A análise feita pelo Observatório do Marajó considera diferentes indicadores e está de olho no desempenho dos eleitos
As eleições municipais de 2024 no arquipélago do Marajó foram marcadas por escândalos de compra de votos, conflitos entre eleitores e pautas trazidas durante as campanhas que pouco refletiam os anseios e desafios específicos da região, onde a necessidade de políticas públicas voltadas para a sustentabilidade, transparência e fortalecimento das comunidades tradicionais é urgente.
Em um território historicamente marcado por dificuldades socioeconômicas e desigualdades de acesso a serviços básicos, a escolha dos representantes municipais ganha um papel ainda mais relevante.
Nesse cenário, o Observatório do Marajó desenvolveu a campanha #CuidaNaUrna com análise das 45 candidaturas que concorreram às prefeituras marajoaras, bem como produziu informações sobre a importância do voto consciente. Agora, no pós-eleição, a organização realizou o “De olho nos eleitos”, com análise dos planos de governo das candidaturas eleitas às prefeituras do Marajó.
A análise dos perfis e das propostas das 16 candidaturas eleitas revela o compromisso – ou a falta dele – com temas centrais para a população, como justiça social e climática, transparência pública, agendas das comunidades tradicionais e demais questões. Nesta análise não foi considerado o município de Cachoeira do Arari por não ter, durante o período, candidatura eleita.
Monitoramento de políticas públicas
A análise busca fornecer um panorama que auxilie as comunidades, lideranças e movimentos sociais do Marajó a compreenderem melhor o que podem esperar das novas administrações municipais, quais compromissos foram firmados e, principalmente, como esses compromissos podem – e devem – ser acompanhados e cobrados ao longo dos próximos quatro anos. O objetivo da análise é verificar se as demandas das comunidades estão contempladas nos planos dos governantes para 2025.
Essa análise é feita por etapas: primeiro é definido os indicadores com as demandas apresentadas pelas lideranças de vários territórios marajoaras; depois os indicadores são comparados com os planos de governo disponibilizados no site do TSE no perfil de cada candidatura; em seguida, ocorre a revisão dos indicadores para garantir lisura na análise das demandas apresentadas pelas lideranças.
Então é estabelecido os dados em planilhas, uma para o Marajó total e outra por município; é feita a tabulação dos dados a partir da comparação dos indicadores com as propostas de governo; por fim, é feita a diagramação dos dados e a construção dos materiais, quando são adaptados os dados para diferentes formatos de comunicação.
Transparência e controle social
Conselhos municipais: 75% dos eleitos preveem a criação de conselhos municipais de políticas públicas, uma medida importante para fortalecer a participação social.
Portal de dados abertos: Apenas 6,25% (Oeiras) contemplam a criação de um portal, indicando baixa priorização de transparência ativa.
Combate à corrupção: Apenas 12,5% dos prefeitos eleitos preveem medidas de combate à corrupção, sendo um ponto de atenção no que tange a gestão pública transparente e bom uso dos recursos públicos.
Transparência nas contratações: Somente 12,5% abordam a transparência nas contratações, o que pode comprometer o controle social.
Combate e prevenção de queimadas e proteção de comunidades
Gestão de Resíduos Sólidos: 75% dos eleitos incluem projetos de gestão de resíduos sólidos, indicando preocupação ambiental em alguns municípios.
Prevenção de queimadas: Somente 12,5% preveem planos para prevenir queimadas, enquanto 0% propõem campanhas educativas, demonstrando falta de alinhamento com a realidade dos municípios, uma vez que o Marajó concentra altos índices de queimadas, tendo Portel quase sempre no ranking das cidades que mais queimam no Pará.
Incentivo ao ecoturismo e economia sustentável: 93,75% apontam o ecoturismo e a economia sustentável como metas, evidenciando potencial para desenvolvimento econômico.
Políticas climáticas
Planos de prevenção à calamidades climáticas: Apenas 18,75% preveem planos de prevenção, e 12,5% reservam orçamento para adaptação às calamidades. Diante da emergência climática vivenciada no mundo e no Marajó, preocupa que os planos não visam lidar com a questão vivenciada, principalmente pelas comunidades, que aos poucos já enfrentam secas, assoreamento dos rios, queimadas, insegurança alimentar, uma vez que os recursos naturais, fonte de sobrevivência, tem se tornado cada vez mais escassos.
Monitoramento climático: Apenas uma prefeitura (Breves) cita ações de monitoramento de calamidades climáticas. O monitoramento é fundamental para elaborar ações, programas e políticas de mitigação e adaptação climática, sem este, não há como ter base de dados e parâmetros que possam basear criações e estratégias para enfrentamento das emergências climáticas nos territórios.
Ações para juventude e comunidades tradicionais
Projetos para a juventude: 93,75% incluem projetos para recreação juvenil, mas a oferta de programas educacionais pós-ensino médio é mais abrangente, com 100% dos prefeitos eleitos prevendo iniciativas.
Segurança para comunidades tradicionais: 43,75% dos planos mencionam políticas de segurança voltadas a comunidades tradicionais, sinalizando áreas a serem fortalecidas.
Política de energia justa
Acesso à energia e saúde nas comunidades rurais: 37,5% preveem garantir acesso a energia em prédios públicos rurais e 43,75% prometem postos de saúde com infraestrutura para armazenar medicamentos.
Cuidado à mulheres
Saúde da mulher: 62,5% dos prefeitos eleitos planejam programas específicos para a saúde feminina, mas apenas 6,25% incluem políticas para mulheres ribeirinhas e quilombolas, destacando uma necessidade de inclusão específica.
Falta de compromissos em políticas de mitigação e adaptação climática é destaque dos governos eleitos
O cenário político do Marajó em relação às mudanças climáticas revela uma preocupação insuficiente com a mitigação e adaptação aos impactos climáticos. Das 16 prefeituras eleitas, apenas 18,75% inclui planos de prevenção a calamidades climáticas em suas propostas de governo, o que corresponde às administrações de Bagre, Breves e Curralinho. A ausência de planejamento climático em 81,25% das candidaturas demonstra a negligência generalizada diante de um problema que já afeta diretamente as populações marajoaras.
Quando se trata de previsão orçamentária para medidas de mitigação e adaptação, o panorama é ainda mais preocupante. Somente Breves e Curralinho (12,5% do total) apresentaram propostas com alocação específica de recursos financeiros para enfrentar as calamidades climáticas. Esse dado evidencia uma fragilidade estrutural no comprometimento das prefeituras em lidar com as vulnerabilidades climáticas e proteger seus territórios.
Perfil das candidaturas eleitas
Analisando o perfil das candidaturas eleitas disponíveis nos site do TSE, observa-se uma predominância de prefeitos homens, embora também haja uma representação feminina em alguns municípios. Das três candidaturas femininas eleitas, todas eram candidatas à reeleição em seus municípios. Contudo, a diversidade ainda enfrenta desafios de maior inclusão, já que a maioria dos eleitos não representa, de forma plena, a diversidade étnica e cultural das comunidades locais. Essa composição levanta um debate sobre a importância de ampliar a representatividade para melhor contemplar as realidades quilombolas, ribeirinhas e extrativistas.
Entre os prefeitos eleitos, há uma variada trajetória de formação e atuação. Alguns dos eleitos trazem experiências em áreas como a educação, com ex-professores e líderes comunitários ocupando cargos-chave, enquanto outros possuem um histórico de atuação empresarial ou de gestão pública. Essa diversidade de experiência reflete o desejo das comunidades marajoaras por líderes que compreendam as dinâmicas locais e sejam capazes de implementar políticas que respondam aos desafios específicos de cada município.
Uma característica importante deste grupo é a relação que mantêm com as comunidades tradicionais. Em muitos casos, candidatos reeleitos foram escolhidos justamente pela confiança já estabelecida junto aos ribeirinhos e quilombolas, sendo reconhecidos pelo diálogo contínuo e pelas ações que promovem a valorização e proteção de seus modos de vida. No entanto, observa-se que nem todos os eleitos possuem um histórico forte de envolvimento com essas comunidades, o que indica uma necessidade de ampliar o diálogo para que todos os gestores eleitos trabalhem de forma inclusiva e participativa com essas populações.
Neste sentido, destaca-se na análise alguns pontos que consideramos fundamentais para acompanhar e identificar dentre os planos de governo das candidaturas eleitas que correspondem às realidades marajoaras, além de fornecer uma ferramenta para ajudar as comunidades a acompanhar e fiscalizar as propostas vindouras.
O impacto das eleições nas comunidades marajoaras se estende muito além do processo eleitoral. Cada plano de governo e cada compromisso firmado pelos novos prefeitos e prefeitas têm potencial para transformar a realidade local, afetando diretamente a vida das populações ribeirinhas, quilombolas e urbanas que compõem o arquipélago.