Pesquisa com mais de 700 mil pessoas mostra o impacto de fatores de risco modificáveis na longevidade; nunca é tarde para colocá-los em prática
No último Congresso da Sociedade Americana para Nutrição, um estudo apresentado pela pesquisadora Xuan-Mai T. Nguyen, do Carle Illinois College of Medicine (EUA), mostrou que investir em oito hábitos por volta dos 40 anos fazia os homens ganharem 24 anos a mais de vida e mulheres, 23 anos extras. Além disso, o risco de morte por qualquer causa foi 13% menor em relação a quem não adotou nenhum dos comportamentos avaliados.
A análise foi baseada em informações de 719.147 veteranos americanos de 40 a 99 anos – os dados eram referentes ao período de 2011 a 2019. Durante o acompanhamento, cerca de 30 mil pessoas morreram.
De acordo com os achados do trabalho, os oito hábitos associados ao ganho na longevidade são:
- Não fumar
- Praticar exercícios físicos
- Contar com boas relações pessoais
- Não ter episódios frequentes de abuso de álcool
- Ter boas noites de sono
- Manter uma dieta saudável
- Controlar o estresse
- Não ter vício em medicamentos opioides
“É um belo resultado”, elogia Simone Fiebrantz Pinto, nutricionista especialista em Gerontologia pela Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia (SBGG). Ela nota que fatores como aplicação de vacinas, desenvolvimento de medicamentos cada vez mais modernos e maior capacidade de controlar doenças já resultaram, no mundo todo, em um aumento na expectativa de vida. “A gente consegue ver as pessoas chegando aos 80, 90 anos, mas não com tanta qualidade de vida. E é isso que queremos corrigir”, analisa. Para ela, a incorporação desses hábitos garante justamente que o indivíduo não apenas viva mais, como viva melhor.
Para Simone, a marca dos 40 anos é importante porque, nessa fase, muitos hábitos já estão consolidados e os efeitos deletérios de alguns deles começam a aparecer, como um quadro de hipertensão, diabetes etc. “É um momento de recalcular a rota e minimizar prejuízos”, resume a especialista. Mas ela frisa que uma mudança positiva trará benefícios em qualquer etapa, seja aos 50, 60 ou 70.
E não é necessário adotar os oito hábitos de uma vez só. Embora esse seja o cenário ideal, faz mais sentido começar aos poucos – até para não ocorrer uma desistência no meio do caminho. “Não dá para abraçar tudo de uma vez, tem que ser devagar”, incentiva Simone. Ela sugere começar por algo que você já faz, mas que pode ser melhorado – como colocar um dia de exercício físico a mais na rotina. Quando conseguir, dá para partir para outra meta. “Quando consolidar um hábito, você agrega outro”, recomenda a especialista da SBGG.
A seguir, saiba mais sobre os comportamentos levantados no estudo.
Não fumar
Há uma relação clássica entre tabagismo e câncer de pulmão. Mas, de acordo com o Ministério da Saúde, o cigarro está associado a mais de 50 doenças. Para ter ideia, os fumantes correm um risco cinco vezes maior de infarto, bronquite crônica e enfisema pulmonar, e uma probabilidade duas vezes maior de derrame cerebral.
Depois de cinco a 10 anos de parar de fumar, o perigo de infarto já se torna igual ao de indivíduos que nunca tiveram o hábito. Simone lembra que há recursos terapêuticos para auxiliar no abandono do cigarro, como remédios e psicoterapia.
Praticar exercícios físicos
A Organização Mundial da Saúde preconiza 150 minutos de atividade física por semana. “Não é tão complexo. Mas, às vezes, as pessoas acham que arrumar a casa entra na conta. Mas não vale”, aponta a especialista.
Ainda de acordo com ela, é preciso investir em exercícios que acelerem um pouco o batimento cardíaco, como caminhada, natação, bicicleta, e em modalidades que fortaleçam os músculos, a exemplo de pilates e musculação.
Contar com boas relações pessoais
Atualmente, uma parcela da população foca na interação com outra pessoas por meio de redes sociais. Mas, para Simone, isso não significa necessariamente que há uma relação de amizade ali – e é justamente esse tipo de laço que está associado à longevidade.
“Precisa ser uma relação de qualidade. É muito importante ter uma rede de apoio, um convívio social de verdade. Tem que conversar, sair, ter uma troca”, destaca. Ela observa ainda que é essencial investir em contatos intergeracionais. “Especialmente para termos idosos aprendendo com os mais jovens, evitando, assim, que se isolem”, diz.
Não abusar de álcool com frequência
“O uso constante, descontrolado e progressivo de bebidas alcoólicas pode comprometer seriamente o bom funcionamento do organismo, levando a consequências irreversíveis”, alerta o Ministério da Saúde.
Para Simone, o fato de o álcool estar muito presente em eventos sociais torna difícil a interrupção do hábito. Porém, assim como acontece com o tabagismo, há opções de tratamentos para quem decide parar de beber.
Ter boas noites de sono
Para a especialista da SBGG, esse é um hábito que tem ganhado cada vez mais destaque na manutenção da saúde em geral. “E não só na longevidade, mas até na redução de quadros demenciais”, completa.
A quantidade necessária de descanso varia de pessoa para pessoa, mas, em geral, pesquisas indicam que os adultos precisam dormir entre sete e nove horas. No caso de insônia, quadro prevalente na atualidade, faz sentido buscar o apoio de um profissional de saúde. Afinal, há medidas comportamentais capazes de melhorar bastante o padrão de repouso. Em alguns casos, é possível recorrer a medicamentos.
Manter uma dieta saudável
“As pessoas sempre acham que comem bem e, quando vão ver, não é bem assim”, ressalta Simone. Para ela, pensando em longevidade, um ponto crucial que merece atenção é o consumo de proteínas, que são nutrientes necessários para a formação de músculos. “Na idade adulta, temos uma reserva muscular. Mas, lá pelos 50, 60 anos, existe uma queda, e o impacto disso é importante”, comenta. É que, com a perda de força, vem também o risco de quedas e fraturas.
Outra questão que merece destaque é a participação de itens ultraprocessados na rotina – eles costumam concentrar uma quantidade expressiva de gorduras, açúcar e sal, compostos que devem ser consumidos com bastante moderação. Para reconhecer um ultraprocessado, uma pista é olhar para a lista de ingredientes: ela tende a ter mais de cinco itens, muitos deles de nomes estranhos. O recado geral é apostar em alimentos naturais e minimamente processados.
Controlar o estresse
Para Simone, esse é um dos maiores desafios presentes na lista. “É algo muitos vezes subdiagnosticado, até porque as pessoas tendem a normalizá-lo”, justifica.
Ela explica que viver sob estresse constante significa submeter o organismo a um estado permanente de inflamação, uma situação que acaba descompensando todo o metabolismo.
Por isso, é válido pensar em maneiras de manejar esse quadro, como reservar um tempo considerável do dia para se dedicar a hobbies (como ler um livro, assistir um filme, passear no parque) e a atividades reconhecidas por favorecer a saúde mental, como meditação e prática de jardinagem. Os exercícios físicos também são grandes aliados nesse sentido.
Não se tornar dependente de opioides
Essa classe de remédios é conhecida por aliviar dores crônicas. Só que o uso constante pode gerar dependência. Simone nota que esse é um problema muito presente na realidade dos Estados Unidos – justamente de onde vem o estudo. “É uma questão muito séria”, observa. Tanto que o vício nesses medicamentos figura entre as principais causas de mortes entre jovens americanos hoje em dia.
A experiência pode servir de alerta para o Brasil, até porque há dados que apontam para um aumento de uso por aqui nos últimos anos. Segundo um levantamento da Anvisa, o número de prescrições médicas de opiáceos vendidos nas farmácias em 2009 foi de 1.601.043 e, em 2015, passou a 9.045.945 – é uma disparada de 465%. (AE)