Ficou evidente, com os resultados das urnas, de que lado estão os chamados grandes institutos de pesquisas, sobretudo o Datafolha e o Ipec (ex-Ibope), além de outros financiados por grandes banqueiros do país. Eles sequestraram as intenções de votos no presidente Jair Bolsonaro, candidato à reeleição, e inflaram as de Lula, dando o petista como praticamente eleito do primeiro turno. E não foi somente na eleição presidencial, mas também na disputa por governos e Senado que esses institutos sofreram derrota desmoralizante. Em São Paulo, por exemplo, os números foram bem piores.
Os resultados provaram que a vontade popular nas urnas ficou muito acima da manipulação desses institutos, cuja credibilidade está na lama. Mais do que isso, é preciso punir esses institutos que se escoram em supostas estatísticas para inflar seus candidatos, tentando influenciar o voto dos eleitores, ao mesmo tempo em que martelam seus cálculos negativos sobre candidatos que não querer ver eleitos.
Os institutos mais tradicionais de pesquisas erraram feio nas projeções para Jair Bolsonaro (PL), que tenta a reeleição ao Palácio do Planalto. Quando 99,98% das urnas tinham sido apuradas, o presidente chegou a 51 milhões de votos válidos, que representam 43,20%. Luiz Inácio Lula da Silva (PT), favorito no primeiro turno, alcançou 48,43% da preferência dos brasileiros (57,2 milhões).
As pesquisas publicadas no sábado (1/10) apontavam Bolsonaro com um percentual muito inferior ao apresentado pelas urnas. O Datafolha indicava Lula com 50% dos votos válidos, contra 36% de Bolsonaro. O Ipec (ex-Ibope) também computava 14 pontos de vantagem para o petista: 51% a 37%. Em ambos os levantamentos, a margem de erro era de dois pontos percentuais para mais ou para menos.
Em Minas, segundo o Datafolha, Lula tinha 50% dos votos válidos, e Bolsonaro 36%. O Ipec colocava o petista ainda mais à frente: 55% a 36%. Nas urnas, o percentual do petista está dentro da margem de erro – 48,29% (5.802.571) -, porém o presidente “subiu” sete pontos percentuais e foi a 43,60% (5.239.264).
No estado de São Paulo, Jair Bolsonaro recebeu 12.239.560 votos (47,71%), e Lula 10.489.618 (40,89%). Em 1º de outubro, o Ipec dava ao presidente da República 39% dos votos válidos e 48% ao candidato do PT.
Governo de São Paulo
Para o governo de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), ex-ministro da infraestrutura do governo Bolsonaro, contrariou as prévias e alcançou 42,32% dos votos válidos (9.881.995). Fernando Haddad (PT) terminou o primeiro turno em segundo, com 35,7% (8.337.139).
Na véspera da eleição (1/10), o Ipec indicava Tarcísio dez pontos abaixo de Haddad – 31% a 41% -, ao passo que o Datafolha mostrava o mesmo percentual do aliado do presidente e dois a menos para o petista (39%).
Senado em São Paulo
Ainda em São Paulo, a corrida eleitoral para o Senado tinha Márcio França (PSB) em primeiro, com 43%, seguido pelo astronauta Marcos Pontes (PL), 31%. O Datafolha deu dois pontos a mais a França e manteve o índice a Pontes.
No fim das contas, Marcos Pontes, ex-ministro da Ciência e Tecnologia do governo Bolsonaro, ultrapassou 10,7 milhões de votos, com 49,7%, enquanto Márcio França obteve 7,8 milhões (36,24%).
Outros estados
No Rio Grande do Sul, Onyx Lorenzoni, ex-ministro da Casa Civil e da Cidadania, liderou o primeiro turno, com 2.382.026 (37,52%). O atual governador, Eduardo Leite (PSDB), ficou com 1.702.815 (26,81%). Na sexta-feira (30/9), o Ipec colocava Leite em primeiro, com 40%, e Onyx em segundo, com 30%.
Na corrida presidencial entre eleitores do Espírito Santo, Lula contabilizava 48% da preferência dos entrevistados pelo Ipec, e Bolsonaro tinha 42%. Nas urnas, o candidato do PL recebeu 1.160.030 votos e ganhou com folga do concorrente: 52,23% a 40,40%.
Em Mato Grosso do Sul, o capitão do Exército e deputado estadual Renan Contar (PRTB) saltou de 17% no Ipec, no sábado (1/10), e liderou o primeiro turno com 26,71% (384.275 votos). Seu adversário será Eduardo Riedel (PSDB), com 25,16% (361.981).
No Rio de Janeiro, o Ipec citou Romário (PL) com 41% dos votos válidos para o Senado. O ex-atacante da Seleção Brasileira se reelegeu, mas com um percentual menor: 29,19% (2.384.080). O deputado federal Daniel Silveira (PTB), cuja candidatura está sub judice, obteve 19,18% (1.566.328), ante 9% na pesquisa Ipec no Rio.
Pesquisas que chegaram perto
O instituto Paraná chegou perto do resultado das urnas ao citar 47,1% para Lula e 40% para Bolsonaro no primeiro turno. O levantamento ouviu 2.020 eleitores de 27 a 29 de setembro de 2022 (TSE – BR-07917/2022).
Já o Modal Mais ouviu 2,2 mil eleitoes de 26 a 28 de setembro, colocando o petista à frente: 43,6% a 40,5% (TSE – BR-06743/2022).
Erros gigantescos
O desempenho do presidente e candidato à reeleição Jair Bolsonaro (PL), acima do projetado pelas pesquisas na votação do primeiro turno, além de uma série de resultados surpreendentes nos Estados nas corridas para governador e senador, aumentam a pressão sobre o trabalho dos institutos de opinião, diz o professor de gestão de políticas públicas na USP e pesquisador do eleitorado bolsonarista Pablo Ortellado.
Bolsonaro obteve 43% dos votos válidos na eleição presidencial enquanto a pesquisa do Datafolha divulgada na véspera da eleição, com 12.800 entrevistados em 310 municípios brasileiros, captava 36% — uma diferença fora da margem de erro de dois pontos percentuais. Pesquisa Genial/Quaest apontava o atual presidente com 38% dos votos válidos, disparidade também fora da margem de erro em relação ao resultado das urnas.
Em entrevista coletiva na noite de domingo (2/10), Bolsonaro disse que os resultados “desmoralizaram de vez os institutos de pesquisa”, mas evitou questionar a credibilidade dos resultados pela urna eletrônica.
Ortellado diz que a “credibilidade dos institutos, que já era colocada em xeque pelos bolsonaristas, agora é colocada pelo resto da sociedade. Seguramente não é manipulação, mas é uma limitação [dos institutos] que a gente precisa entender”.
Veja abaixo a entrevista:
BBC News Brasil – Qual é a sua avaliação sobre o descompasso das pesquisas e o desempenho de Bolsonaro nas urnas?
Pablo Ortellado – Olha, foi uma diferença muito grande, muito grande. Antes havia a discussão sobre as duas metodologias de pequisa, por telefone e presencial, e havia a ideia de que a presencial capturava melhor o fenômeno [de intenção de votos]. Mas, olhando para os estados e para a apuração dos votos presidenciais, as duas [metodologias] erraram feio.
A grande diferença do presencial em relação ao telefone é que a presencial chega aos mais pobres porque esses têm menos telefones e estão no trabalho, com menos disponibilidade para atender à ligação. E a presencial não entra nos condomínios. São essas as limitações das metodologias. Todo mundo sabe disso e tenta contornar essas limitações com métodos estatísticos, com atribução de pesos, mas não estamos falando de uma diferença de cinco pontos percentuais. Foi um erro gigantesco.
BBC News Brasil – Já é possível ter uma pista sobre os fatores que levaram a essa diferença que as pesquisas não captaram?
Ortellado – Tem muitas coisas que podem ter acontecido. Vai ser necessário olhar com calma para entender. Mas não houve nenhum fato novo [nos últimos dias de campanha] para explicar esse salto na diferença. Não acho que o eleitor tenha mudado o voto de última hora, porque tudo estava muito consolidado. Essa explicação não é suficiente.
Pode ser que um pedaço do voto indeciso tenha ido para o Bolsonaro, mas um pedaço que certamente não explica o que aconteceu. Pode ter sido o voto envergonhado. Pode ter havido boicote dos bolsonaristas na participação das pesquisas, havia uma campanha muito dura contra os institutos de opinião.
BBC News Brasil – E como essas diferenças não captadas pelas pesquisas vão se refletir no discurso de Bolsonaro, que costuma descredenciar o trabalho dos institutos? Vai reforçar o discurso do presidente de que ‘o que vale é o Datapovo’?
Ortellado – Ele vai falar em “Datapovo”, vai falar que os institutos forjaram os números e que ele na verdade ganhou porque a eleição foi fraudada. Por essa perspectiva, é um quadro muito ruim porque as pesquisas erraram muito.
BBC News Brasil – E como esse quadro influencia o segundo turno entre Lula e Bolsonaro?
Ortellado – Vai ser um mês de disputa muito acirrada. O bolsonarismo não teve apenas um desempenho significativo nacionalmente. O bolsonarismo ganhou em vários estados. [Cláudio] Castro ganhou no primeiro turno no Rio e isso não foi captado pelas pesquisas. A mesma coisa na corrida para governador e senador em São Paulo. É uma lista enorme. É bem grave.
BBC News Brasil – Como essa lista de projeções que não se concretizaram vai ser absorvida pelos institutos de pesquisa? Qual é o futuro das pesquisas eleitorais no Brasil?
Ortellado – É o que aconteceu nos Estados Unidos em 2016 e depois em 2020. Vai precisar rever métodos, fazer discussões entre especialistas para ver o que aconteceu. Agora, com o mapa de votação, é preciso pegar os dados da pesquisa de sábado [o Datafolha com mais entrevistados, 12.800 pessoas] e fazer ajustes, correções, porque a diferença foi grande demais.
Alguma coisa aconteceu e é preciso descobrir. Uma pena não tenham feito pesquisa de boca de urna. Ninguém mais faz porque não vale mais a pena, o resultado sai muito rápido. A boca de urna seria melhor para comparar com os resultados.
É muito grave porque os institutos estão sob ataque e são ataques infundados. Porque tem muita gente séria nos institutos tentando fazer o melhor, mas eles erraram.
BBC News Brasil – Acredita que haja alguma mudança na dinâmica de voto em relação ao passado? Ele está mais volátil e os institutos não estão conseguindo captar?
Ortellado – Pode ser que sim. É comum que haja flutuações, mas para presidente não deveria ter nesse nível porque o voto parecia muito consolidado. Tem que pegar os dados e analisar. Só nos próximos dias a gente vai entender o que aconteceu.
Mas a credibilidade dos institutos, que já era colocada em xeque pelos bolsonaristas, agora é colocada pelo resto da sociedade. Seguramente não é manipulação, mas é uma limitação [dos institutos] que a gente precisa entender. (Do Ver-o-Fato, com informações do Estado de Minas)