A insatisfação dos juízes paraenses com as afirmações da presidente do TJ, desembargadora Célia Regina Pinheiro, sobre “quadro ilustrativo de grave indiferença ao jurisdicionado, o que, se não é real, assim parece e assim resulta” – divulgadas ontem com exclusividade pelo Ver-o-Fato -, repercutiram intensamente não apenas no estado, como em todo o país .
Entidades como a Anamages, que congrega os magistrados das justiças estaduais, e agora a Associação de Magistrados Brasileiros (AMB), criticaram as declarações da presidente e se posicionaram a favor dos juízes. O Ver-o-Fato teve acesso ontem à noite à nota da AMB, enquanto corriam rumores de que, diante da grande repercussão do caso, Célia Regina estaria tentando apagar o incêndio causado por ela própria e evitar a paralisação dos juízes em todo o estado..
Ela quer conversar, nesta segunda-feira, 29, com a direção da Associação dos Magistrados do Pará (Amepa) e estaria, segundo uma fonte, inclinada a desistir de mexer na gratificação de acervo e de reduzir a verba de acumulação de jurisdição. A reunião da presidente com a Amepa será antes da assembleia geral, prevista para ocorrer às 19 horas e convocada pelo juiz João Batista Nascimento, presidente da Assembleia Geral da Amepa. A reunião de Célia Regina será com o presidente da Amepa, Adriano Seduvin.
Além da ameaça de paralisação das atividades nas comarcas, a assembleia da Amepa tratará de temas considerados relevantes pela categoria, como auxílio alimentação de 10 por cento e desvinculado dos servidores; indenização-venda de férias (30 dias por ano por necessidade de serviço); indenização de plantões e gratificação por assunção de acervo, em seu patamar máximo”. Esses temas estão contemplados no projeto de resolução do TJ assinado por Célia Regina.
Para quem não conhece o que trata cada um dos assuntos contidos no projeto de resolução do TJ paraense é preciso explicar que a gratificação por acervo se refere à acumulação de juízo e à acumulação de acervo processual, que será devida aos magistrados que realizarem substituição por período superior a três dias úteis, sem prejuízo de outras vantagens cabíveis previstas em lei, salvo se ambas remunerarem a mesma atividade.
A queixa dos juízes está no fato de que a compensação por assunção de acervo foi aprovada e regulamentada em setembro de 2020 pelo plenário do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Os conselheiros do CNJ aderiram à recomendação do então presidente da entidade e do STF, ministro Dias Toffoli, a favor da resolução pelo direito do magistrado à compensação pelo exercício cumulativo de atribuições.
Segundo a proposição, o valor corresponderá a um terço do subsídio do magistrado designado à substituição para cada 30 dias de exercício de designação cumulativa; a remuneração será paga por tempo proporcional de serviço. A acumulação ocorre no exercício da jurisdição em mais de um órgão jurisdicional, como nos casos de atuação simultânea em varas distintas, e por acervo processual, com o total de ações distribuídas e vinculadas ao magistrado.
Em sua decisão, o ministro Dias Toffoli recomendou que a compensação tenha natureza remuneratória, não podendo o seu acréscimo ao subsídio mensal do magistrado implicar valor superior ao subsídio mensal dos ministros do STF. “Fica claro aqui que a compensação é submetida ao teto constitucional, e qualquer tipo de normativo local a respeito será submetido ao texto constitucional, como em outras ocasiões o Supremo Tribunal Federal já estabeleceu”, ressaltou ele.
Conforme a resolução, os tribunais que optarem por instituir a compensação por exercício cumulativo de jurisdição deverão estabelecer, por ato normativo próprio, as diretrizes e os critérios para sua implementação, observados os parâmetros e vedações estabelecidos pelas Leis 13.093 e 13.095, ambas de 2015.
Levantamento do CNJ mostra que, entre de 2010 e 2019, o número de magistrados no Brasil cresceu 7,16% (partindo de 16.883 para 18.091), e os casos novos ingressados anualmente no Poder Judiciário cresceram mais que o triplo: 25,94% — de 23,991 milhões para 30,214 milhões por ano.
Além disso, o total de julgamentos cresceu 37,07%, saindo de 23,137 milhões em 2010 para 31,714 milhões em 2019. Já número de julgamentos por magistrado cresceu 27,92%: de 1.370 para 1.753 neste mesmo período.
Excesso de processos, de trabalho e pandemia
De acordo com a presidente da AMB, Renata Gil de Alcantara Videira, mesmo nos momentos mais difíceis da pandemia, com decretação de lockdown, “os magistrados do Pará continuaram a exercer suas atividades, como têm feito durante toda a carreira, enfrentando as dificuldades impostas pelas condições precárias de acesso a diversas Comarcas”.
Segundo ela, o desempenho e a produtividade dos juízes paraenses resultaram na “obtenção do Selo Prata, no Prêmio CNJ de Qualidade 2020”. E lembra que a própria Célia Regina “destacou sua satisfação pelo desempenho do TJPA na premiação, parabenizando a todos os integrantes do Poder Judiciário que participaram do esforço conjunto”.
Em vista disso, Renata Gil observa que “quaisquer ilações a respeito de falta de cuidado com o jurisdicionado paraense, não reflete a realidade dos fatos e números que se encontram em relatórios oficiais, inclusive do Conselho Nacional de Justiça”. Além disso, a AMB reafirma que a magistratura paraense “tem demonstrado seu compromisso com a garantia dos direitos dos cidadãos, com a pacificação social, não podendo prosperar afirmações contrárias, sem base em análise criteriosa de estatísticas cotejadas com a realidade vivida na pandemia”.
Sobre a minuta de resolução do TJ do Pará, que trata de acumulação de jurisdição e acervo, Renata Gil explica que a recomendação 75, editada pelo então presidente do CNJ, Dias Toffoli, “teve por fim reparar uma distorção existente na justiça, qual seja, o excesso de processos tramitando em serventias sem que outras fossem criadas”.
“Participei pessoalmente do processo de criação da recomendação, que prescindiu de quaisquer critérios que não o excesso de processos para sua incidência. Não é demais lembrar que o Brasil tem o maior número de processos tramitando no mundo: 75 milhões, para apenas 18.000 juízes”, esclarece Renata Gil.
Ela pediu que a desembargadora Célia Regina faça a retirada do procedimento referente à resolução referida da COGE, “a fim de que o texto tenha pertinência com o comando do CNJ”. Sobre as afirmações da presidente do TJ, Renata Gil também as contesta, enfatizando que as palavras de Célia Regina “além de não se coadunarem com a bonita história da magistratura paraense, geram desestímulo para o Poder Judiciário que mais responde às demandas da sociedade no mundo”.
Em resumo, a dirigente nacional da AMB diz que após conversa com Célia Regina “temos convicção que os pleitos e o reconhecimento que os juízes paraenses merecem serão acolhidos”.