Estrutura tinha líder, métodos de cobrança, pessoa experiente com autonomia sobre os demais e conhecidos usados para movimentar contas bancárias. Operação “Maré Alta” acusou 10 pessoas, cinco delas presas preventivamente.
O esquema de agiotagem que, em três anos, movimentou R$ 19 milhões em Franca (SP) antes de ser descoberto pela Operação “Maré Alta” se baseava em uma estrutura criminosa caracterizada por uma hierarquia bem estabelecida que permitia ganhos com juros de até 40% ao mês sobre os valores emprestados, segundo o Ministério Público.
De acordo com a denúncia apresentada pela Promotoria, que resultou na abertura do processo penal contra dez réus e na prisão preventiva de cinco pessoas, esse organograma tinha funções definidas, com:
- uma liderança, atribuída pelo MP a Bruno Aparecido de Almeida Costa, que definia os métodos de violência para cobrar os pagamentos, garantia o intercâmbio entre os financiadores;
- uma mutualista, mais próxima do líder, com experiência em agiotagem e autonomia com relação aos demais, que mantinha interlocução com outra quadrilha de agiotas. Segundo o Gaeco, a investigada por atuar dessa forma é Marcela de Pádua Lima.
- os executores, que, além de convencer vítimas a obter os empréstimos, praticavam as ameaças. Segundo a Promotoria, essa função era desempenhada por Natã Simões Leal, Jean Cardoso da Silva, Douglas de Carvalho Rosa e Wesley Henrique Paulista da Silva;
- os financiadores, que viabilizavam os recursos dos empréstimos com o objetivo de lucrar. Segundo a Operação Maré Alta, os acusados por essa função são André de Oliveira Venâncio, André Augusto Ferreira Ribeiro, Rodolfo Lomônaco Arantes e Gustavo Migueletti.
- “Laranjas”, conhecidos dos envolvidos usados para disfarçar as movimentações financeiras, e um integrante que tirava proveito por trabalhar em uma instituição financeira para impedir o rastreio das transações, também ajudavam a consolidar as atividades criminosas, apontou a força-tarefa.
Entenda, a seguir, como funcionava a quadrilha, segundo a denúncia do Ministério Público:
Quais eram as condições do empréstimo
As investigações apontam que os valores eram emprestados pela quadrilha com correção de juros de até 40% ao mês, geralmente procuradas por pessoas que demonstravam muito interesse em obter dinheiro rapidamente.
Em uma dessas conversas, de acordo com a Promotoria, uma mulher é instada a dar informações pessoais e familiares, bem como é advertida sobre a necessidade de se pagar a dívida em dia, antes de adquirir R$ 1,5 mil sob a condição de pagar R$ 450 em juros – o equivalente a 30%.
De onde vinham os valores
Os valores eram emprestados pelos chamados financiadores, que tratavam essas operações como aplicações financeiras lucrativas. Segundo o Ministério Público, a liderança da quadrilha contava com uma “rede farta e variada” de agentes dispostos a fazer essas transações.
A título de exemplo, em uma dessas interceptações, o Gaeco apontou uma conversa mencionando um reembolso de R$ 1,7 milhão a financiadores, depois de um rendimento de R$ 650 mil com taxas de juros.
Quem convencia as vítimas e quem depois as cobrava
Os executores eram os responsáveis por convencer vítimas como as mencionadas acima a obter esses empréstimos a juros exorbitantes.
Posteriormente, também eram eles os que garantiam que elas iriam honrar as dívidas, mediante métodos de violência física e psicológica definidos pela liderança que chegou a mencionar, em um dos diálogos obtidos, que tinha em torno de 6 mil contatos de clientes no celular, apontou o MP.
Em conversa interceptada pelo MP em junho deste ano, uma mulher fala por telefone com uma investigada em defesa do filho, que havia emprestado dinheiro com o grupo. Ela justifica que ele ainda não tinha quitado a dívida porque estava com a pensão atrasada, mas que estava trabalhando para levantar o valor.
Em uma segunda ligação, a pessoa investigada afirma que estava “perdendo a paciência” e que “de um jeito ou ou de outro” iriam resolver a questão da dívida.
Qual era o destino do dinheiro obtido ilegalmente
Com o objetivo de dificultar o rastreamento das movimentações financeiras, o dinheiro ilícito era destinado a diferentes contas bancárias, incluindo de pessoas conhecidas dos executores da quadrilha.
“Eram responsáveis pela execução de atos destinados a camuflar a origem comprometida dos valores ilicitamente angariados, seja utilizando contas bancárias abertas em nome próprio ou de terceiros a eles vinculados, seja registrando, em nome deles, bens pertencentes a outros integrantes da organização criminosa”, explica o MP, na denúncia.
De acordo com a Promotoria, essa diversificação também tinha o intuito de impedir que os valores ficassem concentrados em um único banco ou conta.
“A organização criminosa laborava por intermédio da criação de contas bancárias em nome de terceiros, instrumentos ou laranjas que, de qualquer forma, ostentavam relacionamento com os integrantes do sistema criminoso organizado, as quais eram movimentadas para pulverizar as inúmeras e vultosas transações financeiras. Referidas contas bancárias eram empregadas tanto para encaminhar os dinheiros emprestados aos interessados como para receber o pagamento dos débitos existentes e partilhar os lucros obtidos entre os membros da organização criminosa.”
O que dizem os acusados
Jean Cardoso da Silva: a defesa disse que o réu negou integrar a organização criminosa, não tem antecedentes em processos criminais e que vai tentar reverter a prisão preventiva.
Douglas de Carvalho Rosa: o advogado Marcelo Hemmig disse que seu cliente nega qualquer participação na quadrilha e que entraria com um pedido de habeas corpus.
André de Oliveira Venâncio: Alexandre Cesar Diniz, advogado de André de Oliveira Venâncio, disse que vai se inteirar do teor do processo antes de apresentar um posicionamento.
Rodolfo Lomônaco Arantes: a advogada Fernanda Paula Sousa Cruz informou que vai se debruçar sobre os elementos constantes no processo e que vai provar a inocência do réu.
Gustavo Migueletti: A defesa informou que ainda vai avaliar o teor da denúncia antes de se manifestar, mas confirmou que seu cliente deveria ser solto ainda nesta sexta-feira, já que teve a prisão temporária revogada.
O g1 contatou, mas não obteve resposta, até a publicação desta notícia, dos advogados de defesa de André Augusto Ferreira Ribeiro, Wesley Henrique Paulista da Silva e Marcela de Pádua Lima.
A reportagem não conseguiu localizar os advogados de Bruno Aparecido de Almeida Costa e Natã Simões Leal. Fonte:g1