Gênios da crônica, como Rubem Braga, Fernando Sabino e Paulo Mendes Campos despontaram no jornalismo brasileiro numa época de maior valorização do prazer de ler um texto bem escrito.
O que eles produziam era aparentemente textos leves, conquanto, suas produções contivessem observações sobre o cotidiano próprias de pessoas dotadas de muita sensibilidade e criatividade.
Com seus textos amenos – pode-se dizer saborosos – os jornais ofereciam momentos de repouso psicológico a seus leitores, após informá-los das sempre inquietantes tragédias humanas diárias.
Foi no meio da produção destes gênios que surgiu uma crônica sobre aquele tipo especial de pessoa incômoda.
Exatamente porque se empenha em demasia no esforço de se tornar gentil.
Escrita por volta de 1965, a crônica tratava de uma tentativa de seu narrador de se livrar de um equipamento considerado, naquela época, útil para alguém que quisesse sair de casa debaixo de chuva.
Era uma espécie de sapato de plástico flexível, calçado por cima dos sapatos comuns, a fim de protegê-los da chuva.
Chamavam-se galochas.
E logo foi associado à chatice porque, quando a chuva cessava, tornava-se um trambolho.
Tinham de ser transportadas nas mãos, pois pareceria ridículo continuar mantendo-as nos pés calçados.
O tamanho delas, o de um par de sapatos, impedia de acomodá-las numa pasta ou numa bolsa.
Foram estas suas inconveniências irritantes que deu origem à expressão utilizada para designar a pessoa particularmente enfadonha: “chato de galocha”.
Na crônica a que estamos nos referindo, um personagem, depois de se abrigar na chuva num restaurante, tenta sorrateiramente escapar da chatice de carregar suas galochas, quando a chuva já tinha cessado.
Ele finge que as esqueceu debaixo da sua mesa.
E tenta escapar sorrateiramente delas deixando-as ali.
Parecia que sua manobra teria sucesso.
Mas, quando ele já se aproximava da porta libertadora do restaurante, um sujeito sentado à mesa próxima da que ele havia ocupado, grita-lhe:
“Moço! Você está se esquecendo de suas galochas!”.
Intimamente irritado ele teve de resgatar as galochas e, o que é pior, ainda agradecer ao sujeito pela suposta gentileza.
Para o cronista que escreveu aquele texto este sujeito é o típico “monstro da gentileza”.
- Oswaldo Coimbra é escritor e jornalista