O Tribunal Civil de Loreto confirmou a decisão histórica emitida pelo Tribunal Misto de Nauta em março, que concedeu direitos intrínsecos ao Rio Marañón, uma das fontes de água mais vitais do Peru e principal afluente do Rio Amazonas. A decisão estabelece o Rio Marañón e seus afluentes como detentores de direitos, reconhecendo um conjunto de direitos inerentes que protegem sua integridade ecológica.
Essa decisão inédita, a primeira no Peru a reconhecer um rio como detentor de direitos legais, destaca a profunda conexão entre a natureza e as comunidades indígenas. A vitória também é um testemunho dos esforços da Federação Huaynakana Kamatahuara Kana, um grupo de mulheres indígenas Kukama do distrito de Parinari, na província e região de Loreto.
O Rio Marañón é um dos rios e fontes de água doce mais essenciais do Peru. Originário nas altas montanhas dos Andes, ele atravessa um vale montanhoso antes de descer para as planícies, onde se funde com o Rio Ucayali para formar o Amazonas. Desde 1997, o Marañón sofreu mais de 60 derramamentos de petróleo do Oleoduto do Norte Peruano e continua ameaçado por projetos de infraestrutura, como barragens hidrelétricas e a Hidrovia Amazônica, que diversas agências, incluindo a União Internacional para a Conservação da Natureza, apontaram como altamente destrutivas.
O rio também é contaminado por mercúrio e outras substâncias perigosas devido à mineração ilegal de ouro, ameaçando ainda mais seus ecossistemas e as comunidades que dele dependem.
Desde 2021, a Federação Huaynakana Kamatahuara Kana lidera uma batalha judicial contra o Estado peruano e autoridades, exigindo proteção para o Rio Marañón contra os constantes derramamentos de petróleo vinculados ao Oleoduto do Norte Peruano, operado pela estatal Petroperú. As comunidades dessa federação ainda lidam com os impactos devastadores do derramamento de petróleo em Saramuro, em 2010, que contaminou a principal fonte de água das comunidades ao longo do rio, próximo a San José de Saramuro.
A ação judicial tem como alvo atores importantes, incluindo Petroperú, ministérios do governo e a Autoridade Nacional de Águas, entre outros.
Com essa segunda decisão, e apesar dos recursos apresentados pelo Ministério do Meio Ambiente, pela Autoridade Nacional de Águas e pela Petroperú para reverter a decisão inicial, a proteção do Rio Marañón obteve mais uma vitória significativa.
A nova resolução especifica que essa decisão responde “às crescentes pressões sobre os ecossistemas, que ameaçam sua existência e funções essenciais — ambientais, sociais e vitais; (…) aos múltiplos derramamentos de petróleo que o Rio Marañón sofreu nos últimos anos”.
A ratificação dessa decisão também decorre de uma audiência realizada em maio, onde Emilsen Flores e Gilda Fasabi, membros da Federação Huaynakana Kamatahuara Kana, representaram sua comunidade. Durante a sessão, ambas defenderam a proteção do Rio Marañón perante os juízes do Tribunal Civil de Loreto, pedindo que mantivessem as medidas estabelecidas na decisão inicial.
“Estamos felizes e agradecidas às comunidades, às pessoas e aos nossos aliados por todo o trabalho conjunto que temos realizado ao longo dos anos. Esta conquista é para a Amazônia e para o país, mas também para o mundo inteiro. Porque defender os rios faz parte de nossas vidas, para deixarmos como legado às futuras gerações”, afirma Mari Luz Canaquiri, presidente da Federação Huaynakana Kamatahuara Kana, sobre a confirmação da decisão histórica.
Nesta nova decisão, o julgamento inicial é integralmente mantido, e a Petroperú é ordenada a realizar a manutenção “efetiva, imediata e abrangente” do Oleoduto Norperuano. O reconhecimento dos direitos do Rio Marañón é afirmado como um passo vital para protegê-lo contra contínuos derramamentos de petróleo. A Câmara especifica que esses direitos reconhecidos devem ser enquadrados em princípios de proteção, conservação, manutenção e uso sustentável.
O tribunal também mantém o julgamento inicial sobre a nomeação de defensores e representantes, considerando-a essencial para garantir a devida representação daqueles que não podem reivindicar seus direitos de forma independente.
“Centro do universo”
Em sua opinião complementar, a juíza Roxana Carrión Ramírez destacou seu respeito pela cosmovisão do povo Kukama, afirmando: “Para o povo Kukama, o Rio Marañón é o centro do seu universo. Eles compartilham uma relação profunda e intrínseca com o rio, que serve como sua principal fonte de alimento, água e transporte.”
A partir de agora, qualquer atividade extrativa ou de outra natureza que impacte o Rio Marañón e seus afluentes — seja infringindo seu direito de fluir sem contaminação, seu direito à proteção, preservação e restauração — pode ser legalmente contestada.
“A luta das mulheres da Federação Huaynakana não foi em vão. O Tribunal de Loreto manteve a decisão de Nauta, reconhecendo os direitos do Rio Marañón e afirmando a natureza como um sujeito de direitos”, enfatiza Maritza Quispe Mamani, advogada do Instituto de Defesa Legal (IDL), que ajudou a apresentar e apoiar o caso dos Kukama.
“Ainda há muito trabalho pela frente; agora devemos garantir que essa decisão seja implementada, obrigando as autoridades estatais a cumprir seus mandatos, particularmente a manutenção do Oleoduto Norte Peruano (ONP) e a atualização do Instrumento de Gestão Ambiental Nacional (IGA), que deve incluir consultas com as comunidades indígenas”, conclui a especialista.
Esse resultado é fruto de um esforço coletivo em apoio às mulheres da Federação Huaynakana Kamatahuara Kana na defesa do Rio Marañón, com aliados como o Instituto de Defesa Legal, International Rivers, Earth Law Center, Fórum Solidariedade Peru, Quisca, Instituto Chaikuni, Radio Ucamara, Radio La Voz de la Selva, Mirella Pretell, a Paróquia de Santa Rita de Castilla e o Vicariato Apostólico de Iquitos, especialmente o Bispo Miguel Ángel Cadenas e o Padre Manolo Berjón.