministro das Relações Exteriores, entre os passageiros do helicóptero estavam o governador da província do Azerbaijão Oriental, o principal imã da região, o chefe de segurança do presidente e três integrantes da tripulação. Três helicópteros transportavam a comitiva presidencial. Dois deles aterrissaram sem problemas em Tabriz, noroeste do Irã, menos o que transportava Raisi.
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No domingo, mais de 20 equipes de resgate, incluindo drones e cães farejadores, passaram por dificuldades para chegar ao local do acidente devido às más condições climáticas, com chuva forte, neblina e vento. Imagens do resgate nesta segunda-feira mostraram o helicóptero em uma área coberta de névoa.
Na manhã desta segunda-feira, as autoridades do Irã divulgaram o que descreveram como imagens de drones mostrando o que parecia ser um incêndio no deserto, que “suspeitaram ser destroços de um helicóptero”. As coordenadas listadas no vídeo colocam o incêndio a cerca de 20 quilômetros ao sul da fronteira entre o Azerbaijão e o Irã, na encosta de uma montanha íngreme.
Agências de notícias anunciaram a morte de Raisi horas após a localização dos destroços do helicóptero. “Estamos transportando os corpos dos mártires para Tabriz”, uma grande cidade do noroeste do país, anunciou o Crescente Vermelho.
O presidente estava viajando pela província iraniana do Azerbaijão Oriental. A TV estatal disse que o que chamou de “aterrissagem forçada” aconteceu perto de Jolfa, uma cidade na fronteira com o Azerbaijão, cerca de 600 quilômetros a noroeste da capital iraniana, Teerã. Mais tarde, a televisão estatal repassou o local mais a leste, perto da aldeia de Uzi, mas os detalhes permaneceram contraditórios.
Raisi é o segundo presidente do Irã a morrer no cargo. Em 1981, a explosão de uma bomba matou o presidente Mohammad Ali Rajai após a Revolução Islâmica no país.
A morte de Raisi, 63 anos, abre um período de incerteza política no Irã, um país muito influente no Oriente Médio, no momento em que a região é abalada pela guerra na Faixa de Gaza entre Israel e Hamas, grupo islamista aliado da República Islâmica.
Quem era o ultraconservador e linha-dura
O presidente do Irã, Ebrahim Raisi, estava em um helicóptero que sofreu um acidente próximo a Jolfa, na fronteira do país do Azerbaijão, neste domingo, 19, há muito tempo é uma figura proeminente no país. Como presidente, ele supervisiona todo o trabalho do governo e é a segunda pessoa mais poderosa na estrutura política do Irã, depois do líder supremo, o aiatolá Ali Khamenei, do qual é apontado como protegido e possível sucessor para sua posição na teocracia xiita do país. Ele é visto como um político linha-dura e ultraconservador.
Raisi, de 63 anos, é um clérigo religioso linha-dura que foi eleito presidente do Irã em 2021. Em seu mandato como presidente, ele supervisionou uma estratégia para expandir a influência regional de seu país – apoiando militantes por procuração em todo o Oriente Médio, acelerando o programa nuclear do país e levando o país à beira da guerra com Israel.
No entanto, no mesmo período, o Irã passou por seus maiores protestos contra o governo em décadas e por uma grave desaceleração econômica causada por sanções internacionais e alto índice de desemprego.
Duas eleições
Em 2017, ele concorreu sem sucesso à presidência do país contra Hassan Rouhani, um clérigo relativamente moderado que, como presidente, chegou ao acordo nuclear de Teerã em 2015 com as potências mundiais.
Em 2021, Raisi concorreu novamente em uma eleição em que todos os seus adversários potencialmente proeminentes foram impedidos de concorrer pelo sistema de verificação do país. Ele obteve quase 62% dos 28,9 milhões de votos, no menor comparecimento às urnas na história da República Islâmica. Milhões de pessoas ficaram em casa e outras anularam suas cédulas.
Guerra com o Iraque e sanção
Em 1988, execuções em massa aconteceram no Irã, com estimativa de cerca de 5 mil mortes, de acordo com grupo internacionais de direitos humanos. Falsos julgamentos de prisioneiros políticos – conhecidas como comissões da morte – aconteceram no país, no final da guerra entre Irã e Iraque. Raisi participou das comissões.
Depois que Khomeini aceitou um cessar-fogo mediado pela ONU, os membros do grupo de oposição iraniano Mujahedeen-e-Khalq, fortemente armados por Saddam Hussein, atravessaram a fronteira iraniana do Iraque em um ataque surpresa. O Irã neutralizou o ataque.
Os julgamentos começaram por volta dessa época, quando os réus foram solicitados a se identificar. Aqueles que responderam “mujahedeen” foram enviados para a morte, enquanto outros foram questionados sobre sua disposição de “limpar campos minados para o exército da República Islâmica”, de acordo com um relatório da Anistia Internacional de 1990.
Em 2019, o Tesouro dos EUA sancionou Raisi “por sua supervisão administrativa sobre as execuções de indivíduos que eram jovens na época do crime e a tortura e outros tratamentos ou punições cruéis, desumanos ou degradantes de prisioneiros no Irã, incluindo amputações”.
Urânio e repressão a opositores
Como presidente, Raisi foi favorável ao enriquecimento de urânio do país até níveis próximos ao de armas, bem como o impedimento de inspetores internacionais como parte de seu confronto com o Ocidente. Na prática, no entanto, o Irã é governado por Khamenei
Raisi também apoiou os serviços de segurança do país quando reprimiram opositores, inclusive após a morte de Mahsa Amini, em 2022, e os protestos nacionais que se seguiram. A repressão à segurança, que durou um mês, matou mais de 500 pessoas e mais de 22.000 foram detidas.
Em março, um painel investigativo das Nações Unidas concluiu que o Irã era responsável pela “violência física” que levou à morte de Amini após sua prisão por não usar um hijab, ou lenço de cabeça, como ordena a política ultraconservadora do país. (COM AGÊNCIAS INTERNACIONAIS)
*Este conteúdo foi traduzido com o auxílio de ferramentas de Inteligência Artificial e revisado pela equipe editorial da Redação do jornal O Estado de S. Paulo. Saiba mais sobre a Política de IA em www estadao.com br/link/estadao-define-politica-de-uso-de-ferramentas-de-intelige ncia-artificial-por-seus-jornalistas-veja/ .