Fruta do território de São Félix do Xingu, no sul do Pará, é alternativa econômica para mulheres produtoras de polpa
Desde que o açaí ganhou o mundo, a Amazônia começou a despertar o interesse como berço de frutíferas nativas de grande potencial comercial. No município de São Félix do Xingu, na região sudoeste do estado do Pará, a nova aposta é a “golosa”, Chrysophyllum sanguinolentum, uma fruta que vem conquistando os paladares com seu sabor exótico, doce e ácido.
A espécie é encontrada ao longo do rio Fresco, em São Félix do Xingu, e também já foi identificada no Amapá e Amazonas, segundo o Jardim Botânico do Rio de Janeiro. Nas comunidades ao longo do rio Fresco, a golosa é produto de consumo tradicional, incorporada à alimentação diária das famílias e muito apreciada. Daí, inclusive, viria o nome da fruta que, de tão gostosa, desperta a gula de quem consome.
Para além de seu potencial de mercado, a fruta também possui outras qualidades ligadas às práticas agroecológicas. O pé de golosa é uma árvore que pode chegar a 30 metros de altura, sendo uma essência nativa da Amazônia, o que a torna uma ótima candidata para utilização na recomposição de passivo ambiental, enriquecimento de sítios e pomares, enriquecimento de matas ciliares, recuperação de áreas de proteção permanentes em rios e córregos e – onde tem sido mais utilizada até o momento pelas comunidades de São Félix do Xingu – consorciada com a cultura do cacau em Sistemas Agroflorestais (SAFs).
Preparação para novos passos
A capacidade da golosa de gerar renda ajudando a conservar a floresta fez com que a frutífera fosse um dos produtos apoiados pelo programa Floresta de Valor, iniciativa do Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola (Imaflora) que conta com patrocínio da Petrobras e Governo Federal, por meio do Programa Petrobras Socioambiental. O Imaflora apoia e desenvolve ações de autonomia econômica baseadas em boas práticas de manejo e na gestão responsável dos recursos naturais.
“Hoje a gente considera que a golosa é uma alternativa de renda para as mulheres dentro de um mercado tão competitivo como o de polpas de frutas”, explica Celma de Oliveira, coordenadora de projetos do Imaflora. Em parceria com a Associação das Mulheres Produtoras de Polpas de Frutas (AMPPF), Emater e Prefeitura Municipal de São Félix do Xingu, o Instituto trabalha para a ampliação da área cultivada e da capacidade de industrialização do produto, além da obtenção de certificação para comercialização da fruta.
Qualidades nutricionais serão divulgadas em breve
“Além de apoiarmos a produção de mudas no viveiro da AMPPF e de estimularmos a implantação de SAFs com golosa consorciada, também estamos dando apoio para apoio ao processo de registro da fruta nos órgãos de defesa sanitária e para isso está sendo finalizada uma pesquisa sobre as qualidades nutricionais da golosa”, conta Celma.
Os estudos sobre as qualidades nutricionais da fruta foram realizados pelo engenheiro de alimentos Flávio Santos Silva que afirma que a golosa possui um grande potencial nutricional, com resultados “bem significativos em relação a proteínas, vitaminas e teores de açúcares presentes no fruto”. Os resultados da pesquisa estão prestes a ser publicados em uma revista científica. Com eles em mão será mais fácil obter a licença para comercialização e transporte em larga escala.
Vencendo o desafio da escala de produção
Um dos grandes desafios a ser vencido hoje para que a golosa seja considerada apta a entrar no mercado nacional é a localização dos chamados “golosais” nativos. Cerca de 90% da produção está localizada na margem dos rios da região, o que faz com que a oferta durante a safra seja muito influenciada por condições climáticas e ambientais.
Na época da colheita os agricultores competem, por exemplo, com animais silvestre que consomem a fruta assim que caem do pé, antes de serem recolhidas pelas famílias. Cheias dos rios durante a safra, como a que ocorreu no ano passado em São Félix do Xingu, também impactam sobre a produção porque boa parte dos frutos caem na água e são levados pela correnteza.
Junto com o trabalho para garantir o plantio da espécie em sistemas agroflorestais e quintais agroecológicos, a equipe técnica da Emater, em São
Félix do Xingu, também vem trabalhando com a seleção de mudas com maior capacidade de produção, como explica o chefe do escritório, Mário Gomes da Silva.
“Árvores adultas nativas podem produzir mais de 600 quilos de polpa por ano. Ainda não temos plantios comerciais adultos, mas os plantios jovens já vem apresentando produção entre 50 e 100 quilos de polpa anuais”, afirma Mário Silva.
Um novo sabor da Amazônia
“Não tenho nenhuma dúvida sobre o potencial de mercado da golosa”, afirma o secretário municipal de Agricultura, Pecuária e Abastecimento de São Félix do Xingu, Marlos Peterle. Ele conta que, na primeira década dos anos 2000, degustações da fruta faziam sucesso no Frutal Amazônia, uma feira de produtos Amazônicos realizada anualmente pelo governo do Pará, na cidade de Belém, capital do estado.
O secretário estima que a produção de golosa no município varia entre 10 mil e 15 mil quilos de frutos por ano e acrescenta que a maior parte é consumida pela própria população do município. “Com a polpa é possível fazer sucos, picolés, sorvetes, doces, musses. As possibilidades são muitas”, diz.
Atualmente, a Prefeitura de São Félix do Xingu vem atuando na ampliação dos plantios de golosa em sistemas agroecológicos, distribuindo entre 5 mil e 10 mil mudas produzidas no viveiro municipal para ribeirinhos e produtores rurais com objetivo de assegurar mais renda às famílias de agricultores e contribuindo com a preservação ambiental. “Outro campo de atuação é no sentido da preservação dos golosais nativos, fazendo com que a atividade extrativa seja parceira da preservação das áreas nas margens dos rios”, acrescenta.
Colhendo os frutos da autonomia
Entre as principais disseminadoras do processamento e consumo da golosa estão as mulheres da Associação das Mulheres Produtoras de Polpas de Frutas (AMPPF) de São Félix do Xingu. Para elas, o fruto exótico é mais um passo importante na caminhada pela busca de novos mercados para a produção local.
A Associação é composta por 55 famílias distribuídas entre as colônias Manguari, Nereu, Tancredo Neves, Shadday e Santa Rosa. Atualmente, o processamento das polpas de frutas é feito na única planta agroindustrial da AMPPF, localizada em Manguari, mas o grupo está investindo para expandir a etapa de industrialização.
“Devido às dificuldades de transporte, não são todos os associados que conseguem levar as frutas para o processamento na usina e muitos acabam despolpando e armazenando as frutas em casa mesmo. Assim, estamos terminando de construir uma outra usina em Tancredo Neves que vai ajudar a atender melhor todo mundo”, conta a presidente da AMPPF, Josefa Machado Neves.
Junto com a nova unidade de processamento, a Associação luta ainda para ampliar e melhorar a capacidade de armazenamento e faz planos para a aquisição de uma câmara fria e caminhões frigoríficos. “Nosso principal mercado hoje é o Programa Nacional de Merenda Escolar, mas nós queremos ampliar”, explica Josefa.
Com seu sabor exótico e as múltiplas possibilidades de aplicação da sua polpa na indústria alimentícia e na alta gastronomia, a golosa é parte importante dos planos da Associação de Mulheres de alçar vôos mais altos com uma atividade que ajuda a proteger a floresta. “Na associação trabalhamos com 13 sabores de polpas de frutas. A golosa é nosso 14º sabor e com ele esperamos crescer ainda mais”, afirma.
Sobre o Imaflora
O Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola – Imaflora – é uma associação civil sem fins lucrativos, criada em 1995, que nasceu sob a premissa de que a melhor forma de conservar as florestas tropicais é dar a elas uma destinação econômica, associada a boas práticas de manejo e a uma gestão responsável dos recursos naturais. Dessa maneira, o Instituto busca influenciar as cadeias produtivas dos produtos de origem florestal e agrícola; colaborar para a elaboração e implementação de políticas de interesse público e, finalmente, fazer, de fato, a diferença nas regiões em que atua, criando ali modelos de uso da terra e de desenvolvimento sustentável que possam ser reproduzidos em outros municípios, regiões ou biomas do País. Mais informações: https://www.imaflora.org/